Oct 5, 2016

100 anos de Ulysses Guimarães: dois grandes discursos

22 de setembro de 1973. Dia histórico! 40 anos do discurso de “anti-candidato” de Ulysses Guimarães

No dia 22 de setembro de 1973, na convenção do MDB (Movimento Democrático Brasileiro), Ulysses Guimarães proferiu um histórico discurso intitulado “Navegar é Preciso, Viver não é Preciso”.
Através dele, o principal líder da oposição democrática ao regime militar lançou a sua “anti-candidatura” à presidência da República, tendo como candidato à vice-presidência Barbosa Lima Sobrinho, outro grande democrata. Era uma demonstração de coragem para enfrentar o Governo do Gal. Garrastazu Médici, o então chefe do regime militar. Esta “anti-candidatura” – mesmo sem chance de vitória no Colégio Eleitoral, abriu caminho para a estrondosa vitória do MDB nas eleições parlamentares de 1974. 
Em tempos em que figuras da estatura de Ulysses e Barbosa Lima são cada vez mais raras na política brasileira, lembrar daqueles que lutaram pela democracia no Brasil é essencial, pois, como escreveu o filósofo George Santayana, “Aqueles que esquecem o passado, estão condenados a repetí-lo”. 
Assim, transcrevo abaixo, na íntegra, este fantástico discurso.

“O paradoxo é o signo da presente sucessão presidencial brasileira. Na situação, o anunciado como candidato, em verdade, é o Presidente, não aguarda a eleição e sim a posse. Na Oposição, também não há candidato, pois não pode haver candidato a lugar de antemão provido. A 15 de janeiro próximo, com o apelido de “eleição”, o Congresso Nacional será palco de cerimônia de diplomação, na qual Senadores, Deputados Federais e Estaduais da agremiação majoritária certificarão investidura outorgada com anterioridade. O Movimento Democrático Brasileiro não alimenta ilusões quanto à homologação cega e inevitável, imperativo da identificação do voto ostensivo e da fatalidade da perda do mandato parlamentar, obra farisaica de pretenso Colégio Eleitoral, em que a independência foi desalojada pela fidelidade partidária. A inviabilidade da candidatura oposicionista testemunhará perante a Nação e perante o mundo que o sistema não é democrático, de vez que tanto quanto dure este, a atual situação sempre será governo, perenidade impossível quando o poder é consentido pelo escrutínio direto, universal e secreto, em que a alternatividade de partidos é a regra, consoante ocorre nos países civilizados.

Não é o candidato que vai percorrer o País. É o anticandidao, para denunciar a antieleição, imposta pela anticonstituição que homizia o AI-5, submete o Legislativo e o Judiciário ao Executivo, possibilita prisões desamparadas pelo habeas corpus e condenações sem defesa, profana a indevassabilidade dos lares e das empresas pela escuta clandestina, torna inaudíveis as vozes discordantes, porque ensurdece a Nação pela censura à Imprensa, ao Rádio, à Televisão, ao Teatro e ao Cinema.

No que concerne ao primeiro cargo da União e dos Estados, dura e triste tarefa esta de pregar numa “república” que não consulta os cidadãos e numa “democracia” que silenciou a voz das urnas.

Eis um tema para o teatro do absurdo de Bertold Brecht, que, em peça fulgurante, escarnece da insânia do arbítrio prepotente ao aconselhar que se o povo perde a confiança do governo, o governo deve dissolver o povo e eleger um outro.

Não como campanha, pois eqüivaleria a tola viagem rumo ao impossível, a peregrinação da Oposição pelo País perseguirá tríplice objetivo:
1 – Exercer sem temor e sem provocação sua função institucional de crítica e fiscalização ao governo e ao sistema, clamando pela eliminação dos instrumentos e da legislação discricionários, com prioridade urgente e absoluta a revogação do AI-5 e a reforma da Carta Constitucional em vigor.
2 – Doutrinar com o Programa Partidário, unanimemente aprovado pelo Tribunal Superior Eleitoral, conscientizando o povo sobre seu conteúdo político, social, econômico, educacional, nacionalista, desenvolvimentista com liberdade e justiça social, o qual será realidade assim que o Movimento Democrático Brasileiro for governo, pelo sufrágio livre e sem intermediários do povo.
3 – Concitar os eleitores, frustrados pela interdição de a 15 de janeiro de 1974 eleger o Presidente e o Vice-Presidente da República, para que a 1 5 de novembro do mesmo ano elejam senadores, deputados federais e estaduais da oposição, etapa fundamental para atuação e decisões parlamentares que conquistarão a normalidade democrática, inclusive número para propor Emendas e Reforma da Carta Constitucional de 1969 e a instalação de Comissões Parlamentares de Inquérito, de cuja ação investigatória e moralizadora a presente legislatura se encontra jejuna e a atual administração imune, pela facciosa intolerância da maioria situacionista.

Hoje, e aqui, serei breve.

Somos todos cruzados da mesma cruzada. Dispensável, assim, pretender convencer o convicto, converter o cristão, predicar a virtude da liberdade a liberais, que pela fé republicana pagam até o preço de riscos e sofrimentos.

Serei mais explícito e minudencioso ao longo da jornada,quando falarei também a nossos irmãos postados no outro lado do rio da democracia.
Aos que aí se situaram por opção ou conveniência, apostasia política mais rebelde à redenção.
Prioritariamente, aos que foram marginalizados pelo ceticismo e pela indiferença, notadamente os jovens e os trabalhadores, intoxicados por maciça e diuturna propaganda e compelidos a tão prolongada e implacável dieta de informações.
Quando a Oposição clama pela reformulação das estruturas político-sociais e pela incolumidade dos direitos dos cidadãos, sua reiteração aflige os corifeus dos poderosos do dia.

Faltos de razão e argumentos, acoimam-na de fastidiosa repetição. Condenável é repetir o erro e não sua crítica. Saibam que a persistência dos abusos terá como resposta a pertinácia das denúncias.

Ressaltarei nesta Convenção a liberdade de expressão, que é apanágio da condição humana e socorre as demais liberdades ameaçadas, feridas ou banidas.
A oposição reputa inseparáveis o direito de falar e o direito de ser ouvido.
É inócua a prerrogativa que faculta falar em Brasília, não podendo ser escutado no Brasil, porquanto a censura à Imprensa, ao rádio e à Televisão venda os olhos e tapa os ouvidos do povo. O drama dos censores é que se fazem mais furiosos quanto mais acreditam nas verdades que censuram. E seu engano fatal é presumir que a censura, como a mentira, pode exterminar os fatos, eliminar os acontecimentos, decretar o desaparecimento das ocorrências indesejáveis.
A verdade poderá ser temporariamente ocultada, nunca destruída. O futuro e a história são incensuráveis.
A informação, que abrange a crítica, é inarredável requisito de acerto para os governos verdadeiramente fortes e bem intencionados, que buscam o bem público e não a popularidade. Quem, se não ela, poderá dizer ao Chefe de Estado o que realmente se passa, às vezes de suma gravidade, na intimidade dos Ministérios e dos múltiplos e superpovoados órgãos descentralizados?
Quem, se não ela, investigará e contestará os conselhos ineptos dos Ministros, as falsas prioridades dos técnicos, o planejamento defasado dos assessores? Essa a sabedoria e o dimensionamento da prática com que o gênio político britânico enriqueceu o direito público: Oposição do Governo de Sua Majestade, ao Governo de sua Majestade.
A burocracia pode ser preguiçosa, descortês, incapaz e até corrupta. Não é exclusivamente na Dinamarca, em qualquer reino sempre há algo de podre. Rematada insânia tornar impublicáveis lacunas, faltas ou crimes, pois contamina de responsabilidade governante que a ordena ou tolera.
Eis por que o poder absoluto, erigido em infalível pela censura, corrompe e fracassa absolutamente.
É axiomático, para finalizar, que sem liberdade de comunicação não há, em sua inteireza, Oposição, muito menos Partido de Oposição.
Como o desenvolvimento é o desafio da atual geração, pois ou o Brasil se desenvolve ou desaparecerá, o Movimento Democrático Brasileiro, em seu Programa, define sua filosofia e seu compromisso com a inadiável ruptura da maldita estrutura da miséria, da doença, do analfabetismo, do atraso tecnológico e político.
A liberdade e a justiça social não são meras conseqüências do desenvolvimento. Integram a condição insubstituível de sua procura, o pré-requisito de sua formulação, a humanidade de sua destinação.
A liberdade e a justiça social conformam a face mais bela, generosa e providencial do desenvolvimento, aquela que olha para os despossuidos, os subassalariados, os desempregados, os ocupados em ínfimo ganha-pão ocasional e incerto, enfim, para a imensa maioria dos que precisam para sobreviver, em lugar da escassa minoria dos que têm para esbanjar.
Este o desenvolvimento vivificado pelas liberdades roosevelteanas, inspiradoras da Carta das Nações Unidas, as que se propõem a libertar o homem do medo e da necessidade. É o perfilhado na Encíclica Populorum Progressio, isto é, prosperidade do Povo, não do Estado, que lhe é consectária, cunhando seu protótipo na sentença lapidar: o desenvolvimento é o novo nome da paz.
Desenvolvimento sem liberdade e justiça social não tem esse nome. É crescimento ou inchação, é empilhamento de coisas e valores, é estocagem de serviços, utilidades e divisas, estranha ao homem e a seus problemas.
Enfatize-se que desenvolvimento não é silo monumental e desumano, montado para guardar e exibir a mitologia ou o folclore do Produto Interno Bruto, inacessível tesouro no fundo o mar, inatingível pelas reivindicações populares. É intolerável misitificar uma Nação a pretexto de desenvolvê-la, rebaixá-la em armazém de riquezas, tendo como clientela privilegiada, senão exclusiva, o governo para custeio de tantas obras faraônicas e o poder econômico, particular ou empresarial, destacadamente o estrangeiro, desnacionalizando a indústria e dragando para o exterior lucros indevidos.
É equívoco, fadado à catástrofe, o Estado absorver o homem e a Nação.
A grandeza do homem é mais importante do que a grandeza do Estado, porque a felicidade do homem é a obra-prima do Estado.
O Estado é o agente político da Nação. Além disso e mais do que isso, a Nação é a língua, a tradição, a família, a religião, os costumes, a memória dos que morreram, a luta dos que vivem, a esperança dos que nascerão.
Liberdade sem ordem e segurança é o caos. Em contraposição, ordem e segurança sem liberdade são a permissividade das penitenciárias. As penitenciárias modernas são mini-cidades, com trabalho remunerado, restaurante, biblioteca, escola, futebol, cinema, jornais, rádio e televisão.
Os infelizes que as povoam têm quase tudo, mas não têm nada, porque não têm a liberdade. Delas fogem, expondo a vida ou aguardam aflitos a hora da libertação.
Do alto desta Convenção, falo ao General Ernesto Geisel, futuro Chefe da Nação.
As Forças Armadas têm como patrono Caxias e como exemplo Eurico Gaspar Dutra, cidadãos que glorificaram suas espadas na defesa da lei e na proteção à liberdade. O General Ernesto Geisel a elas pertence, dignificou-as com sua honradez, delas sai para o supremo comando político e militar do Brasil.
A história assinalou-lhe talvez a última oportunidade para ser instituído no Brasil, pela evolução, o governo da ordem com liberdade, do desenvolvimento com justiça social, do povo como origem e finalidade do poder e não seu objeto passivo e vítima inerme.
Difícil empresa, sem dúvida. Carregada de riscos, talvez. Mas o perigo participa do destino dos verdadeiros soldados.
A estátua dos estadistas não é forjada pelo varejo da rotina ou pela fisiologia do cotidiano.
Não é somente para entrar no céu que a porta é estreita, conforme previne o evangelista São Mateus, no Capítulo XXIII, versículo 24.
Por igual, é angustiosa a porta do dever e do bem, quando deles depende a redenção de um povo. Esperemos que o Presidente Ernesto Geisel a transponha.
A Oposição dará à próxima administração a mais alta, leal e eficiente das colaborações: a crítica e a fiscalização.
Sabe, com humildade, que não é dona da verdade. A verdade não têm proprietário exclusivo e infalível.
Porém sabe, também, que está mais vizinha dela e em melhores condições para revelá-la aos transitórios detentores do poder, dela tantas vezes desviados ou iludidos pelos tecnocratas presunçosos, que, amaldiçoam e exorcizam os opositores, pelos serviçais de todos os governos, pelos que vitaliciamente apoiam e votam para agradar ao Príncipe.
A oposição oferece ao governo o único caminho que conduz à verdade: a controvérsia, o diálogo, o debate, a independência para dizer “sim” ao bem e a coragem e para dizer “não” ao mal – a democracia em uma palavra.
Senhores Convencionais:
Do fundo do coração digo-lhes que não agradeço a indicação que consagra minha vida pública. Missão não se pede. Aceita-se, para cumprir, com sacrifício e não proveito.
Como Presidente Nacional do Movimento Democrático Brasileiro agradeço-lhes, aí sim, o destemor e a determinação com que ao sol, aos ventos e desafiando ameaças desfilam pela Pátria o lábaro da liberdade.
Minha memória guardará as palavras amigas aqui proferidas, permitindo-me reportar às da lavra dos grandes líderes Senador Nelson Carneiro e Deputado Aldo Fagundes, parlamentares que têm os nomes perpetuados nos Anais e na admiração do Congresso Nacional.
Significo o reconhecimento do Partido a Barbosa Lima Sobrinho, por ter acudido a seu empenhado apelo.
Temporariamente deixou sua biblioteca e apartou-se da imprensa, trincheiras de seu talento e de seu patriotismo, para exercer perante o povo o magistério das franquias públicas, das garantias individuais e do nacionalismo.
Sua vida e sua obra podem ser erigidas em doutrina de nossa pregação
Por fim, a imperiosidade do resgate da enorme injustiça que vitimou, sem defesa, tantos brasileiros paladinos do bem público e da causa democrática. Essa Justiça é pacto de honra de nosso partido e seu nome é ANISTIA.
Senhores Convencionais:
A caravela vai partir. As velas estão paridas de sonho, aladas de esperanças. O ideal está ao leme e o desconhecido se desata à frente.
No cais alvoroçado, nossos opositores, como o velho do Restelo de todas as epopéias, com sua voz de Cassandra e seu olhar derrotista, sussurram as excelências do imobilismo e a invencibilidade do establishment. Conjuram que é hora de ficar e não de aventurar.
Mas no episódio, nossa carta de marear não é de Camões e sim de Fernando Pessoa ao recordar o brado:

“Navegar é preciso.
Viver não é preciso”.

Posto hoje no alto da gávea, espero em Deus que em breve possa gritar ao povo brasileiro: Alvíssaras, meu Capitão. Terra à vista!
Sem sombra, medo e pesadelo, à vista a terra limpa e abençoada da liberdade.”

 

Discurso de posse de Ulysses

Encerrando essa Convenção de abril de 1972, o novo presidente do Diretório Nacional, deputado Ulysses Guimarães, em seu discurso “Hoje começa a ser outro dia”, repudiou o pessimismo de companheiros que pensavam ser impossível manter vivo um partido político de oposição em regime tão autoritário e asfixiante. E, em verdadeira profissão de fé, assegurou sua crença de que o MDB traria para o Brasil outros e melhores dias:

Senhores convencionais: fundador do MDB, participei de todas suas dramáticas crises. Sempre me manifestei contra a autodissolução do partido. Isso seria suicí- dio e o suicídio é rematada loucura. Se um parente ou amigo está mal, talvez condenado à morte, que fazer? Suspender a assistência médica, cessar os cuidados, conformar-se? Ou, ao revés, tentar tudo, fazer todos os sacrifícios, redobrar as vigílias, multiplicar os desvelos? Principalmente rezar.Temos fartos exemplos dos que assim se salvaram, por obra do amor e da ciência dos homens ou por milagre de Deus.

No meu sentir, extinção automática e universal dos mandatos oposicionistas e dos respectivos suplentes será o consectário moral e legal da medida extrema.

Digo legal, pois o ingresso da decisão terminativa da existência do partido na Justiça Eleitoral, implicitamente decretará o desaparecimento de todos seus órgãos. A Lei Orgânica dos Partidos, no art. 22, inciso III, define as bancadas como órgãos das agremiações políticas. É singelo postulado do bom senso: como os órgãos lograrão sobreviver à morte do organismo, as partes à do todo?

Parece que está chegando a hora de adotarmos a legenda do herói francês: “Tout est perdu. J´ataque”.

A procela esmigalhava a nau, o furacão arrastava e rompia o velame, as vagas varriam o convés. A tripulação, apavorada, escondeu-se nos porões, entregou-se, olhava desenganadamente pelas escotilhas fustigadas de espumas e de vento. Exempla o cronista da epopéia das descobertas, escrita pelas caravelas portuguesas nos mares da Terra e da qual o Brasil é pagina, que o capitão salvou a honra e a vida daquela gente ao lembrar-lhe: – “El Rei mandou navegar. El Rei não mandou ter medo”. Os que se filiam ao Movimento Democrático Brasileiro e, guiados por sua bandeira, são investidos em postos de deliberação, direção, ação parlamentar ou cooperação, fazem-no espontaneamente e, voluntariamente, se comprometem com o objetivo magno de recolocar a democracia no comando político do país. Esse 97 dever é irrenunciável. Para bem executá-lo, impõe-se ampliar os meios e não apoucá-los ou desprezá-los.

Na escalada deste ideal, a causa manda a oposição ousar e não recuar.

Alguns propõem desesperados: “Basta! Não devemos participar da farsa!” De acordo. Não devemos participar como atores, declamar o enredo impopular. Impõe-se sermos os anti-personagens, permanecermos no palco e não em casa, para denunciarmos o espetáculo, gritando para o público: “O título Democracia é falso. A peça é outra. Nós conhecemos seu texto e o povo é seu autor. Essa que aí está é contrafação. Seu verdadeiro nome é “Pseudodemocracia”, “Criptodemocracia” ou “Democracia consentida””.

Luta-se como se pode e não como se quer. Com bravura, não por valentia. Não é desonra, na luta, ser fraco ou desarmado. Desonra é não lutar. Desertar. Fugir. Jogar as armas no chão, ainda que imbeles. Como disse nosso extraordinário presidente de honra, senador Oscar Passos: “Devemos lutar até o último vereador”. Não é uma frase. Poderá ser trágica profecia.

O MDB está acuado. É lago do qual a violência vai secando as fontes abastecedoras de água e vida. A mais pura é o voto direto, vale dizer, o povo. Secou para presidente e vice-presidente da República, para governador e vice-governador de Estado. Secou para a autonomia dos maiores municípios, a começar pelas capitais. Foram explícita ou implicitamente discriminados como zonas de Segurança Nacional, como se urna, voto e vontade popular pudessem ser subversivos. Boqueja-se o torvo pregão de que a calamidade da curatela político-administrativa flagelará novas comunas. Como sempre, na presente conjuntura, além de boatos, nada previamente transpira do hermetismo inescrutável em que se encolheu o poder dominante, inclusive para proteger a clandestina elaboração dos megalomaníacos projetos-impacto.

O MDB pergunta, a ARENA nada sabe e o sistema nada informa. Finou-se o diálogo democrático por falta de interlocutores.

Eis o desencontrado monólogo que acabrunha o povo e diverte o mundo: – a oposição está rouca de tanto indagar, a situação ficou muda de tanto ignorar e o governo, que não é contra o MDB nem a favor da ARENA, porque simplesmente ignora a ambos, pela magia descomunal e pirotécnica propaganda, tenta impingir ao público os produtos prodigiosos de sua fenomenal fábrica de milagres.

Vencendo o entulho do AI-5, supressão de garantias ao Judiciário, censura à imprensa, pressão do dinheiro e da cadeia, sublegenda e voto vinculado, além de outros obstáculos, ainda corre um esgarço fio d´água para eleger vereadores, deputados e senadores. Isso tem evitado que o lago seque. Isso tem impedido que a democracia morra de sede. Ainda assim, continuando as coisas como estão, os atuais abencerragens – que não são os últimos, porque estes serão os que, raros, sobreviverem a futuras eleições, – lutam e lutarão de teimosos. Santa teimosia! Invadiram-lhes a Casa. O Congresso é sucursal do Palácio da Alvorada.

No Brasil, em sua Carta Outorgada, o 98 capítulo do Poder Legislativo na realidade é transplante do Poder Executivo. Este usurpou daquele funções institucionais. Falar com destemor e independência tornou-se risco e não dever, pela ameaça das cassações, efetivas ou brancas, e pela frustração da inviolabilidade e da imunidade parlamentares. E os que falam quase não são ouvidos. Suas palavras morrem nas belas paredes da Câmara dos Deputados ou do Senado da República.

Os jornais – gloriosas exceções! -, a televisão e o rádio divulgam o futebol, previsão do tempo, telenovelas e filmes, mortes, incêndios, afogamentos, sangrentos e não punidos desabamentos de pontes, viadutos e prédios. De “política”, exclusivamente o auto-elogio do governo. A oposição é assunto proibido. E daí? Nós, do MDB nos obstinaremos a fazer o que podemos, enquanto os outros continuarem a fazer o que não devem. Queremos a paz, mas não aceitamos a capitulação, que não infringiremos também aos que divergem de nós. Não é aceitável paz com injustiça; com salários e vencimentos poluídos; com moeda desonrada pela inflação; com o poder entronizado como fim e não empregado como meio; com o iníquo ostracismo político e profissional, dentro da própria pátria, de tantos brasileiros; com legislativos que são eleitos pelo povo, para praticamente não funcionarem, e executivos que são “eleitos” sem o povo para superfuncionarem, sem fiscalização e unipessoalmente.

Mal comparando, o MDB é instalação elétrica com muitos fusíveis queimados por força invasora. Isso explica a penumbra. A qualquer momento chegará a ela a corrente genuína que foi interceptada. Então a casa se iluminará com a boa luz da liberdade. Se não houver a instalação, a casa continuará às escuras. Ainda que precária, por que destruir a rede? As trevas são da responsabilidade dos que subtraem a corrente. Não seja nossa, pelo abandono do aparelho que as espancará um dia. Creio na verdade, no bem, na justiça e na fé. Em política estas virtudes só têm um nome: Democracia. Creio que, cedo ou tarde, o bem triunfará, do contrário coonestaria o mal pela convivência.

Creio que a verdade que afinal não prevalece é pseudoverdade ou monstruoso pressuposto da mentira. Creio que a justiça latente, perpetuamente oculta e inerme, é a suprema injustiça. Creio que só é fé a fé que se desterra das catacumbas, para ser consolo de muitos e não martírio de alguns. Creio na vitória da democracia, porque creio no povo. O povo é imbatível. Creio que no Brasil há povo e não massa, que sabe que tem direitos seculares, reconhecidos pelo Estado, e direitos naturais e eternos, herdados de Deus; que semelhantes direitos são sua casa, sua propriedade, sua crença, sua saúde, sua educação, sua mesa, sua roupa, seu lazer, seu bem-estar; que sem tais dons a vida é impostura, sendo preferível morrer vivo do que viver morto; que, como justificou Churchill, apesar de suas indiscutíveis e lamentáveis imperfeições, intrínsecas à obra humana, o engenho do homem até agora politicamente não inventou nada que substitua a democracia, único regime capaz de organizar o Estado para evitar o caos e simultaneamente armar o indivíduo com garantias e direitos, que resistam a todas as formas de poder, inclusive do Estado, em suas extras limitações de intolerância e prepotência.

Breve passarão os pesadelos da noite e seremos orvalhados pela benção da alvorada. Falo por todos, pelos correligionários de todos os cantos do Brasil, os que votam, os que arregimentam, os que se ocupam e preocupam com encargos partidários e de representação, ao expressar esta mensagem de consolo e perseverança: – Não serão baldios nossa insana lida, nosso desengano, nosso sofrimento e não rolaram em vão as cabeças de nossos líderes e de companheiros apaixonados pelo Brasil, pois é graças a isso que nosso coração sente que hoje começa a ser outro dia. Respeito a opinião dos que entendiam que ao Movimento Democrático Brasileiro apenas restava cerrar suas portas. Não estavam inspirados nem pelo medo, nem pelo escapismo.

Estavam passageiramente desesperados. É um erro e o que há de terrível no erro é que “ele tem seus heróis sinceros”, compreendia Chesterton. No suicídio quase sempre há a demissão, às vezes há o gesto. Impávido inclusive. É o caso clássico do comandante do navio que vai ao fundo. Não quer que o mar, seu velho amor e traiçoeiro inimigo, que lhe venceu o barco, também o mate. Morre antes. Mata-se. Os sismógrafos políticos acusam risco de naufrágio para as instituições democráticas deste país. Não é hora de morrer, nem de demitir-se, mas de viver, para salvá-las. Este o destino da oposição no Brasil Vamos cumprí-lo.

A ordem, que não poderá ser desobedecida, acaba de ser dada pela 5ª Convenção Nacional do Movimento Democrático Brasileiro. A oposição tem programa examinado com seriedade e respeito pela imprensa, associações, institutos e universidades, inclusive pelos nossos adversários. Nele estão os rumos e a estratégia a que estamos obrigados por fidelidade. Ao encerrar nossos trabalhos, incorporo-os ao abraço e às palavras de gratidão e adeus que a praxe recomenda que o presidente do Diretório Nacional dê e diga aos cavaleiros da cruzada redentora. Contudo, não deixarei esta cadeira sem antes malsinar dois recentes flagelos. O primeiro acarretará a aberração dos governos estaduais nascerem no bolso do colete e não nas urnas, contaminando-os de incurável ilegitimidade democrática.

É a Emenda-robô, concebida num delírio de ferro e força, para que sua fatalidade de autômato comande vontades automatizadas, obediências autômatas e votações automáticas. Materialmente não é emenda constitucional, embora lhe haja usurpado o aspecto e o apelido. É um expediente. Não foi o primeiro, desafortunadamente não será o último. A legislação eleitoral e a tributária estão infestadas deles. Castiguemo-la com o conhecido adágio: – Pior a emenda do que o soneto, corrija-se aqui para Carta Outorgada de 1969. Descobriram agora que o voto indireto é essencial para o combate à inflação. Esperemos que a absurda vinculação não seja subversivamente exportada para as 100 nações, como os Estados Unidos da América do Norte, que enfrentam a erosão do custo de vida sem golpear as instituições livres.

O outro é o Leviatã da República fiscal. Teme-se que resvale para a iliquidez a descomunal dívida externa e interna, temerariamente contraídas a curto prazo e para financiamento até de obras promocionais. O sacrifício e o irredentismo de Tiradentes não têm sido revividos, mas recrucificados, nos derradeiros 21 de Abril.

O Brasil geme como colônia fiscal do governo, como na época do Proto-Mártir da Independência o povo e as empresas são esfolados por dízimos e derramas, de vez que impostos, quando não votados pelo Legislativo e antes de cobrados, prudencialmente figurem nos orçamentos, para não surpreenderem e arruinarem os contribuintes. Com decretos-leis, decretos, portarias, ordens de serviço ou avisos de teor impositivos, intentam cortar a raiz histórica do Parlamento, que contra as espoliações tributárias opôs a armadura do “no taxation without representation”.

Há canção célebre no mundo e cruel e contemporaneamente verdadeira para o Brasil, “The Taxman”, da qual traduzo o seguinte libelo: “Se você dirige um carro, eu taxarei a rua.Se você tenta sentar-se, eu taxarei o assento.Se você sente frio, eu taxarei o calor.Se você sai a passeio, eu taxarei suas pernas”. Ao final, tomo como meus dois grandes interlocutores: O presidente da República e os convencionais. Dirijo-me ao general Emílio Garrastazu Médici, desta tribuna e tomando a nação por testemunha, porque o considero um brasileiro de honra e de bem. Há os que desejam, notadamente os oportunistas de todos os governos, que sua excelência simplesmente dure no poder.

O Movimento Democrático Brasileiro, cumprido seu programa, cujo pré-requisito é a restauração democrática, assegurará seu ingresso na história. Rogamos a Deus que transcorridos três anos, em data coincidente com a de hoje, fortalecidos pela indeclinável unidade partidária e motivados pelo fervor dos correligionários, ao passarmos o timão para outras mãos, possamos, com o beneplácito do excelso fórum político a que devemos contas, dizer com simplicidade e consciência tranqüila: “Missão cumprida”.

4 Comments

  • Citadini, sei que não têm nada a ver com o post, mas pesquisando no youtube, encontrei esse vídeo sobre a repercussão mundial do Gol do Guerrero na final do mundial de clubes. É uma reportagem da TV Peruana. Abraços.
    http://www.youtube.com/watch?v=-yVLtCwFjwA

    • Deixou de ser SMALL para um MEDIUM….

  • Bom, para acrescentar, mais essa narração, da Fox Argentina.

  • Bom, para acrescentar, mais essa narração, da Fox Argentina. Agora sim, segue link.
    http://www.youtube.com/watch?v=T6MS8ySeFwk

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