O Corinthians na música
Corinthians, Campeão do Centenário por Jamelão
Este samba é uma agradável homenagem ao Corinthians. Composto por Billy Blanco, foi gravado por Jamelão em 1955.
William Blanco Trindade, ou Billy Blanco, nasceu em Belém do Pará, em 1924. Estudou arquitetura em São Paulo e se consagrou como um dos grandes nomes da Bossa Nova, tendo composições imortalizadas por Linda Batista, Dolores Duran, Dick Farney, Inezita Barroso, Elizeth Cardoso e Tom Jobim.
José Bispo Clementino dos Santos, o Jamelão, nasceu no Rio de Janeiro, em 12 de maio de 1913 e faleceu em 14 de junho de 2008.
Jamelão tinha gênio forte e se consagrou pelo talento como sambista e grande intérprete da escola de samba Mangueira.
Com sua voz divina, ele deixa aqui registrado o samba de Billy Blanco.
Corinthians, Campeão do Centenário (1955)
(Billy Blanco)
Procurei uma rima pra Corinthians
Não encontrei, mas achei a solução
Soltei o Mosqueteiro no gramado
Pra ser chamado
Corinthians do Centenário!
Bi-campeão!
Peço ao Palmeiras
Que explique à Portuguesa
São Paulo e Juventus
Compreenderão com certeza
Corinthians era difícil de rimar
Eu tinha de arranjar a solução, então
Uma entrevista que esclarece muita coisa.
BEBETO DE FREITAS (VÔLEI E FUTEBOL)
A ERA DE CHUMBO DO ESPORTE BRASILEIRO É AGORA
Por Fabiana Bentes
Paulo Roberto de Freitas, conhecido como Bebeto de Freitas, ainda hoje é apontado como um dos grandes técnicos do vôlei mundial e é o único profissional brasileiro, entre todos os esportes, a ser campeão do mundo com outra seleção (da Itália, em 1998).
Sua experiência como jogador olímpico – disputou os Jogos de 1972 e 1976 – foi fundamental para que ele atuasse na transformação técnica do vôlei brasileiro na década de 80. As mudanças foram consagradas com o primeiro resultado expressivo da seleção: a medalha de prata nos Jogos de Los Angeles 1984.
Em seguida, trocou de esporte e passou a atuar como dirigente esportivo de clubes de futebol. Assumiu a presidência do seu clube do coração, o Botafogo, em 2002 e a direção do Atlético Mineiro, em 2008.
Nesta entrevista a jornalista Fabiana Bentes, ele critica a gestão do esporte no país.
Esporte Essencial: Qual a sua opinião sobre a situação do esporte olímpico e do futebol no país?
Bebeto de Freitas: Um caos. Mas um caos que já chegou ao desespero. Para começar, nós não temos uma política esportiva. Você só tem o alto de rendimento quando tem quantidade de desportistas. Uns anos atrás saiu num estudo americano que para cada recordista mundial de natação, eles tinham que ter 3 mil atletas de nível internacional e desses eles tirariam um. O desenvolvimento do esporte só vem com um número grande de atletas que praticam num certo nível. Então, para melhorar o esporte num país, é preciso melhorar o nível médio de todos os atletas. Na medida em que você melhora seu nível médio, você aumenta a quantidade de jogadores e atletas. Aqui no Brasil, ao mesmo tempo em que fez um trabalho muito bom no voleibol, o Nuzman decretou a falência do esporte no país. O vôlei é o único esporte nosso que há mais de 30 anos conquista medalhas no masculino e feminino em todas as divisões. Num país de mais de 200 milhões de habitantes, nós temos 10 equipes de ponta.
EE: No seu ponto de vista, qual é a real situação do voleibol no Brasil, como esporte, não no aspecto de gestão?
BF: Então, nós temos duas realidades: a do voleibol no Brasil e a do voleibol do Brasil. Nuzman mudou esse conceito porque percebeu que o valor que ele tinha enquanto presidente da confederação era a seleção brasileira. Não tinha problema político, fazia da forma que ele quisesse e o faturamento era direto para ele, não tinha clube, não tinha nada. Se for reparar bem, a história do voleibol no Brasil, a saída dos clubes e a entrada das empresas foi um “start up” muito importante para o esporte. Só que com o tempo, ele foi impondo condições. A primeira condição é que não existe patrocinador, esse é o grande erro que nós ainda mantemos no Brasil. O que existe é um investidor no esporte. Então, o patrocinador é quem acredita e investe no esporte, sabendo que o esporte pode dar à empresa dele o retorno ao investimento que está fazendo. Não é “paitrocínio”. Quem faz investimento grande precisa de um retorno no mesmo nível do investimento. E essa política que o Nuzman criou é uma política da elite. Então, há 30 anos, o voleibol brasileiro trabalha com a elite da elite. O voleibol se popularizou no Brasil pela seleção brasileira, não pelos clubes. Ninguém sabe quem foi o campeão brasileiro de dois anos atrás, eu mesmo não me lembro. A cada ano saem equipes e entram outras, porque não existe o clube, são empresas. Sobre o escândalo da CBV, agora vamos esperar a apuração dos fatos.
EE: Mas qual é o impacto real dessa situação no esporte?
BF: Da mesma forma que existem os nichos de mercado em que empresas diferentes atuam, também existem nichos no esporte. No voleibol, por exemplo, cerca 65% dos torcedores assíduos são mulheres. Então, atrai empresas que tem interesse nesse tipo de público. O único esporte que não é possível determinar um nicho específico é o futebol, porque abrange todas as camadas da população. Não da forma como a gente imagina, essa “pátria de chuteiras”, hoje você tem um percentual maior dos que rejeitam do que os que são apaixonados.
A questão importante é que a política criada pelo Nuzman no voleibol foi a que serviu de exemplo para todas as outras. As Confederações se preocupam com as suas seleções, porque é a forma que tem para ganhar dinheiro. Apesar de ter feito coisas boas, Nuzman fez coisas muito ruins e a primeira foi trabalhar com a elite. O resultado é que o Brasil, com 200 milhões de habitantes tem uma política esportiva pior do que Cuba, que trabalha com 7 milhões de habitantes. Quando tinham recursos, os cubanos tinham um projeto de selecionar crianças a partir dos dois anos de idade. A partir de testes, eles identificavam uma tendência daquela criança para determinados esportes e a criança era encaminhada para os centros da sua cidade, que não eram de alto nível nem nada. Mas com tempo e orientação, esses locais selecionavam as melhores dessas crianças, que iam para outro estágio e depois outros até chegar à seleção. E eles não tinham apenas uma seleção, tinham duas, três. E o Nuzman fez isso no voleibol.
Quando o voleibol começou a ganhar medalha, em 1991, nós tínhamos campeonatos estaduais, como o do Rio de Janeiro, com 14 equipes. São Paulo e Minas Gerais também tinham grandes campeonatos com equipes do interior. Hoje não sei nem quantos times tem. Ninguém está preocupado com o campeonato brasileiro, ninguém está preocupado em desenvolver clubes.
EE: Como foi a sua participação para o desenvolvimento do voleibol no Brasil?
BF: Eu contribuí muito quando assumi a seleção brasileira em 1981. Naquela época, não tinha nada, do ponto de vista de alto nível, no voleibol brasileiro. E eu vinha de fora, tinha passado cinco anos nos EUA jogando, estudando e trabalhando. Então, nós fomos criando uma estrutura de desenvolvimento do alto nível no voleibol. Eu fui técnico da seleção brasileira, no primeiro período, de 1981 a 1984. Nós não tivemos mais de 16 jogadores nesse período, porque não tínhamos jogadores em quantidade. Além disso, a diferença do treinamento era muito grande. Em clubes, treinava-se três vezes por semana, e esses atletas da seleção treinavam duas vezes ao dia. E aí, obviamente, nós tivemos um resultado da seleção e o vôlei foi crescendo, ganhando importância, ganhando uma indústria. Mas nunca desenvolveu essa indústria. E essa sempre foi a minha diferença com o Nuzman. Com a ida para o COB, ele conseguiu levar esse modelo para todos os outros esportes. As outras Confederações não estão preocupadas nesse desenvolvimento e as que estão, não tem alto nível.
A famosa “geração de prata” (direita para a esquerda): Major Paulo Sérgio da Rocha, Jorge Barros (Jorjão), Bernard, Leonídio, Fernandão, Rui, Xandó, Domingos Maracanã, Amaury, Bebeto de Freitas, José Carlos Brunoro, José Mathias, Marcus Vinícius, Montanaro, Bernardinho, Renan, William, Ronaldão, Cacau e Badá
EE: Houve então um impacto nas confederações?
BF: Sim. Transformou a confederação em inimiga dos clubes, porque as confederações se tornaram agências de esporte, de marketing. E o COB se transformou na mesma coisa, em relação ao esporte todo. O COB não tem autoridade, o motivo dele existir é trabalhar as seleções olímpicas brasileiras. E, hoje, nós temos uma política esportiva em que a grande maioria das leis é do Estado Novo, ainda. A legislação esportiva no Brasil é a maior vergonha do mundo. Agora aconteceu um movimento de atletas, mas eles não ganharam nada. O fato do cara não poder se reeleger mais de duas vezes é importante, mas não é o principal.
O que domina a política são os casuísmos do estatuto. No COB, por exemplo, você só pode ser candidato depois de cinco anos a frente de não sei o que. Então, isso já está limitando. Depois, para ser presidente da Confederação Brasileira, você precisa de 13, 14 votos. Com 13 votos você é o presidente do esporte no Brasil. Eu trabalhei na Itália, um país de aproximadamente 60 milhões de habitantes. Lá, para ser presidente da Federação de Vôlei, o candidato disputava cerca de 16 mil votos. O que adianta eu ter tido experiência no voleibol se eu não posso votar? Se eu não estou entre os 13 ou 14, acabou.
EE: Como você vê a situação dos atletas no Brasil?
BF: Quem vive do esporte é pedinte, porque o COB briga com o patrocínio. Veja quantas empresas patrocinaram a seleção brasileira de voleibol que eram empresas que patrocinavam clubes. Aconteceu que o nicho era muito bom, a repercussão era muito boa, mas a seleção dava mais. Então, o Nuzman ia lá e tirava o patrocinador da equipe, que se tornava o patrocinador da seleção, e acabava o clube e o time.
EE: Como você avalia a legislação do esporte no país?
BF: O esporte no Brasil é um caos porque a legislação é um caos. Nós nem sabemos direito que legislação é essa. Criaram o Estatuto do Torcedor, Lei Zico não foi a lei que ele preparou e, em seguida, a Lei Pelé, que também não foi o que ele fez. O Zico nem quer que misture o nome dele com a lei, porque é muito diferente do que ele fez. Não temos como criar uma estrutura para o esporte sem que seja democrática, sem que seus direitos sejam preservados. No futebol, o clube não tem direito à imagem do seu jogo, ele vende porque se não vender não aparece na televisão. Infelizmente no Brasil, mesmo o jogo sendo na minha “casa”, o adversário também tem direito à imagem. Então, se ele não assinar o contrato, não vai ter jogo televisionado. E aí entra a questão de não ter concorrente. Se eu discordo do que o Botafogo quer receber, por exemplo, não posso fazer nada, porque se não aceitar, o clube não joga. No momento que você não tem direito, passa a ter só deveres. Enquanto não tivermos leis que protejam os direitos do atleta, nada vai melhorar. A maior vergonha que tem no esporte brasileiro é a questão do direito de imagem dos atletas. Os atletas tinham que receber pela veiculação da sua imagem, é lei inalienável, mas eles conseguiram mudar sem data de prescrição. Ou seja, eu poderia cobrar de você, daqui a 30 anos por uma entrevista, por exemplo. Mas aí eles conseguiram, através de lobby, passar para 5 anos. Eu tenho de hoje a cinco anos para entrar na justiça contra a veiculação da minha imagem sem pagamento. Daqui a cinco anos, meu direito acaba. Na verdade, tudo o que fazem é para tirar dos atletas os direitos, em todos os esportes. Nos outros esportes que não são futebol, a luta por um lugar ao sol é muito grande. Então quando o cara chega num determinado lugar, ele que era contra tudo o que acontecia, consegue. É a vida… Eu fui embora do Brasil para não me sujeitar a isso.
Isso do direito de imagem me causou um problema seríssimo. Se é direito do clube, eu poderia assinar com quem quisesse o direito dos jogos que eu tenho mando, mas não é assim que funciona. No voleibol, o contrato do campeonato brasileiro com televisão não é com os clubes, é com a confederação, os clubes não recebem nenhum tostão. No vôlei de praia, que existe um patrocínio enorme por conta da grande repercussão, o atleta é quem paga tudo. A questão é que, por lei, os atletas têm direito a 20% do que entra. E aí o que ocorre é que o ex-atleta quando assume uma posição de dirigente, se ele está lutando por uma vida melhor, ele passa para o outro lado. Existem pessoas, não vou falar nomes, que eu briguei muito para que tivessem salário e prêmio por jogar na seleção brasileira. Isso foi uma indisposição com o Nuzman, porque a gente via o faturamento, mas não via o retorno para os atletas. Alguns desses se tornaram dirigentes, continuam da mesma maneira e não podem exigir muito porque, como o mercado é pequeno, perder o emprego não é uma opção. Então ficam todos “pianinhos”, a política é do terror, do tipo “Se você fizer contra, eu te arrebento”.
EE: E que malefício essa estrutura trouxe para o futebol?
BF: O futebol é um absurdo… Apesar de todos os problemas que existem, o futebol é o único esporte no Brasil democrático. No futebol, nós temos campeonatos profissionais, não interessa o nível, em todos os Estados da União.
EE: Mas apenas do futebol masculino…
BF: Esse é outro assunto. Mas o futebol é isso, nós temos poderes locais, regionais e nacionais. E tem a repercussão nacional, que é a coisa mais importante. No voleibol, o campeonato nacional dura quatro meses, tendo Natal, Ano Novo, Carnaval e, às vezes, Semana Santa no meio. Então, não são quatro meses no total. Esse é um fator limitador, por isso a repercussão que tem o voleibol no Brasil é zero. Mas quando joga a seleção brasileira, é outro nível. Tudo isso representa dinheiro. Esse é o grande mal que o Nuzman fez ao esporte: elitizou.
Aí nós chegamos agora, às vésperas de uma Olimpíada no Brasil, com uma enxurrada de técnicos estrangeiros no Brasil… Você vai dizer: “Mas nós não temos esses esportes no Brasil, então temos que buscar de fora”. Eu não sou contra técnicos estrangeiros no Brasil, o que eu sou contra é não dar a estrutura para os técnicos brasileiros que hoje é dada para um técnico de qualquer outro país. Sem tirar nenhum mérito ou crédito dos técnicos estrangeiros, até porque eu mesmo já fui técnico da seleção italiana (e ganhei um Mundial, disputando a semifinal contra o Brasil). Então, eu sei o que é ser técnico fora. Aliás, eu sou o único técnico brasileiro, de todos os esportes, a ser campeão do mundo com outra seleção.
EE: Você conseguiu ser um excelente técnico por que foi para fora do Brasil? Ou você acredita que aqui, com a estrutura daquela época, você conseguira chegar a esse nível?
BF: Eu fui para fora porque aqui eu não tinha como trabalhar, já que batia de frente… Eu sou o maior crítico do Nuzman, e falo isso com a maior tranquilidade. Mas ele confundiu o lado pessoal dele com o de dirigente. Quem trabalhou para o Nuzman ser presidente da Federação do Rio de Janeiro fui eu. É uma história até interessante, porque o primeiro vice-presidente dele foi o meu pai, assim como o primeiro diretor financeiro da Federação era o meu tio. A partir do momento em que o Nuzman começou a fazer o trabalho aqui no Rio, nós, imediatamente, fizemos força para ele ser o presidente da confederação. Quando ele entrou na CBV, estávamos todos empolgamos trabalhando pelo vôlei. O campeonato brasileiro estava crescendo… O último campeonato brasileiro que teve todos os nossos atletas jogando no Brasil foi o de 1988-1989. Nesse campeonato, surgiram Tande, Mauricio, Giovanni, Marcelo Negrão, que viriam a ser campeões olímpicos três anos depois.
Quando eu falo tudo isso, sou muito cavalheiro. Porque a polícia que ele implantou foi de terrorismo e acabou com os clubes. E aí alega-se que os clubes terminaram por causa das empresas…
EE: Qual a sua percepção sobre os clubes e o esporte de alto rendimento?
BF: O esporte de alto nível é caro. É preciso desenvolver o jogador em atleta e, com o avanço da tecnologia e da medicina esportiva, exige-se constante atualização. Então, uma coisa é o clube trabalhar sem estrutura… O que você tem de escolinha de voleibol no Brasil hoje é uma loucura. A confederação faz os torneios brasileiros de seleção ainda, porque não tem clubes suficientes. E aí a seleção do Rio vai jogar com a de São Paulo e assim por diante.
Tem as escolinhas, os clubes pequenos, os campeonatos locais… Os técnicos da CBV selecionam os garotos, já pegam os melhores e já levam para Saquarema. Então, nós temos garotos de 15, 16 anos que estão fora da escola porque passam seis meses treinando. Hoje nós já temos gente no voleibol com o problema do futebol. Isso se vê muito por duas razões: porque não tem carreira e por falta de estrutura. Esse trabalho de elite é um trabalho para um país, para um clube e para trabalhar com menos gente e tirar proveito disso. Mas num país como o nosso…
BF: Isso também entra nesse mérito… O Brasil era para ser no voleibol hoje o que a NBA é para o basquete internacional.
EE: Em entrevista, perguntamos ao Nuzman se ele tinha conhecimento de que os atletas têm medo das confederações e que as confederações tem medo do COB. Ou seja, os atletas não podem ter opinião própria porque temem represálias.
BF: Eu sou um exemplo disso. A questão do atleta é de oportunidade. Tirando o futebol, o atleta brasileiro só tem repercussão se for de seleção ou se for de certo nível. Você sabe quem foi o último colocado da final dos 100m rasos? Ninguém sabe, só o próprio. Não dão espaço para ele. O espaço que dão para os outros esportes é para o campeão. Então foi uma surpresa para todos o Brasil ser campeão mundial de handebol. O técnico dinamarquês, por melhor que ele seja, o que ele teve nas mãos de estrutura para treinar foi muito superior àqueles que criaram essas jogadoras. Eu não tenho dúvida que o trabalho dele tenha sido superior, em função da experiência que ele tem com o esporte. Mas também não tenho dúvida de que a experiência que ele tem é com estrutura, já os nossos técnicos daqui tem a experiência que nós tivemos até hoje, sem estrutura. Mas a estrutura não impediu de chegar a um determinado nível, que vem melhorando. Antes teve um técnico espanhol aqui… Mas a nenhum técnico brasileiro foi dada a oportunidade de chegar a esse nível. Não tinha um campeonato brasileiro de grande porte e isso é o que vai ter.
Qual é o segundo esporte do Brasil? O vôlei. Mas isso só acontece porque querem. Porque talvez o vôlei não seja o terceiro ou quarto em quantidade de atletas jogando. Então, um país como o Brasil que tem títulos, que é bicampeão olímpico, tem 20 clubes de profissionais, com um campeonato que dura quatro meses. A atividade do cara que não é de seleção é muito baixa. Se a empresa que investe tem que pagar 12 meses para ter um retorno de três, vai pagar menos. Um país como o nosso, jovem e com possibilidade de crescimento, tem uma indústria esportiva ditatorial. Nós vivemos no esporte a era de chumbo. Depois que se descobriu que o esporte era um retorno importante de imagem e de grana, o esporte se fechou. O governo não deu trela, não organizou uma política específica e hoje nós vivemos uma ditadura esportiva.
Eu chego a ficar estupefato… Porque nunca se trabalhou tanto pelo esporte nesse país quanto no período de governo do Lula e da Dilma. Criou-se a Lei do Esporte e um monte de outras coisas, mas do ponto de vista democrático, para a população, não se fez nada. Entre Lula e Dilma, os benefícios para o esporte foram incalculáveis, mas não houve uma política esportiva para que chegasse a dar um resultado.
EE: O que faltou nesse período?
BF: Faltou democracia. Saiu uma matéria que falava que quase 50% do orçamento da Lei Piva vai para a gestão. Então, o que chega ao esporte é quase nada. É feita uma seleção dos melhores, que fazem um tipo de treinamento. Vê o que o COB recebeu de dinheiro nesse período e o que isso reverteu em resultados. O custo dessas medalhas é altíssimo.
EE: Durante a entrevista, Nuzman falou que o resultado de medalhas na gestão dele foi excelente, porque antes o Brasil não tinha resultados tão expressivos.
BF: Eu concordo. Mas qual é o legado dessas medalhas? Nenhum. Construímos um velódromo e depois destruímos. Construímos uma piscina que não serve para a Olimpíada. O Pan-Americano foi o maior engodo que se vendeu no Brasil. Do ponto de vista esportivo, o Pan-Americano não representa mais nada, porque pouquíssimos esportes se classificam nessa competição para a Olimpíada. Todos os esportes de maior repercussão vivem na mesma situação.
EE: Esse medo da represália existe? Você viveu isso?
BF: Eu fui trocado por patrocínio… Eu sempre tive uma relação de amizade com o Nuzman, jogamos juntos no Botafogo, tinha essa questão com o meu tio e o meu pai. Mas muito cedo eu percebi que o interesse era outro. Não era interesse de desenvolver o voleibol no Brasil. Um dos projetos era ter aqui uma grande liga de voleibol. Você não pode crescer no esporte se não tiver um alto nível interno. E você não pode ter repercussão interna se não tem interesse pelo esporte em todos os estados. Hoje, ainda existem estados do Brasil em que as pessoas nem sabem que tem voleibol, mas quando joga a seleção brasileira, todo mundo vê. Todo mundo sabe quem são os técnicos das seleções, mas ninguém se lembra dos técnicos e jogadores dos times. Nós ainda não temos uma repercussão no Brasil do esporte no Brasil.
Vem agora a Olimpíada e não mudou absolutamente nada. Os investimentos que estão sendo feitos são apenas em estrutura. O Brasil não precisava de um grande ginásio para vôlei, quando temos o Maracanãzinho arrumado.
BF: Quem sou eu para entrar nessa questão! Sobre o COB, a questão é a seguinte: o Pan-Americano foi o maior engodo. Do ponto de vista técnico, o sacrifício que foi feito não serviu de nada ao Brasil. Tirando um ou outro esporte que classifica para a Olimpíada (que eu nem sei quais são), foi um desfile de… nada. O Pan-Americano já foi importante, na época em que todos os esportes se classificavam lá para as Olimpíadas. A partir do momento em que o dinheiro começou a pesar, as federações internacionais optaram pelos torneios pré-olímpicos, que aí todas as confederações ganham. Então, você faz o pré-olímpico, valoriza seu esporte, o que é justo, eu não acho errado. E o Pan-Americano tornou-se apenas uma questão da OEA, que do ponto de vista de organização mundial também não quer dizer nada hoje em dia. O COB e o Nuzman venderam o Pan-Americano ao Brasil como uma coisa importante, mas do ponto de vista técnico, é irrelevante. Tirando a equipe brasileira que estava com o que tinha de melhor, outros países não vieram com as equipes principais. Os americanos devem ter mandado a quarta equipe de natação… Eles não vêm com a força máxima, com a elite, vêm com os atletas mais jovens ou os mais fracos… Aqui no Brasil fizeram aquela festa toda para os campeões pan-americanos, porque aqui se tornou um trampolim para a Olimpíada.
EE: E sobre as instalações para os Jogos Olímpicos no Rio, qual a sua opinião?
BF: Outro absurdo dos absurdos… Eu participo do movimento olímpico desde 1972 e é a primeira vez que vejo as instalações olímpicas serem criadas no lugar mais caro da cidade. A preparação de quatro anos para as Olimpíadas serve justamente para recuperar áreas da cidade. Eu me lembro de quatro cidades exemplares. A primeira Olimpíada que eu fui, como jogador, foi Munique 1972, a vila estava numa parte nova da cidade, isolada do centro. Os condomínios eram de altíssimo nível para depois vender os apartamentos. Depois, em Montreal, construíram-se novos prédios, mais altos, concentrados numa parte isolada, assim como na Cidade do México, onde foi criado tudo novo. Em Barcelona, eles mudaram a cidade todinha. Eu fui à cidade antes e era um lugar que não se podia ir à noite. Onde tem o restaurante mais típico, antes das Olimpíadas, eles aconselhavam os turistas a só ir de taxi. Em Seul, eu estive treinando com a seleção em 1983 ou 1984, você não conseguia andar, porque o fedor do rio que passava na cidade era insuportável. Los Angeles não serve de parâmetro para ninguém, porque eles não construíram nada. Práticos como são, os americanos conseguiram fazer uma Olimpíada que deu dinheiro.
O Brasil faz a Olimpíada no local onde tem mais licença mobiliária, isso quer dizer que é um lugar procurado. Em vez de jogar essa grana num lugar que precisa ser renovado, criando alguma coisa que dê conforto para a população. Em vez disso, você vê um estádio que já foi reformado 440 vezes, ser reformado de novo por R$ 1 bilhão. Ninguém aguenta! Chega disso!
O estádio do Maracanã antes e depois das reformas para a Copa do Mundo, que custaram R$ 1,192 bilhão
EE: Quando eu remava, aos 17, 18 anos, eu pensava no meu futuro como remadora, e via os remadores treinando em péssimas condições. Resolvi estudar e não ser uma atleta de alto-rendimento…
BF: Se você tivesse uma estrutura que te facilitasse, nada te impediria de continuar tendo uma vida paralela ao esporte. Agora, o atleta tem que decidir entre uma coisa e outra. E vem aquela ilusão. Se você com 18 ou 19 anos não se dedica em tempo integral, não vai chegar longe. É nesse momento que você tem que decidir também a sua vida. Enquanto nós não tivermos aqui uma política do governo que defina as coisas, vai continuar do jeito que está. As leis protegem os dirigentes. O esporte olímpico não faz nada para o atleta, de maneira geral, só faz para os grandes campeões.
EE: Para os campeões não, para os que aparecem na mídia. A Fabiana Beltrame, que foi campeã mundial de remo, a única do esporte no país, não tem a exposição merecida e o retorno devido.
BF: É porque o remo não é um esporte de repercussão. Mas se tivesse uma estrutura, poderia ser. Há 40 anos, o Botafogo não tinha uma flotilha, eu trouxe da China e, não é à toa, o clube foi campeão brasileiro agora. Se hoje nós estamos reclamando disso, imagine há 20 anos, que a estrutura geral era inferior, as empresas acreditavam menos no esporte e a repercussão era muito menor…
EE: Você comentou em entrevista com o jornalista Juca Kfuri que fez dois mandatos no Botafogo, mas não ia para o terceiro de jeito nenhum, porque precisava viver de outra coisa, já que os clubes eram amadores. O que há de errado na estrutura dos clubes brasileiros?
BF: Toda a estrutura é errada. Você não tem como se dedicar sem que seja profissional. A maior falácia é dizer que um cara que trabalha há 30 anos faça por amor. Por mais amor que tenha, é difícil. O meu sacrifício, eu fiz. Eu queria fazer por motivações pessoais e ninguém tem nada com isso. Agora você não pode se dedicar da forma que é preciso se tiver outra vida paralela.
E aí vêm os absurdos… Se você não for presidente de federação, não pode se candidatar. Se eu posso me candidatar a presidente do Brasil, por que não posso me candidatar a presidente do COB? Essas são as formas que o Nuzman conseguiu de cercar a política. Você só pode ser candidato a presidente do COB tendo cinco anos de presidente de alguma confederação esportiva. Por mais que tanto o Lula quanto a Dilma tenham feito para o esporte brasileiro, a política não mudou nada e o esporte está pior do que estava. Isso não tem cabimento.
EE: Você acha que o impacto dos Jogos Olímpicos para o esporte no país não vai ser bom?
BF: É sempre bom, porque vai dar mais exposição. Agora, se a estrutura é viciada antes, ela vai ser viciada depois com mais repercussão.
EE: Mas você acredita que vai haver algum legado para o esporte, além do físico? Por exemplo, cuidado com o pós-carreira, cuidado com a formação dos atletas.
BF: Se mudou até agora, em dois anos é difícil… As medalhas que nós podemos ganhar, todos sabemos em que esportes são. E aí vem a tal da meritocracia do COB. Agora o que eles fazem para alavancar os outros esportes? Nada. Obviamente, os esportes que tem algum tipo de chance real de resultado estão sendo preparados da melhor forma possível. Vai atrás da ginástica artística, que tem condições de brigar. Até pouco tempo quem fazia os aparelhos do campeão olímpico [Arthur Zanetti] era o pai dele. Quando ele ganhou a medalha, isso se tornou um problema para o COB. Aí o handebol ganha o Mundial e o Nuzman diz que foi trabalho dele…
EE: Qual a sua visão sobre a FIVB?
BF: A questão da FIVB é a corrida internacional. No início dos anos 90, a Itália conseguiu montar um campeonato que era a NBA do voleibol. O nível de competição era o nível de competições internacionais, como o Mundial, porque jogavam ali os melhores atletas dos outros países e o voleibol da Itália era importante na época. Então, tinham várias equipes de nível em que cerca de oito podiam ser campeãs. As outras confederações e a FIVB começaram a ter problemas por causa disso e começaram a criar dificuldades para o campeonato italiano. Criaram em novembro um torneio no Japão, no meio da temporada de clubes. O Brasil se aproveitou desse torneio e o campeonato brasileiro começou a acontecer depois dessa competição. Então, os clubes ficavam parados o ano inteiro, disputando pequenos campeonatos locais. Quem é que tem condição de pagar 12 meses e ter retorno três, quatro meses? Só que de dinheiro os clubes não ganham absolutamente nada, nem sabem que tipo de contrato tem. Agora, poderiam fazer diferente. Quando se cria a lei, tem condições de se criar o próprio campeonato. Então, os clubes podem se juntar, fazer um campeonato brasileiro e sair fora do campeonato da CBV. A CBV não tem que se meter nos clubes. Mas os clubes não fazem isso porque não sabem e a empresa que patrocina não quer entrar em conflito público com a CBV. Então, os clubes e as empresas têm medo disso e a política fica na mão dos mesmos de sempre.
EE: O que você acha que poderia mudar no futebol brasileiro com a Copa desse ano? Vai ter algum legado para o futebol?
BF: Eu espero que tenha, mas já vi que dificilmente terá, porque a política é a mesma. Eu esperaria que os direitos individuais fossem respeitados. A partir do momento que o clube tenha direito a sua imagem e não tenha nenhum tipo de retaliação, nós teremos condições de ter um campeonato brasileiro mais equilibrado. Hoje, nós temos cinco clubes que detém 54% do dinheiro da televisão. Num país como o Brasil, em pouco tempo, vamos ter cada vez menos times disputando.
EE: Como vai ser o esporte em 2014, levando em conta os Jogos de Inverno, Copa do Mundo, protestos populares e a continuação do ciclo olímpico?
BF: Eu vejo mal o esporte, sempre. Enquanto nós tivermos a opressão no esporte, não terá jeito. Enquanto as pessoas confundirem o pessoal com o institucional, acabou. E é o que acontece hoje. Pessoas se acham mais importantes e agem com raiva contra atletas, querem impor coisas que não tem cabimento. Quando um cara ganha a Olimpíada e diz que a confederação não ajudou em nada, fica todo mundo na bronca com ele. Mas como ele é campeão olímpico, aí fica todo mundo dando desculpa que ele falou de cabeça quente e arranjam um jeito. E o cara começa a ter um retorno financeiro da atividade que se propôs a fazer de uma forma tão intensa ou mais do que qualquer profissional de outra área. Quando acontece. Quando ele faz tudo isso e chega em quarto ou perde, ele não tem retorno. Aí acontece como aquela menina de Pernambuco, Yane Marques, que ninguém nunca tinha ouvido falar. Ela surgiu do nada. Agora, se ela não conseguir ficar independente com o que ela está fazendo… Se ela se dedica, como está fazendo, para ganhar uma Olimpíada, ela é uma profissional.
Eu estou falando aqui já completamente desesperançoso, porque não vejo nada mudar. Isso tem que vir do governo. Aí você tem o Ministério do Esporte que publicou um livro de todas as mazelas do futebol, agora quer fazer um Proer [Programa de Estímulo à Reestruturação e ao Fortalecimento do Sistema Financeiro Nacional] para o futebol para acabar com as dívidas dos clubes. Quer dizer, o cara que sabe como foram criadas as dívidas é o que vai vir para perdoar. E não querem que o povo reclame? E não querem que o povo vá para a rua para reclamar?
EE: Poderia fazer um panorama do esporte?
BF: O dia que os atletas entenderam que quem faz o esporte são eles, as coisas podem melhorar. Se eles entenderem que a vida de alto nível é curtíssima e que não tem nada depois, vai ser difícil eles se dedicarem. E o durante, que eles poderiam ter, eles abrem mão porque não tem conhecimento. Não se permite o conhecimento dos direitos, porque existem interesses tão grandes que é feita essa política de abafar. Tem certas coisas que não se falam, são tabus. E os dirigentes continuam aí justificando dinheiro de outras formas, dizendo que ganharam herança ou que tem isso ou aquilo, ficando ricos de uma hora para a outra… A minha esperança, sinceramente, era com esse governo. Só era preciso pequenas coisas… Nunca teve tanto dinheiro na vida, nunca faltou dinheiro no Brasil para o esporte. Só que nunca foi preparado para crescer. E começa a discussão de onde deve ser a estrutura, no colégio, na universidade, nos clubes. Por mim, pode ser onde for, desde que seja feita, porque hoje não tem. Esse é um ponto que seria uma pergunta para esses dirigentes: e o direito de arena desses atletas? Uns esportes eu sei que assinam para ganhar uma mixaria.
EE: Qual a sua opinião sobre o doping?
BF: O doping é uma praga no esporte e já estamos num ponto em que existem muitos laboratórios que desenvolvem técnicas para esconder o doping. No Brasil, o descredenciamento do Ladetec ficou um ponto de interrogação em casos importantes. Na medida em que o laboratório é descredenciado tudo fica em aberto. A praga do doping no Brasil é assustadora da mesma forma que em outros países.
EE: Para você, o esporte é essencial?
BF: O esporte é essencial por todas as razões socioeducativas. Mas num país como o Brasil em crescimento, é fundamental que o jovem tenha uma ocupação sadia, uma disciplina, mas acima de tudo é uma indústria empregatícia. No esporte, além do atleta, você precisa de médicos, arquitetos, engenheiros, recursos humanos de todos os lados. Para o governo está em moda preocupar-se com outros esportes, quero dizer exceto futebol, imagina todos estes anos que não tivemos este apoio.
Foto: Miriam Jeske / Divulgação
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Futebol e o regime de 1964
De jogador preso a torturador: quando ditadura e futebol se misturaram
‘Pra frente, Brasil’, Brasileirões inchados e jogadores fichados: golpe militar completa 50 anos; relembre quando o esporte se envolveu com o regime
Por Daniel MundimRio de Janeiro
“Democracia para esses democratas não é o regime da liberdade de reunião para o povo: o que eles querem é uma democracia de povo emudecido, amordaçado nos seus anseios e sufocado nas suas reivindicações.”
Tal trecho faz parte do famoso Comício da Central, realizado no dia 13 de março de 1964 pelo então presidente do Brasil, João Goulart, no Rio de Janeiro. Na ocasião, diante de cerca de 200 mil pessoas, Jango assinou dois decretos que iniciavam as reformas de base que defendia (agrária, bancária, administrativa, universitária e eleitoral). Foi o estopim para a ala conservadora da sociedade brasileira agir. Com o pretexto de que João Goulart pretendia instalar um regime comunista totalitário no país (veja no vídeo como os militares usaram o Comício da Central), os “democratas” citados pelo então presidente organizaram o golpe.
Em 1º de abril de 1964, Jango era deposto, e os militares assumiam o poder. Foi instalado um regime que mudou o rumo da sociedade e de muitas instituições brasileiras, e o futebol, como uma das principais manifestações de identificação cultural do país, não foi poupado. No dia em que o golpe militar de 1964 começou a ser instaurado no Brasil completa 50 anos, o GloboEsporte.com relembra alguns personagens, histórias e momentos em que ditadura e futebol se misturaram. E não foram poucos.
‘PRA FRENTE, BRASIL!’
“90 milhões em ação, pra frente, Brasil, do meu coração”. Qualquer amante do futebol, de qualquer idade, reconhece os versos que embalaram o tricampeonato mundial do Brasil, em 1970. A canção de Miguel Gustavo foi o símbolo do uso da seleção brasileira para promover o discurso ufanista do governo de Médici. A publicidade do governo militar, que tinha como principal mentor o coronel Otávio Costa, chegou em seu auge. Mas a intervenção naquele time foi mais explícita.
João Saldanha, técnico que assumira a Seleção em fevereiro de 1969, era comunista. A escolha do treinador se deu pela popularidade de Saldanha, que participava de programas de rádios do Rio de Janeiro. Mas a postura do comandante incomodava, e em março de 1970, a poucos meses do Mundial do México, a comissão técnica do time brasileiro foi toda alterada.
Ainda no início de carreira, Zagallo assumiu o comando. A chefia da delegação para a Copa ficou com o major-brigadeiro Jerônimo Bastos, cujo braço direito foi o major Roberto Câmara Lima Ypiranga de Guaranys, que ficou responsável pelo esquema de segurança durante o torneio. O nome de Guaranys pode ser encontrado na lista dos torturadores do regime militar.
Em campo, o Brasil formou um de seus maiores times da história, e o grandioso triunfo diante da Itália foi perfeito para o governo, como relata o historiador Carlos Eduardo Sarmento no livro “A Regra do Jogo: uma história institucional da CBF”: “A catarse coletiva, contudo, foi largamente manipulada para que se transformasse em um patriotismo servil, com a vitória em campo associada a uma conquista do regime militar.”
AFONSINHO E SEU JEITO SUBVERSIVO
Filho de ferroviários de Marília, no interior de São Paulo, Afonso Celso Garcia Reis conviveu desde criança com causas sociais. E carregou consigo os ideais formados na infância para o resto da vida. Revelado pelo XV de Jaú em 1962, Afonsinho se destacou dentro e fora de campo pelas posições firmes e pela conquista do passe livre dos jogadores que inspiraram até música – “Meio de Campo”, de Gilberto Gil – e filme – “Passe Livre”, de Oswaldo Caldeira. Em 1965, o ex-meia foi para o Botafogo, onde ganhou os principais títulos e chamou a atenção dos militares.
Estudante de medicina na UERJ, o jogador participava de grupos de discussão e seguia sua luta para se tornar dono do próprio passe. A barba e cabelos compridos ajudavam a criar a imagem “subversiva” do meia, socialista declarado. Tudo que fazia e dizia era observado.
– A questão do passe na qual me envolvi gerou repercussões muito grandes de natureza política. Aquilo acabou tomando vultos que não interessavam ao regime militar. O rumo que aquilo acabou tomando foi enorme. Minhas posições tinham relação política grande – avaliou Afonsinho.
Os problemas começaram no clube. O estilo de vida do jogador não agradava o conservador técnico Zagallo. Afonsinho treinava separado do restante do elenco. E não jogava. A saída foi ir embora. Passou por Olaria e Vasco até chegar no Santos, em 1972, onde sentiu mais próxima a vigia dos militares.
– Em uma excursão internacional do Santos, o jornalista da delegação teve uma posição muito digna. Na volta, ele me procurou e disse que havia sido abordado por órgãos de segurança para saber se na viagem eu fazia alguma coisa, procurava uma embaixada, algo assim – confidenciou.
NANDO: O ÚNICO JOGADOR ANISTIADO
No dia 9 de dezembro de 1971, o Brasil venceu a Argentina por 1 a 0 e garantiu sua vaga nos Jogos Olímpicos de Munique, realizados no ano seguinte. O gol da vitória brasileira foi marcado por uma jovem promessa: Zico. Nas Olimpíadas de 1972, a surpresa: o técnico Antoninho não levou o garoto Arthur. Na época, o ídolo do Flamengo não fazia ideia das razões para o corte da Seleção. Mas seu irmão, o também jogador Nando, tinha certeza de quais motivos levaram à saída do caçula da família Antunes da equipe olímpica brasileira.
Incentivado pela prima Cecília Coimbra – fundadora e presidente do grupo Tortura Nunca Mais –, em 1963, Nando, que cursava a Faculdade Nacional de Filosofia, e a irmã Zezé passaram no concurso do Plano Nacional de Alfabetização (PNA), programa criado por Paulo Freire. Após o golpe militar, o PNA foi extinto e seus membros considerados subversivos. Já atuante no futebol, Nando decidiu se dedicar exclusivamente ao esporte. Passou pelo futebol capixaba e pelo America-RJ, e nos dois clubes foi mandado embora sem maiores explicações. Em 1968, rumou para o Ceará, onde a situação melhorou. Até receber uma proposta do Belenenses, de Portugal.
Aos 22 anos de idade, Nando não teve as garantias prometidas pelo clube português e foi perseguido pela polícia da ditadura de Salazar. Com a ajuda de amigos, conseguiu voltar ao Brasil, mas teve dificuldades em seguir a carreira. Em agosto de 1970, no auge da repressão do governo Médici, a prima Cecília e o marido foram presos. Enquanto consolava a tia, Nando e os primos foram surpreendidos com o toque da campainha.
– Um dos meus primos foi atender, e aí entraram aqueles f… da p… com metralhadora. Levaram a gente, eu mostrei a carteira, me conheceram na hora, e pedi para o Custódio (Coimbra) ficar. Ele ficou com a mãe, o resto foi todo mundo em cana. Três irmãos, só liberaram o médico. Meteram o capuz na gente, ficamos quatro dias em um corredor, em uma cela. Passamos dois dias inteiros em pé. O braço descia e eles metiam o mosquetão nas costas – relembra.
Nando e os primos foram levados para a rua Barão de Mesquita, no bairro da Tijuca, no Rio de Janeiro. Os irmãos Edu e Antunes fizeram plantão na porta do local para que fossem liberados, e o fato de serem conhecidos ajudou na tarefa. Nando saiu fichado, mas com a ajuda do pai, que conhecia o presidente do Conselho Nacional do Desporto (CND), conseguiu limpar seu histórico. Ainda jogou pelo Gil Vicente, de Portugal, mas sem sucesso. Em 2010, Nando se tornou o único jogador de futebol do Brasil a ser anistiado.
– Em 1969, o Edu foi o craque do ano. Era barbada para ser convocado para a Seleção. No pré-olímpico, o Brasil se classificou com um gol do Zico, que era o principal jogador do time. O João Havelange pediu a relação dos jogadores que iam para as Olimpíadas e devolveu faltando um jogador. Tudo isso por causa do meu envolvimento com o PNA e com os meus primos – recorda.
PLACA PARA GEISEL
No dia 6 de outubro de 1976, o Maracanã recebeu um amistoso entre a seleção brasileira e o Flamengo. O jogo foi em homenagem ao jovem meia rubro-negro Geraldo, que morrera em agosto daquele ano, vítima de choque anafilático quando realizava uma operação para retirada das amídalas. A renda dos mais de 140 mil pagantes seria destinada à família do jogador. A partida foi também a última de Pelé com a camisa da Seleção.
O Flamengo venceu por 2 a 0, mas no intervalo do jogo sobrou tempo para um ato político. Três jogadores do Brasil se encontraram com o presidente Geisel, que estava nas tribunas do Maracanã. Como escreveu o jornal O Globo na edição do dia 7 de outubro de 1976, “Pelé, Carlos Alberto e Leão, lhe entregaram, respectivamente, um cartão de prata em agradecimento pela regulamentação da profissão de atleta, uma Bíblia e um troféu”.
‘ONDE A ARENA VAI MAL, UM TIME NO NACIONAL’
A frase acima, segundo o historiador Carlos Eduardo Sarmento, é atribuída ao Almirante Heleno Nunes, presidente da CBD entre 1975 a 1979, e depois da recém-criada CBF, no biênio 1979-1980. Heleno era presidente da Aliança Renovadora Nacional (Arena) – partido governista criado após o golpe – no Rio de Janeiro. Atendendo a interesses dos aliados políticos em diferentes estados, a CBD passou a convidar equipes para participar do Campeonato Brasileiro.
Em seu segundo ano à frente da instituição, Heleno incluiu mais 12 equipes no torneio, que teve 54 times. Em 1977, o número passou para 62. Mas em 1978, ano de eleições, a lista de convidados aumentou. Foram 74 times, sendo 11 estreantes. Um exemplo do uso político do campeonato foi o Itabuna, como explica o jornalista Roberto Assaf no livro “História Completa do Brasileirão”.
“O Itabuna entrou no campeonato bancado por um mutirão integrado por produtores de cacau, maior riqueza da região, e pelo governo do estado, que era da Arena, e que estava de olho na prefeitura do município, ocupada pelo MDB”
Em 1979, o Brasileirão teria a sua edição com o maior número de participantes da história – e que dificilmente será batido: 94 clubes, com 23 estreantes. Curiosamente, foi o único ano em que o campeão conquistou o título de forma invicta. Com 16 vitórias e sete empates, o Internacional levou seu tricampeonato.
REINALDO: O PUNHO DO PROTESTO
Artilheiro do Brasileirão de 1977 com 28 gols pelo Atlético-MG, o jovem Reinaldo, então com 20 anos, já era a alegria da massa. No ano seguinte, chegou à Seleção e foi levado por Coutinho para a Copa do Mundo na Argentina. Mas os gols que marcou pelo Galo chamaram atenção do presidente Ernesto Geisel. O punho cerrado e levantado, um símbolo socialista, era a marca do jovem atacante a cada tento que fazia. Na preparação para o Mundial, quando o time brasileiro estava no Palácio Piratini, sede do governo gaúcho, em Porto Alegre, Geisel deixou um recado para o jovem Reinaldo.
– Quando fomos recebidos no Palácio Piratini, o Ney Braga, ministro da Educação, me conduziu para o presidente, que disse: “É esse que é o garoto? Você está bem, joga bem. Mas não fala de política, menino. A gente trata de política”. Diante de um general, fardado, tudo que pude responder foi “sim, senhor” – conta o maior ídolo atleticano.
O recado estava dado. Porém, na estreia do Brasil, contra a Suécia, em Mar del Plata, quando Reinaldo marca o gol de empate por 1 a 1, não hesita em parar e erguer o punho direito, mesmo que por poucos segundos. O atacante ainda jogaria a próxima partida, contra a Espanha, mas não voltaria mais ao time. Segundo o ex-jogador, o Almirante Heleno Nunes, presidente da CBD na época, tirou ele e Zico do time. Mas o Rei não se queixa.
– Na minha vida de jogador, não tinha tempo para protestar, armar nada contra o governo. Não era assim. Claro que tem ficha minha no Dops (Departamento de Ordem Política Social), pelas minhas amizades, pelos eventos que eu ia, lançamento de livros. Mas participei dessa geração de luta. Hoje, com meus 57 anos, estou desfrutando de uma democracia na plenitude. Esse é o meu grande orgulho. Alguns pagaram com a vida para isso. Eu simplesmente participei dessa geração dentro do futebol.
SÓCRATES, CASÃO E ATÉ PELÉ: OS FICHADOS DO DOPS
Na fase final da ditadura, um movimento marcou o futebol brasileiro. Em 1981, liderado por Sócrates, Casagrande e Wladimir, o Corinthians iniciou a chamada Democracia Corintiana, onde jogadores, comissão técnica e diretoria decidiam tudo no clube por meio do voto. A iniciativa não foi uma surpresa para quem conhecia seus mentores, principalmente o Magrão. Sócrates era atuante no movimento a favor das eleições diretas, além de ser esquerdista.
Com tal atuação, os atletas eram observados pelo regime militar e tinham fichas no Dops. Nos arquivos relacionados ao “Doutor”, aparecem registros de jornais que citam a participação do ex-jogador em alguns eventos, incluindo uma sessão do Movimento Pacifista Brasileiro. Nem mesmo Pelé escapou. O prontuário do Rei relata que o atleta recebeu pedido de indulto de três presos políticos e comprou ações de uma rádio.
DIDI PEDALADA: JOGADOR TORTURADOR
Em novembro de 1978, o jornalista gaúcho Luiz Cláudio Cunha, à época repórter da sucursal da revista Veja em Porto Alegre, recebeu um telefonema anônimo. Na ligação, Luiz foi alertado de que um casal uruguaio, que morava na capital gaúcha, fora sequestrado. O repórter, ao lado do fotógrafo João Baptista Scalco, foi até o apartamento citado pela denúncia.
Lá, descobriram que militares uruguaios e brasileiros estavam em uma ação clandestina, que fazia parte da Operação Condor – aliança dos regimes sul-americanos de combate a opositores –, na qual os militantes da oposição uruguaia Universindo Rodríguez Díaz e Lílian Celiberti e seus dois filhos haviam sido sequestrados. A operação foi desfeita, e o casal, que seria assassinado, libertado. Em 1980, a Justiça brasileira condenou dois policiais: João Augusto da Rosa, do Dops gaúcho, e Orandir Portassi Lucas, mais conhecido como Didi Pedalada.
Didi se destacou nos anos 60 e 70 atuando por Internacional e Atlético-PR. Jogou também por Guarany de Bagé e Cruzeiro-RS e em clubes do México e dos Estados Unidos. Ao encerrar a carreira, se tornou escrivão da polícia e, segundo os relatos de Universindo, um dos seus sequestradores que mais o torturavam. Didi faleceu em 2005, vítima de parada cardíaca.
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