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Dec 12, 2019
admin

Tancredo: moderado e autêntico

Tancredo Neves, na sua longa vida política, sempre teve fama de moderado, conciliador e de “governista vestido de oposição”. Dizia-se que, durante a ditadura, ele conchavava com generais do governo. Tudo bobagem, como veremos. A mídia, predominante hostil a sua pessoa, acabou por criar esta imagem distorcida.

Lembro-me do ocorrido em 1974, época que antecedeu as eleições em que o regime militar recebeu dura derrota nas urnas. Muitos militantes de esquerda haviam feito uma campanha pelo voto nulo num pleito realizado quatro anos antes e tinham, assim, certo vínculo com a luta armada –que acabou sendo totalmente derrotada. Estes viviam uma ressaca sem cura do erro cometido ao partirem para o enfrentamento armado contra o regime, enquanto nutriam a certeza que aquela tinha sido a melhor decisão. Até hoje acredito que erramos em não cobrar, na época, uma dura autocritica dos erros cometidos e em ter tratado muitos dos membros destes grupos apenas como “meninos minados”, como também diziam os comunistas italianos. De qualquer maneira, aguentávamos longas preleções (típicas da época) sobre as virtudes dos derrotados que se achavam grandes vitoriosos. Muito foi relevado, pois achávamos, corretamente, que o caminho pacífico e democrático era a via para derrotarmos o regime militar.

Naqueles tempos Tancredo era a vítima predileta dos revolucionários. Ele era acusado de tudo, o tempo todo. Depois, parte a mídia chegou a assumir este método de ação. Tudo era invencionice. Tancredo foi um grande brasileiro, tendo sempre lutado pela democracia, nunca fraquejando.

Recordarei aqui alguns episódios de sua trajetória política pouco citados pela história.

Na crise final do governo Getúlio, Tancredo ainda era muito jovem e ocupava o posto de ministro da Justiça. Na madrugada do suicídio do presidente, na última reunião de gabinete, Tancredo foi duro e corajoso. Disse a Getúlio que havia revisado todo processo feito pela UDN no Galeão e que nada, nem de longe, poderia comprometer sua honra. Ele propôs, então, a prisão de todos os golpistas envolvidos no processo contra o presidente. Chegou a questionar o ministro da Guerra sobre as condições operacionais das tropas para realizar as referidas prisões e até recebeu uma resposta positiva. De pronto, a ordem para as detenções já poderia ser assinada. Getúlio ponderou que tal medida tinha potencial para agravar a crise. Comovido, deu a Tancredo Neves –seu corajoso ministro da justiça– a caneta com a qual assinou sua carta-testamento. O “moderado” Tancredo saiu como gigante.

Em 1964, na crise final do governo Jango, Tancredo também mostrou uma postura corajosa e democrática. Alguns anos antes o político costurara o parlamentarismo para que o país não caísse num golpe udenista. Durante todo aquele período, Jango foi atacado pela esquerda (brizolista e revolucionária). Com o golpe já em andamento foi Tancredo, junto com Almino Afonso, quem acompanhou o presidente até o avião que voaria para o sul, onde se tentaria resistir ao golpe. O mineiro despede-se de Jango e corre para o Congresso, onde o senador Moura Andrade, unido com os golpistas, procurava declarar vago o cargo, alegando que o presidente havia abandonado o Brasil. Era mentira. A gravação da sessão mostra dois deputados protestando contra manobra. “Canalha, canalha!” gritavam Tancredo e Almino, afirmando que o presidente estava no país. Tancredo, mais uma vez, se agigantava.

Alguns dias depois, com o golpe já consolidado, os militares propuseram a eleição de Castelo Branco pelo Congresso. O PSD reuniu sua bancada, e Juscelino (que apoiava o golpe), disse que Castelo havia se comprometido em manter o calendário eleitoral. Era o que ele queria. Tancredo, que conhecia bem Castelo Branco –tendo tido com ele relações cordiais quando o militar serviu em Minas– divergiu. Disse que não votaria. Juscelino fez vários apelos, mas Tancredo resistiu. Na eleição não votou em Castelo. Poucas semanas após o primeiro presidente militar assumir, Juscelino foi cassado e as eleições foram terminadas. Pior ainda, foi desencadeada uma avalanche de inquéritos contra o ex-presidente JK, procurando humilhá-lo ao máximo. Tancredo o acompanhou em todos os intermeáveis depoimentos em inquéritos militares; alguns duravam vinte horas e eram feitos por um coronel qualquer, do qual a história esqueceu o nome. De novo, o moderado Tancredo se engrandecia.

A fase mais próxima da vida política de Tancredo nós já conhecemos melhor. Foi com a moderação de sempre que ele ajudou conduzir o país para a democracia. Devemos tratá-lo como exemplo de um grande homem; como um gigante. Porém, aqueles que vinham da luta armada nunca aceitaram essa como sendo a realidade e continuaram a criticá-lo até os dias atuais. Infelizmente.

Dec 5, 2019
admin

O perigo de vender as reservas

O Brasil chegou a acumular, ao longo dos anos, por volta de quatrocentos bilhões de dólares em suas reservas cambiais. É este o montante que garante certa estabilidade econômica, mesmo durante períodos de grandes crises políticas, como as que vivemos desde 2013.
O novo governo aparenta querer reduzir consideravelmente as reservas e vem, pouco a pouco, vendendo parte delas sob argumentos ligados ao câmbio e à dívida. O problema é que encolher as reservas nos coloca em grande risco de maior instabilidade. Podemos nos transformar numa Argentina, pois sabemos que um dos fatores centrais dos problemas portenhos é a falta de reservas que acabou levando o país ao desastre econômico.
No Brasil não houve “efeito Orloff”. Ainda que com dificuldades, tivemos alguma estabilidade econômica.
Neste momento, o governo vive o final da gestão Temer. Tudo o que ocorreu até aqui é mais herança do governo passado do que ação do atual, como são os casos das privatizações e vendas de áreas do petróleo. O mesmo ocorre, ainda, no caso do controle da inflação e da política de juros baixos. Até a reforma na previdência tinha criado corpo anteriormente, não sendo concluída por conta da ação da JBS. A respeito da reforma da previdência, lembremos que o ponto mais desejado por Guedes era mesmo a introdução do sistema de capitalização para aposentadoria. O Congresso foi sábio ao mandar a proposta para o arquivo. A revolta no Chile mostrou que há perigo nas ideias de Chicago.
A partir de agora teremos que observar as ações de Guedes. Até aqui, elas parecem confusas e pouco efetivas. As privatizações são ainda discursos inacabados; as reformas do Estado (fora da previdência) estão em marcha lenta. A única mudança de direção do atual governo vem sendo na venda das reservas. E esta não é uma boa saída. Podemos estar seguindo os passos argentinos em direção ao desastre certo.