Sep 8, 2023
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O histórico movimento que mudou o rumo do Brasil

É celebrado, neste 22 de setembro de 2023, os cinquenta anos do lançamento da anticandidatura de Ulysses Guimarães à presidência da República. Não se trata de uma efeméride qualquer, mas sim de um ato de extrema coragem e da maior importância para luta pelo reestabelecimento do movimento democrático no Brasil.

Naqueles tempos, em meados de 1973, o país vivia uma grave situação social e política. O regime militar tinha uma enorme força e os aparatos de repressão, censura, prisões, cassações e mortes funcionavam em sua mais alta potência. Muito por conta disso, passou a existir um clima de desânimo dentro da oposição ao regime. Foi neste duro contexto que surgiu a anticandidatura do deputado Ulysses Guimarães, que contava com Barbosa Lima Sobrinho como vice de sua antichapa.

O objetivo desta movimentação era demonstrar para o Brasil —e também para o mundo— que o que havia aqui não era uma democracia. Pretendia-se fazer uma contestação do falso processo eleitoral criado pelo regime. Dentro deste processo, o presidente da república era eleito por um colégio eleitoral composto pelo Senado, Câmara e alguns representantes de assembleias estaduais, todos com suas devidas amarras.

Naquele momento, quando surgiu a ideia do lançamento da anticandidatura, havia alguns problemas principais: por um lado a esquerda do MBD acreditava que uma tal ato acabaria por legitimar o regime militar, já que o governo poderia dizer que ganhou uma eleição em que ocorreu uma disputa legítima contra um partido de oposição. Estes membros mais à esquerda eram conhecidos como “os autênticos”. Por outro lado, aqueles mais à direita, chamados de “os moderados”, sustentavam que a anticandidatura poderia elevar ainda mais a temperatura da repressão, fazendo o regime atuar de forma ainda mais arbitrária, com mais prisões, cassações, mortes e censura. Existia também, dentro do MDB, um ambiente de defesa para que o partido se extinguisse, a fim de apontar para o mundo que não havia, de fato, a possibilidade de alternância de poder no país. O partido estava, portanto, muito dividido.

Apesar das discussões e receios, ficou decidido pela anticandidatura. Partindo daí, o Doutor Ulysses fez seu discurso durante a assembleia do partido, que acabou se tornando um emocionante e corajoso momento da política nacional, mostrando o tom que teria aquela magnífica campanha. O Doutor Ulysses andou por todo país, portando sempre um mesmo discurso que denunciava a ditadura e indicava novos caminhos democráticos. Ele possuía grande capacidade oratória e muita firmeza em suas palavras, para arrepio dos moderados. Tudo isso não se deu com facilidade. Por onde passava, a anticandidatura era reprimida e cercada, sem poder contar com a possibilidade de conseguir amplos e bons espaços para a realização dos comícios. Tudo era muito precário, com a censura e a polícia sempre pronta para atuar. Porém, a cada comício, a empolgação aumentava, sendo assim até a data da anti eleição.

O MDB obteve da força da anticandidatura o tom necessário para congregar o partido para receber todos aqueles que eram dissidentes do regime militar e, assim, se preparar para a eleição de 1974, quando a oposição virou o jogo vencendo em dezesseis estados, em uma grande derrota para os generais. Um ano depois, em 1975, tivemos a violenta e triste morte de Vladimir Herzog, quando o poder já se via questionado.
Tudo o que se deu para o esgotamento do regime militar começou com a brava anticandidatura de Ulysses Guimarães, que com muita vontade e determinação percorreu o Brasil com uma mensagem clara e programática. Foi através dela que foi desencadeado o processo que culminou com a assembleia constituinte de 1988 e o processo redemocratização do país. É um acontecimento único que merece reverência e celebração.

Discurso Completo:

O paradoxo é o signo da presente sucessão presidencial brasileira. Na situação, o anunciado como candidato, em verdade, é o Presidente, não aguarda a eleição e sim a posse. Na Oposição, também não há candidato, pois não pode haver candidato a lugar de antemão provido. A 15 de janeiro próximo, com o apelido de “eleição”, o Congresso Nacional será palco de cerimônia de diplomação, na qual Senadores, Deputados Federais e Estaduais da agremiação majoritária certificarão investidura outorgada com anterioridade.

O Movimento Democrático Brasileiro não alimenta ilusões quanto à homologação cega e inevitável, imperativo da identificação do voto ostensivo e da fatalidade da perda do mandato parlamentar, obra farisaica de pretenso Colégio Eleitoral, em que a independência foi desalojada pela fidelidade partidária. A inviabilidade da candidatura oposicionista testemunhará perante a Nação e perante o mundo que o sistema não é democrático, de vez que tanto quanto dure este, a atual situação sempre será governo, perenidade impossível quando o poder é consentido pelo escrutínio direto, universal e secreto, em que a alternatividade de partidos é a regra, consoante ocorre nos países civilizados.

Não é o candidato que vai percorrer o País. É o anticandidao, para denunciar a antieleição, imposta pela anticonstituição que homizia o AI-5, submete o Legislativo e o Judiciário ao Executivo, possibilita prisões desamparadas pelo habeas corpus e condenações sem defesa, profana a indevassabilidade dos lares e das empresas pela escuta clandestina, torna inaudíveis as vozes discordantes, porque ensurdece a Nação pela censura à Imprensa, ao Rádio, à Televisão, ao Teatro e ao Cinema.

No que concerne ao primeiro cargo da União e dos Estados, dura e triste tarefa esta de pregar numa “república” que não consulta os cidadãos e numa “democracia” que silenciou a voz das urnas.

Eis um tema para o teatro do absurdo de Bertold Brecht, que, em peça fulgurante, escarnece da insânia do arbítrio prepotente ao aconselhar que se o povo perde a confiança do governo, o governo deve dissolver o povo e eleger um outro.

Não como campanha, pois eqüivaleria a tola viagem rumo ao impossível, a peregrinação da Oposição pelo País perseguirá tríplice objetivo:

1 – Exercer sem temor e sem provocação sua função institucional de crítica e fiscalização ao governo e ao sistema, clamando pela eliminação dos instrumentos e da legislação discricionários, com prioridade urgente e absoluta a revogação do AI-5 e a reforma da Carta Constitucional em vigor.

2 – Doutrinar com o Programa Partidário, unanimemente aprovado pelo Tribunal Superior Eleitoral, conscientizando o povo sobre seu conteúdo político, social, econômico, educacional, nacionalista, desenvolvimentista com liberdade e justiça social, o qual será realidade assim que o Movimento Democrático Brasileiro for governo, pelo sufrágio livre e sem intermediários do povo.

3 – Concitar os eleitores, frustrados pela interdição de a 15 de janeiro de 1974 eleger o Presidente e o Vice-Presidente da República, para que a 1 5 de novembro do mesmo ano elejam senadores, deputados federais e estaduais da oposição, etapa fundamental para atuação e decisões parlamentares que conquistarão a normalidade democrática, inclusive número para propor Emendas e Reforma da Carta Constitucional de 1969 e a instalação de Comissões Parlamentares de Inquérito, de cuja ação investigatória e moralizadora a presente legislatura se encontra jejuna e a atual administração imune, pela facciosa intolerância da maioria situacionista.

Hoje, e aqui, serei breve.

Somos todos cruzados da mesma cruzada. Dispensável, assim, pretender convencer o convicto, converter o cristão, predicar a virtude da liberdade a liberais, que pela fé republicana pagam até o preço de riscos e sofrimentos.

Serei mais explícito e minudencioso ao longo da jornada,quando falarei também a nossos irmãos postados no outro lado do rio da democracia.

Aos que aí se situaram por opção ou conveniência, apostasia política mais rebelde à redenção.

Prioritariamente, aos que foram marginalizados pelo ceticismo e pela indiferença, notadamente os jovens e os trabalhadores, intoxicados por maciça e diuturna propaganda e compelidos a tão prolongada e implacável dieta de informações.

Quando a Oposição clama pela reformulação das estruturas político-sociais e pela incolumidade dos direitos dos cidadãos, sua reiteração aflige os corifeus dos poderosos do dia.

Faltos de razão e argumentos, acoimam-na de fastidiosa repetição. Condenável é repetir o erro e não sua crítica. Saibam que a persistência dos abusos terá como resposta a pertinácia das denúncias.

Ressaltarei nesta Convenção a liberdade de expressão, que é apanágio da condição humana e socorre as demais liberdades ameaçadas, feridas ou banidas.

A oposição reputa inseparáveis o direito de falar e o direito de ser ouvido.

É inócua a prerrogativa que faculta falar em Brasília, não podendo ser escutado no Brasil, porquanto a censura à Imprensa, ao rádio e à Televisão venda os olhos e tapa os ouvidos do povo. O drama dos censores é que se fazem mais furiosos quanto mais acreditam nas verdades que censuram. E seu engano fatal é presumir que a censura, como a mentira, pode exterminar os fatos, eliminar os acontecimentos, decretar o desaparecimento das ocorrências indesejáveis.

A verdade poderá ser temporariamente ocultada, nunca destruída. O futuro e a história são incensuráveis.

A informação, que abrange a crítica, é inarredável requisito de acerto para os governos verdadeiramente fortes e bem intencionados, que buscam o bem público e não a popularidade. Quem, se não ela, poderá dizer ao Chefe de Estado o que realmente se passa, às vezes de suma gravidade, na intimidade dos Ministérios e dos múltiplos e superpovoados órgãos descentralizados?

Quem, se não ela, investigará e contestará os conselhos ineptos dos Ministros, as falsas prioridades dos técnicos, o planejamento defasado dos assessores? Essa a sabedoria e o dimensionamento da prática com que o gênio político britânico enriqueceu o direito público: Oposição do Governo de Sua Majestade, ao Governo de sua Majestade.

A burocracia pode ser preguiçosa, descortês, incapaz e até corrupta. Não é exclusivamente na Dinamarca, em qualquer reino sempre há algo de podre. Rematada insânia tornar impublicáveis lacunas, faltas ou crimes, pois contamina de responsabilidade governante que a ordena ou tolera.

Eis por que o poder absoluto, erigido em infalível pela censura, corrompe e fracassa absolutamente.

É axiomático, para finalizar, que sem liberdade de comunicação não há, em sua inteireza, Oposição, muito menos Partido de Oposição.

Como o desenvolvimento é o desafio da atual geração, pois ou o Brasil se desenvolve ou desaparecerá, o Movimento Democrático Brasileiro, em seu Programa, define sua filosofia e seu compromisso com a inadiável ruptura da maldita estrutura da miséria, da doença, do analfabetismo, do atraso tecnológico e político.

A liberdade e a justiça social não são meras conseqüências do desenvolvimento. Integram a condição insubstituível de sua procura, o pré-requisito de sua formulação, a humanidade de sua destinação.

A liberdade e a justiça social conformam a face mais bela, generosa e providencial do desenvolvimento, aquela que olha para os despossuidos, os subassalariados, os desempregados, os ocupados em ínfimo ganha-pão ocasional e incerto, enfim, para a imensa maioria dos que precisam para sobreviver, em lugar da escassa minoria dos que têm para esbanjar.

Este o desenvolvimento vivificado pelas liberdades roosevelteanas, inspiradoras da Carta das Nações Unidas, as que se propõem a libertar o homem do medo e da necessidade. É o perfilhado na Encíclica Populorum Progressio, isto é, prosperidade do Povo, não do Estado, que lhe é consectária, cunhando seu protótipo na sentença lapidar: o desenvolvimento é o novo nome da paz.

Desenvolvimento sem liberdade e justiça social não tem esse nome. É crescimento ou inchação, é empilhamento de coisas e valores, é estocagem de serviços, utilidades e divisas, estranha ao homem e a seus problemas.

Enfatize-se que desenvolvimento não é silo monumental e desumano, montado para guardar e exibir a mitologia ou o folclore do Produto Interno Bruto, inacessível tesouro no fundo o mar, inatingível pelas reivindicações populares.

intolerável misitificar uma Nação a pretexto de desenvolvê-la, rebaixá-la em armazém de riquezas, tendo como clientela privilegiada, senão exclusiva, o governo para custeio de tantas obras faraônicas e o poder econômico, particular ou empresarial, destacadamente o estrangeiro, desnacionalizando a indústria e dragando para o exterior lucros indevidos.

É equívoco, fadado à catástrofe, o Estado absorver o homem e a Nação.

A grandeza do homem é mais importante do que a grandeza do Estado, porque a felicidade do homem é a obra-prima do Estado.

O Estado é o agente político da Nação. Além disso e mais do que isso, a Nação é a língua, a tradição, a família, a religião, os costumes, a memória dos que morreram, a luta dos que vivem, a esperança dos que nascerão.

Liberdade sem ordem e segurança é o caos. Em contraposição, ordem e segurança sem liberdade são a permissividade das penitenciárias. As penitenciárias modernas são mini-cidades, com trabalho remunerado, restaurante, biblioteca, escola, futebol, cinema, jornais, rádio e televisão.

Os infelizes que as povoam têm quase tudo, mas não têm nada, porque não têm a liberdade. Delas fogem, expondo a vida ou aguardam aflitos a hora da libertação.

Do alto desta Convenção, falo ao General Ernesto Geisel, futuro Chefe da Nação.

As Forças Armadas têm como patrono Caxias e como exemplo Eurico Gaspar Dutra, cidadãos que glorificaram suas espadas na defesa da lei e na proteção à liberdade. O General Ernesto Geisel a elas pertence, dignificou-as com sua honradez, delas sai para o supremo comando político e militar do Brasil.

A história assinalou-lhe talvez a última oportunidade para ser instituído no Brasil, pela evolução, o governo da ordem com liberdade, do desenvolvimento com justiça social, do povo como origem e finalidade do poder e não seu objeto passivo e vítima inerme.

Difícil empresa, sem dúvida. Carregada de riscos, talvez. Mas o perigo participa do destino dos verdadeiros soldados.

A estátua dos estadistas não é forjada pelo varejo da rotina ou pela fisiologia do cotidiano.

Não é somente para entrar no céu que a porta é estreita, conforme previne o evangelista São Mateus, no Capítulo XXIII, versículo 24.

Por igual, é angustiosa a porta do dever e do bem, quando deles depende a redenção de um povo. Esperemos que o Presidente Ernesto Geisel a transponha.

A Oposição dará à próxima administração a mais alta, leal e eficiente das colaborações: a crítica e a fiscalização.

Sabe, com humildade, que não é dona da verdade. A verdade não têm proprietário exclusivo e infalível.

Porém sabe, também, que está mais vizinha dela e em melhores condições para revelá-la aos transitórios detentores do poder, dela tantas vezes desviados ou iludidos pelos tecnocratas presunçosos, que, amaldiçoam e exorcizam os opositores, pelos serviçais de todos os governos, pelos que vitaliciamente apoiam e votam para agradar ao Príncipe.

A oposição oferece ao governo o único caminho que conduz à verdade: a controvérsia, o diálogo, o debate, a independência para dizer “sim” ao bem e a coragem e para dizer “não” ao mal – a democracia em uma palavra.
Senhores Convencionais:

Do fundo do coração digo-lhes que não agradeço a indicação que consagra minha vida pública. Missão não se pede. Aceita-se, para cumprir, com sacrifício e não proveito.

Como Presidente Nacional do Movimento Democrático Brasileiro agradeço-lhes, aí sim, o destemor e a determinação com que ao sol, aos ventos e desafiando ameaças desfilam pela Pátria o lábaro da liberdade.

Minha memória guardará as palavras amigas aqui proferidas, permitindo-me reportar às da lavra dos grandes líderes Senador Nelson Carneiro e Deputado Aldo Fagundes, parlamentares que têm os nomes perpetuados nos Anais e na admiração do Congresso Nacional.

Significo o reconhecimento do Partido a Barbosa Lima Sobrinho, por ter acudido a seu empenhado apelo.

Temporariamente deixou sua biblioteca e apartou-se da imprensa, trincheiras de seu talento e de seu patriotismo, para exercer perante o povo o magistério das franquias públicas, das garantias individuais e do nacionalismo.

Sua vida e sua obra podem ser erigidas em doutrina de nossa pregação

Por fim, a imperiosidade do resgate da enorme injustiça que vitimou, sem defesa, tantos brasileiros paladinos do bem público e da causa democrática. Essa Justiça é pacto de honra de nosso partido e seu nome é ANISTIA.

Senhores Convencionais:

A caravela vai partir. As velas estão paridas de sonho, aladas de esperanças. O ideal está ao leme e o desconhecido se desata à frente.

No cais alvoroçado, nossos opositores, como o velho do Restelo de todas as epopéias, com sua voz de Cassandra e seu olhar derrotista, sussurram as excelências do imobilismo e a invencibilidade do establishment. Conjuram que é hora de ficar e não de aventurar.

Mas no episódio, nossa carta de marear não é de Camões e sim de Fernando Pessoa ao recordar o brado:

“Navegar é preciso.
Viver não é preciso”.

Posto hoje no alto da gávea, espero em Deus que em breve possa gritar ao povo brasileiro: Alvíssaras, meu Capitão. Terra à vista!

Sem sombra, medo e pesadelo, à vista a terra limpa e abençoada da liberdade.”

Jan 4, 2023
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Meu inesquecível encontro com Pelé

A partida de Pelé nos deixa com uma tristeza infinita. Ele foi um gênio sem igual e era conhecido em todo o mundo.

Eu tive a grande oportunidade de ter dois encontros interessantes com ele, sendo o primeiro deles em um voo de Nova York para São Paulo, quando eu era vice-presidente de futebol do Corinthians.

Assim que entrei no avião, fui para a classe executiva e fiquei sabendo que Pelé estava na primeira classe. Embora tenha tido vontade de cumprimentá-lo, me contive naquele momento, pois imagino que é desagradável para os famosos esse tipo de incômodo. Fiquei no meu lugar, ainda que encantado por estar tão perto de Pelé. Após o jantar, um funcionário da Varig se aproximou e disse que Pelé gostaria de falar comigo. Surpreso e sem hesitar, fui para a primeira classe, onde havia apenas seis lugares. Nos assentos ocupados estava Pelé e um americano que, acredito, não sabia quem era o Rei.

Pelé me recebeu com muita cordialidade e disse que tinha um elogio e uma crítica para me fazer. Ele lembrou que há alguns meses eu estava na Gazeta e alguém o havia criticado. Apesar de ser dirigente do Corinthians, eu sempre mantive o argumento de que Pelé era um gênio sem igual e estava para o mundo como Beethoven ou Leonardo da Vinci. Eu falei o que sempre senti. Sobre isso, ele disse que era muito grato, pois ele marcou muitos gols no Timão e eu havia superado tudo isso. Em seguida, ele fez uma queixa. Naquele mesmo programa, numa discussão sobre o Santos, eu disse que o ataque do Santos era muito forte, pois tinha Durval, Mengálvio, Coutinho, Pelé e Pepe, além de Olten Ayres de Abreu, João Etzel e Romualdo Arppi Filho. Esses últimos três não eram jogadores -eram juízes- e tinham fama de “ajudar” o Santos. Pelé, de forma elegante, contestou, mas percebi que não era com mágoa. Conversamos quase durante quase todo o percurso. Ele disse que não dormia bem no voo. Foi uma viagem agradável e uma boa conversa sobre tudo no futebol.

Quando estávamos sobre o Brasil e prestes a encerrar o papo e ele me convidou para almoçarmos juntos no futuro. Fiquei novamente surpreso, e com aquele belo encontro não poderia negar. Aceitei e dei meu telefone para ele. Ele disse que ligaria na semana seguinte para marcar o almoço em seu escritório, localizado num prédio na Juscelino. A sua secretária me ligou dois dias depois do encontro no avião. Eu marquei o almoço e fui encontrar o Rei, acompanhado de Celso Grellet, que era conselheiro do SPFC e empresário de Pelé. Foi outro momento muito agradável que se prolongou até o fim da tarde.

Nunca esqueci esses dois encontros com Pelé e, sempre que o encontrava em um restaurante da cidade com seu empresário, ele também lembrava com carinho das nossas conversas. Sinto uma tristeza imensa com a sua partida.

Agora vejo, de forma mais clara, o seu tamanho no mundo. As TVs e jornais de todos os países só têm uma palavra: Pelé.

Sep 6, 2022
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Autores de carta pela democracia reafirmam defesa da eleição às vésperas do 7 de Setembro

Da FOLHA

Os autores de uma das cartas pela democracia lidas no dia 11 de agosto disparam nesta terça-feira (6) uma mensagem de agradecimento aos mais de 1 milhão de signatários do documento.

No novo texto, chamado “Independência e democracia”, eles reafirmam o compromisso com a Constituição e dizem que o acatamento do resultado eleitoral é um valor inquestionável.

Público acompanha leitura dos manifestos pela democracia na Faculdade de Direito da USP, em São Paulo
Público acompanha leitura dos manifestos pela democracia na Faculdade de Direito da USP, em São Paulo – Marlene Bergamo – 11.ago.22/Folhapress

A mensagem chega na véspera dos atos pelo 7 de Setembro. A data, comemorativa do Bicentenário da Independência do Brasil, tem sido utilizada pelo presidente Jair Bolsonaro (PL) para fins político-eleitorais.

Como mostrou a Folha, empresários e movimentos de direita têm bancado caravanas para levar milhares de pessoas aos eventos em Brasília, no Rio e em São Paulo, para demonstrar apoio a Bolsonaro.

No 7 de Setembro do ano passado, o presidente fez um discurso golpista, recheado de ataques ao STF (Supremo Tribunal Federal). Existe receio de que ele repita o tom agora.

Na mensagem aos signatários da “Carta às brasileiras e aos brasileiros em defesa do Estado democrático de Direito”, não há menção direta às ameaças golpistas de Bolsonaro —assim como não havia na própria carta, construída de maneira apartidária para conquistar máximo apoio.

A estratégia deu certo. O evento na Faculdade de Direito da USP, no dia 11 de agosto, teve participação de diversos setores da sociedade.

Público acompanha dentro do pátio das Arcadas e na parte externa, a leitura dos manifestos pela democracia feito na Faculdade de Direito da  Eduardo Knapp/FolhapressMAIS LEIA MAIS

A carta pela democracia ficou aberta para adesões até o dia 15 de agosto e terminou com mais de 1 milhão de assinaturas; no dia seguinte, começou a campanha eleitoral.

O texto desta terça diz: “Agora comemoraremos o Bicentenário da Independência do Brasil. Homenagear o 7 de Setembro é também reafirmar o compromisso com a democracia e com a Constituição de 1988”.

A mensagem continua: “Uma nação independente pressupõe o respeito às instituições e à vontade livre das cidadãs e cidadãos, sendo o acatamento do resultado da eleição um valor inquestionável”.

Bolsonaro não é citado, mas ele já questionou a lisura das eleições em diversas oportunidades, como em um evento para o qual chamou os embaixadores estrangeiros no Brasil.

O agradecimento aos signatários termina da mesma forma que a carta: “Estado de Direito Sempre!”.

Seus autores são os mesmos seis que começaram o movimento do 11 de agosto: Antonio Roque Citadini (conselheiro do Tribunal de Contas do Estado de SP), Dimas Ramalho (presidente do Tribunal de Contas do Estado de SP), Luiz Antonio Marrey (procurador de Justiça em SP), Ricardo de Castro Nascimento (juiz federal), Roberto Vomero Mônaco (advogado) e Thiago Pinheiro Lima (procurador-geral do Ministério Público de Contas do Estado de SP).

Da esq. para a dir., Thiago Pinheiro Lima, Roberto Mônaco, Dimas Ramalho, Luiz Marrey, Roque Citadini e Ricardo Nascimento na Faculdade de Direito da USP, no Largo de São Francisco, no centro de São Paulo
Da esq. para a dir., Thiago Pinheiro Lima, Roberto Mônaco, Dimas Ramalho, Luiz Marrey, Roque Citadini e Ricardo Nascimento na Faculdade de Direito da USP, no Largo de São Francisco, no centro de São Paulo – Uirá Machado – 11.ago.22/Folhapress

Aug 18, 2022
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A Carta de 22

Dia após dia ficam maiores os eventos do 11 de agosto de 2022. As duas Cartas, lidas na Faculdade de Direito do Largo de São Francisco, marcaram uma renovada força da Democracia. A frase de Victor Hugo poderia bem resumir o ocorrido: “Nada é mais poderoso do que uma ideia que chegou na hora certa”.

Os eventos daquele dia nasceram do desejo de um grupo de antigos alunos, em busca de homenagear aqueles que, em 1977, assinaram a Carta aos Brasileiros. Naquela ocasião, o querido professor Goffredo da Silva Telles —no meio da ditatura militar— proclamava a ilegitimidade do regime e defendia como único caminho para o país uma Constituinte que trouxesse um verdadeiro Estado de Direito.

No mesmo momento em que aquele ato de coragem estava perto de completar 45 anos, o Pacto Democrático de 1988 estava sendo atacado em diversas frentes: de questionamentos do processo eleitoral até defesas abertas de medidas antidemocráticas. Com isso, um grupo reduzido (de seis pessoas) começaram trabalhar fazendo um manifesto e procurando as primeiras adesões. No início, se pensava em algo como duzentas ou trezentas assinaturas.

Quando a direção da Faculdade foi procurada para que a ideia fosse exposta, houve uma surpresa: ela própria estava articulando com a Fiesp, Febraban e entidades sindicais um outro manifesto em defesa da democracia. Pronto. Foram juntados os dois desejos e o manifesto da Faculdade com as entidades seria lido no dia 11 às 10h no Salão Nobre e, no mesmo dia, às 11:30h —desta feita no Pátio, como em 77— seria lida a Carta às brasileiras e aos brasileiros. Depois deste contato inicial, foram quinze dias de intenso trabalho.

A Carta, colocada na internet, recebeu um número nunca imaginado de adesões: advogados, professores, artistas, estudantes e trabalhadores de todos os campos causaram um grande boom, antes mesmo do dia 11. As duas Cartas dominaram os debates por duas semanas. A ideia de defesa do regime democrático uniu pessoas de grupos e posições políticas diversas. Vídeos de apoio e depoimentos começaram a surgir de todo o lado. Pessoas notáveis aderiam em um ritmo que era difícil acompanhar. Antes da leitura, a carta já tinha quase um milhão de assinaturas.

Nas duas semanas que antecederam o 11 de agosto, fatos de grande importância ocorreram no país, a exemplo das convenções partidárias que escolhiam seus candidatos para eleição geral, a aprovação de pacotes de grande repercussão social e até de um evento de Ministros da Defesa de todo o Continente, que foi realizado em Brasília. Porém, no meio de tudo isso, a grande notícia era a movimentação para os atos de 11 de agosto.

Aquela data foi uma grande demonstração da força da democracia. Num dia chuvoso e no meio da semana a Faculdade estava lotada —dentro e fora. Os atos foram televisionados na íntegra por várias emissoras de TV e também teve grande cobertura de veículos da internet e, numa medida nunca esperada, e talvez inédita, a leitura daquela mesma Carta foi repetida em solenidades locais em centenas de cidades por todo o país, com a organização de Faculdades, Centros Acadêmicos, Sindicatos etc.

A homenagem à Carta de 77 e aos seus signatários, bem como a defesa do regime democrático, ganhou uma marca poucas vezes vista. Sim! Somente ideias corretas, nos momentos corretos, são capazes de promover uma força mobilizadora e tão positivamente simbólica como aquela do 11 de agosto de 22.

Jan 24, 2022
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Aliança eleitoral: governabilidade ou viragem política?

por Marcos Malaquias, professor, jornalista e escritor

Iniciando a luta eleitoral de 22, os partidos começam a colocar suas peças na mesa. A mais surpreendente, sem dúvida, é o ocorrido na campanha do ex-presidente Lula. Para espanto de muitos, especialmente daqueles em seu próprio partido, foi marcada uma clara aproximação com um adversário histórico de grandes suas lutas eleitorais: ninguém mais, nem menos, do que o ex-governador Geraldo Alckmin. Entre os surpresos estava a mídia.

As explicações chegaram de todos os lados. Sem esquecer que muitos dentro do PT são contrários a esta aproximação, os comentaristas justificam a jogada como um ato puramente eleitoral: para acalmar o “mercado”, Lula teria convidado Alckmin para sua chapa. Nesta tese, o ex-governador seria um sinal de moderação. Alckmin, tido como mais conservador, traria a garantia que setores econômicos desejam.

Outros comentaristas, além de mostrar a carta da “moderação “, dizem que o movimento traria o compromisso de governabilidade com forças políticas mais amplas, englobando o “centro”. Entretanto, além da jogada eleitoral e da governabilidade, poderemos estar testemunhando uma clara viragem política de Lula.

O PT, junto com Lula, desde seu nascimento, teve uma linha forte de combate: sempre foi contrário a qualquer proximidade com grupos democráticos (de centro ou de esquerda). Lembremos que combateu Brizola —quando este era “perigo” para sua hegemonia; não apoiou nada do que fez o MDB na democratização (vide a CF/88) e sempre se sustentou em oposição a todos e tudo, como ocorreu no governo Itamar, contestado por petistas, e nos governos do PSDB, quando o partido manteve sua dura luta de oposição.

Sua posição de ataque ao plano real foi total. Mesmo políticas caras à esquerda foram combatidas, como o financiamento a Educação (Fundeb) ou o Bolsa Escola (embrião da Bolsa Família).
A linha era clara: ser contra, contra e contra.
E isso deu bom resultado nas urnas: o partido ganhou a eleição presidencial por quatro vezes, com este estilo de política sendo mantido nos governos de Lula e Dilma.

Em nenhum momento, para governar, o PT buscou construir alianças partidárias com grupos de proximidade ideológica. Sua governabilidade foi construída sempre por “cooptação”: quanto mais distantes de seu projeto político, mais procurados eram os “aliados”. O encontro não passava por interesses ideológicos de ninguém. Deu no que deu.

Com “inimigos” bem definidos por mais de 30 anos, é enxergado, agora, um mundo diferente. Demônios de ontem neste momento não são tão demônios assim.
Se a ação comprovar não ser só eleitoral, de governabilidade, mas também uma viragem política, teremos que entender o que levou a isso. Não há dúvida que a chegada do bolsonarismo (e seu caminhão do atraso) muito contribuiu para alterar as peças do jogo. A condenação de Lula, após 14 anos de governo, também pode ter influído. Por outro lado, a adesão em massa ao bolsonarismo por parte de ex-aliados de Lula mostrou que a cooptação tem limites.


Ainda não sabemos, mas tudo parece ser mais para viragem, do que aliança eleitoral ou mera governabilidade. É uma manobra mais difícil e mais complexa. Talvez seja por isso a perplexidade de vasta área de seu partido.
É aguardar.

Nov 22, 2021
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O mito do MASP


Não há brasileiro —de São Paulo ou de qualquer lugar do Brasil— que não seja tomado de orgulho quando passa pela Avenida Paulista e observa o prédio do MASP. Imponente, grandioso e charmoso, ele é um dos pontos mais festejados da cidade. Seu acolhedor vão livre ostenta a audácia da arquitetura e abraça todos que por lá aparecem, seja para manifestações políticas ou para as tradicionais mostras de arte.

Sem qualquer comparação, é considerado o museu com o maior acervo da América Latina. Só enfrentado por Nova York.

A construção do MASP é cercada de muitas histórias. Algumas ficaram como verdades indesmentíveis. Dizem que o terreno seria uma doação de quatrocentões paulistas; que a construção do prédio teria sido feita por doações de beneméritos; que o projeto —de Lina Bo Bardi— teria sido escolhido obedecendo imposição dos doadores e, por esta razão, teria o tão famoso vão livre.

Tudo isso, porém, cai por terra com o livro de Daniele Pisani, “O Trianon do MAM ao MASP”, lançado pela Editora 34. Em profundo e meticuloso estudo, o professor Daniele, mais um italiano na história do MASP, destrincha todos os passos de sua construção.


Quando o museu foi inaugurado, com a presença da Rainha Elizabeth e seu marido, príncipe Philip, em 7 de dezembro de 1968, tudo o que se falava da sua construção eram lendas que foram tomando corpo de verdade.

Rainha Elizabeth na abertura do MASP

Tudo começa pelo terreno. Ele não foi doado. Foi, sim, comprado pela prefeitura, no começo dos anos 1900, quando da implantação da Avenida Paulista. Nele foi construído um Belvedere que permitia a vista de todo o vale da Avenida 9 de Julho. Nas festividades do quarto centenário da cidade, este local foi cedido para a realização da Bienal de Arte, em construção improvisada por Ciccilo Matarazzo, benemérito ligado às artes na cidade. Após a Bienal, o MAM, com Ciccilo à frente, cogitou construir uma sede naquele mesmo espaço. Como não havia dinheiro, essa ideia foi deixada de lado.

O MASP, então ligado aos Diários Associados no centro da cidade, também procurava uma sede à altura do acervo que Chateaubriand estava formando, com Pietro Maria Bardi adquirindo novas obras de europeus em ruínas no pós-guerra. Os engenheiros da prefeitura tinham um projeto para construir um novo Pavilhão naquele terreno. O espaço serviria para bailes, exposição de flores etc. Na época, era prefeito Ademar de Barros, político importante desde anos 40. Ele era tido como populista, demagogo e pouco preocupado com o dinheiro público. Era, entretando, um homem culto. Médico, falava fluentemente alemão, tendo estudado na Europa (lia Goethe no original). Porém, a imagem que passou para a historia foi de homem despreparado e rude.
Outro que participou do imbróglio do terreno da sede foi o ex-prefeito Jânio Quadros, que não apoiava a construção de museus e queria fazer banheiros públicos no espaço. Jânio, diferente de Ademar, era tido por culto, com suas citações estranhas da língua portuguesa. Foi um demagogo. Farsante, só deixou para o Estado a vassoura de sua campanha contra corrupção. Diferente de Ademar, que deixou as rodovias Anchieta, Anhanguera e Castelo Branco, o Hospital das Clínicas e tantos outros marcos, Jânio quase nada fez. Lutou tanto quanto possível contra o prédio do MASP.

Quando, no governo Ademar de Barros, foi feita a licitação para a escolha da constrututora do pavilhão para bailes da Avenida Paulista, esta foi confusa e contestada (como tudo do prefeito), mas os problemas foram superados e a obra iniciada, com pagamento realizado e tudo mais.

Entretanto, os ventos mudam. O MASP precisava desesperadamente de uma nova sede. Lina Bo Bardi estava na Bahia construindo outro museu e voltou para São Paulo. Junto com a direção dos Diários Associados, ela foi ao prefeito Ademar de Barros e deu uma nova ideia para o uso da área da Avenida Paulista, onde a construção do pavilhão já estava em curso. Ademar gostou e assumiu o novo projeto. Teria colocado como condição o apoio dos Diários para a próxima campanha eleitoral. Porém, ainda havia o grande problema da obra —que já estava sendo realizada pela prefeitura.

Quem contornou a situação foi o Engenheiro Figueiredo Ferraz, secretário de obras de Ademar —e depois prefeito da Capital. Sem muita explicação, o projeto do pavilhão da prefeitura foi interrompido e se transformou no projeto de Lina para o prédio do MASP. Fizeram uma alteração contratual com a construtora e tocaram a obra, sem muita solenidade.

Quem pagou tudo foi a prefeitura. Não houve participação de beneméritos. Diziam que até Nelson Rockefeller teria feito doação. Isso não ocorreu. Tudo foi obra municipal, com seus improvisos e atropelos.

Não há motivo para esconder a verdadeira história, por mais questionamentos que existam. O terreno era da prefeitura, e não de ricos benevolentes. Ninguém sabe como foi escolhido o projeto de Lina Lo Bardi. Apenas é sabido que ele apareceu como ideia dos Diários Associados. O vão livre é ideia da arquiteta —e não exigência de quem doou o terreno, já que ele pertencia à prefeitura. A mudança do contrato de construção de um pavilhão de bailes para sede de um museu foi heterodoxa? Sim. Foi um aditivo histórico. A prefeitura pagou por toda a obra. Tudo isso teria ocorrido pelo apoio dos Associados à campanha de Ademar em eleições futuras. Não há provas. Mas pode ter sido.

O livro de Daniele Pisani traz luz sobre a histórica construção do prédio do MASP na Avenida Paulista. Mesmo sem o mítico apoio dos ricos, ele esta lá: elegante, charmoso e com o maior acervo de obra de artes da América Latina. E todos aplaudimos.         

Apr 14, 2020
admin

O mundo à espera de um novo Franklin Roosevelt

Trabalhadores durante uma pausa nas obras da construção do sistema de esgoto em White Point, Califórnia

A crise econômica de 1929 representou um dos maiores marcos do século passado. Foi um tsunami devastador iniciado na bolsa de valores americana que acabou atingindo todos; empresas foram destruídas, milhões ficaram desempregados, sem casa, sem comida e o quadro geral era de grande desânimo.

A regra americana, até então, privilegiava a noção de um Estado pequeno e com amplas, e quase irrestritas, liberdades para a atividade privada. Depois de algumas décadas deste regramento, os Estados Unidos deixaram de ser apenas uma ex-colônia para se tornar uma grande potência, se destacando no mundo. Por causa deste ambiente ninguém ficou surpreso com o resultado inicial da crise: o governo não iria se mobilizar para tentar socorrer as empresas, os bancos, as seguradoras e nada faria pelos milhões de desempregados e famintos que cresciam em número a cada dia.

Um passo de cada vez, a crise foi ficando mais e mais violenta e se espalhou por todos continentes.

No meio deste drama, quem venceu a eleição presidencial foi o candidato democrata Franklin Delano Roosevelt. Ele era um rico aristocrata de Nova York e seu partido ainda era fortemente marcado por ideias escravocratas e segregacionistas. Nada indicava, naquele momento, uma transformação muito grande. O que veio a seguir, entretanto, foi um choque para a América e para o mundo. Diante da destruição vivida pelo país, levantou-se um novo George Whashigton ­—ou um novo Abraham Lincoln.

Logo após sua posse, Roosevelt prontamente anunciou o “New Deal”, seu profundo programa de reformas que mudou tudo nos EUA: mudou o Estado (que passou se preocupar com áreas onde jamais havia chegado); mudaram as empresas (que receberam incentivos que jamais tiveram e, para escândalo de todos, se submeteram a controles e regras nunca vistos); mudou também o mundo do trabalho (que foi reestruturado com novas leis previdenciárias e trabalhistas). Mudou a saúde, mudaram os bancos, as bolsas e o controle monetário.

Roosevelt era um corajoso reformador, sem dogmas. Enfrentou o judiciário, os jornais e os ricos —mesmo sendo ele parte deste último grupo. Ao contrário do que muitos imaginam, nunca foi um membro de carteirinha da Escola Keynesiana, que contestava o liberalismo econômico inglês. Anos depois do New Deal, os seguidores da Escola de Keynes quiseram reivindicar como suas as ideias do New Deal. O curioso é que Roosevelt pouco conhecia das teorias do economista britânico. Quando os dois se encontraram, apesar da cordialidade, o presidente não teve as melhores impressões do mundo: disse que Keynes era mais matemático do que economista e que ficava fazendo cálculos o tempo todo. Keynes também não fez bom juízo do presidente: dizia que ele era simplório, avoado e de personalidade estranha.

A personalidade estranha de Roosevelt tinha um aspecto determinante: a coragem. Foi a coragem que o moveu para combater a grave crise.

Ao enfrentar os desastres, Roosevelt foi um prático: as empresas estavam quebradas por especulação na Bolsa e ele implementou regras para a atuação econômica (inclusive regulamentando os bancos); os trabalhadores estavam sem casa e comida e foram socorridos por programas de distribuição de refeições e vales; ele também investiu em toda infraestrutura e acabou por construir estradas férreas, aeroportos, rodovias, estações, escolas, teatros e muito mais -tudo enquanto empregava quem precisava de trabalho. O mais importante, porém, é que ele deu um rumo para a América; ele apresentou o desafio da grande nação e convocou todos para virar o jogo. E virou.

E hoje, com o tsunami do coronavírus, temos novos Roosevelts? Ainda não. Estamos esperando. O que vemos são governos tímidos e que não conseguem empolgar ninguém para uma marcha de virada. Todos seguem o modelo Obama: salvar bancos, seguradoras e montadoras e, por consequência, acreditam estar salvando o mundo. Tudo com vasta impressão de dinheiro. Máquinas de dinheiro, nessas épocas, rodam mais do que máquinas da indústria.

Trump, aparentemente, repetirá Obama, que repetiu Clinton, que não viu o que fez Roosevelt.

O mundo que está por vir será caótico se continuarmos neste mais do mesmo. Precisamos urgentemente de um novo Roosevelt. Carecemos de sua coragem, decisão de luta e de sua busca por novos caminhos. 

Dec 12, 2019
admin

Tancredo: moderado e autêntico

Tancredo Neves, na sua longa vida política, sempre teve fama de moderado, conciliador e de “governista vestido de oposição”. Dizia-se que, durante a ditadura, ele conchavava com generais do governo. Tudo bobagem, como veremos. A mídia, predominante hostil a sua pessoa, acabou por criar esta imagem distorcida.

Lembro-me do ocorrido em 1974, época que antecedeu as eleições em que o regime militar recebeu dura derrota nas urnas. Muitos militantes de esquerda haviam feito uma campanha pelo voto nulo num pleito realizado quatro anos antes e tinham, assim, certo vínculo com a luta armada –que acabou sendo totalmente derrotada. Estes viviam uma ressaca sem cura do erro cometido ao partirem para o enfrentamento armado contra o regime, enquanto nutriam a certeza que aquela tinha sido a melhor decisão. Até hoje acredito que erramos em não cobrar, na época, uma dura autocritica dos erros cometidos e em ter tratado muitos dos membros destes grupos apenas como “meninos minados”, como também diziam os comunistas italianos. De qualquer maneira, aguentávamos longas preleções (típicas da época) sobre as virtudes dos derrotados que se achavam grandes vitoriosos. Muito foi relevado, pois achávamos, corretamente, que o caminho pacífico e democrático era a via para derrotarmos o regime militar.

Naqueles tempos Tancredo era a vítima predileta dos revolucionários. Ele era acusado de tudo, o tempo todo. Depois, parte a mídia chegou a assumir este método de ação. Tudo era invencionice. Tancredo foi um grande brasileiro, tendo sempre lutado pela democracia, nunca fraquejando.

Recordarei aqui alguns episódios de sua trajetória política pouco citados pela história.

Na crise final do governo Getúlio, Tancredo ainda era muito jovem e ocupava o posto de ministro da Justiça. Na madrugada do suicídio do presidente, na última reunião de gabinete, Tancredo foi duro e corajoso. Disse a Getúlio que havia revisado todo processo feito pela UDN no Galeão e que nada, nem de longe, poderia comprometer sua honra. Ele propôs, então, a prisão de todos os golpistas envolvidos no processo contra o presidente. Chegou a questionar o ministro da Guerra sobre as condições operacionais das tropas para realizar as referidas prisões e até recebeu uma resposta positiva. De pronto, a ordem para as detenções já poderia ser assinada. Getúlio ponderou que tal medida tinha potencial para agravar a crise. Comovido, deu a Tancredo Neves –seu corajoso ministro da justiça– a caneta com a qual assinou sua carta-testamento. O “moderado” Tancredo saiu como gigante.

Em 1964, na crise final do governo Jango, Tancredo também mostrou uma postura corajosa e democrática. Alguns anos antes o político costurara o parlamentarismo para que o país não caísse num golpe udenista. Durante todo aquele período, Jango foi atacado pela esquerda (brizolista e revolucionária). Com o golpe já em andamento foi Tancredo, junto com Almino Afonso, quem acompanhou o presidente até o avião que voaria para o sul, onde se tentaria resistir ao golpe. O mineiro despede-se de Jango e corre para o Congresso, onde o senador Moura Andrade, unido com os golpistas, procurava declarar vago o cargo, alegando que o presidente havia abandonado o Brasil. Era mentira. A gravação da sessão mostra dois deputados protestando contra manobra. “Canalha, canalha!” gritavam Tancredo e Almino, afirmando que o presidente estava no país. Tancredo, mais uma vez, se agigantava.

Alguns dias depois, com o golpe já consolidado, os militares propuseram a eleição de Castelo Branco pelo Congresso. O PSD reuniu sua bancada, e Juscelino (que apoiava o golpe), disse que Castelo havia se comprometido em manter o calendário eleitoral. Era o que ele queria. Tancredo, que conhecia bem Castelo Branco –tendo tido com ele relações cordiais quando o militar serviu em Minas– divergiu. Disse que não votaria. Juscelino fez vários apelos, mas Tancredo resistiu. Na eleição não votou em Castelo. Poucas semanas após o primeiro presidente militar assumir, Juscelino foi cassado e as eleições foram terminadas. Pior ainda, foi desencadeada uma avalanche de inquéritos contra o ex-presidente JK, procurando humilhá-lo ao máximo. Tancredo o acompanhou em todos os intermeáveis depoimentos em inquéritos militares; alguns duravam vinte horas e eram feitos por um coronel qualquer, do qual a história esqueceu o nome. De novo, o moderado Tancredo se engrandecia.

A fase mais próxima da vida política de Tancredo nós já conhecemos melhor. Foi com a moderação de sempre que ele ajudou conduzir o país para a democracia. Devemos tratá-lo como exemplo de um grande homem; como um gigante. Porém, aqueles que vinham da luta armada nunca aceitaram essa como sendo a realidade e continuaram a criticá-lo até os dias atuais. Infelizmente.

Dec 5, 2019
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O perigo de vender as reservas

O Brasil chegou a acumular, ao longo dos anos, por volta de quatrocentos bilhões de dólares em suas reservas cambiais. É este o montante que garante certa estabilidade econômica, mesmo durante períodos de grandes crises políticas, como as que vivemos desde 2013.
O novo governo aparenta querer reduzir consideravelmente as reservas e vem, pouco a pouco, vendendo parte delas sob argumentos ligados ao câmbio e à dívida. O problema é que encolher as reservas nos coloca em grande risco de maior instabilidade. Podemos nos transformar numa Argentina, pois sabemos que um dos fatores centrais dos problemas portenhos é a falta de reservas que acabou levando o país ao desastre econômico.
No Brasil não houve “efeito Orloff”. Ainda que com dificuldades, tivemos alguma estabilidade econômica.
Neste momento, o governo vive o final da gestão Temer. Tudo o que ocorreu até aqui é mais herança do governo passado do que ação do atual, como são os casos das privatizações e vendas de áreas do petróleo. O mesmo ocorre, ainda, no caso do controle da inflação e da política de juros baixos. Até a reforma na previdência tinha criado corpo anteriormente, não sendo concluída por conta da ação da JBS. A respeito da reforma da previdência, lembremos que o ponto mais desejado por Guedes era mesmo a introdução do sistema de capitalização para aposentadoria. O Congresso foi sábio ao mandar a proposta para o arquivo. A revolta no Chile mostrou que há perigo nas ideias de Chicago.
A partir de agora teremos que observar as ações de Guedes. Até aqui, elas parecem confusas e pouco efetivas. As privatizações são ainda discursos inacabados; as reformas do Estado (fora da previdência) estão em marcha lenta. A única mudança de direção do atual governo vem sendo na venda das reservas. E esta não é uma boa saída. Podemos estar seguindo os passos argentinos em direção ao desastre certo.

Nov 26, 2019
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Chile: mudar ou manter

O colapso chileno chegou como uma turbulência no céu claro. Ninguém via nada de estranho no horizonte e a rota era de completa tranquilidade. Subitamente, porém, apareceu uma tempestade como nunca vista. O país que vivia décadas de progresso e estabilidade agora está no meio de uma onda de contestação que vem demolindo tudo pela frente. Bastou um mês de manifestações para o governo capitular. Primeiro, uma guerra às ruas foi declarada. Logo depois, veio uma onda de concessões que ainda não parecem ter arrefecido a situação. Com as ruas cheias e cada vez mais inquietas, a saída encontrada foi convocar o povo para votar uma nova constituinte que reforme tudo. É aqui onde aparecem as divergências entre os chilenos: alguns querem uma reforma que consiga preservar o modelo de liberalismo econômico. Estes precisam fazer a população acreditar que o colapso atual é passageiro e que pouco precisa ser mudado. O ministro Paulo Guedes, entusiasta da revolução liberal chilena se encontra neste grupo; dos que pensam que os problemas são pontuais e passageiros. Sua fé é de que o modelo, por si, consertará as falhas e que o caminho da estabilidade e progresso seguirá.

A confiança do ministro brasileiro no sistema chileno é total. Tanto que, junto com a primeira reforma para implantar o modelo liberal no Brasil, foi proposto o projeto que implantava a capitalização previdência. A proposta foi derrotada friamente. Os parlamentares brasileiros, mesmo antes da convulsão chilena, mandaram a tal capitalização para o arquivo quase sem discussão. Mesmo dentro do conturbado Chile os defensores deste modelo continuam muito ativos. A economista Bettina Horts, que dirige o Instituto Liberdade e Desevolvimento, proclama que não se deve retroceder no modelo liberal. Ela reconhece que o sistema de capitalização fracassou, mas que a solução possível envolve outras reformas liberais. Novas leis trabalhistas ainda mais flexíveis poderiam corrigir os erros. Diz que uma das razões da crise pode ser encontrada nos muitos direitos dos contratados. Assim repetia, também, o oficial naval japonês Minoru Genda, que planejou os ataques a Pearl Harbour. Ele passou a vida inteira dizendo que o ataque não foi um sucesso absoluto (para os japoneses) devido ao cancelamento de uma segunda onda de ataques aéreos contra as forças americanas. Se ao menos esses ataques adicionais fossem realizados, tudo teria sido resolvido, ali mesmo.

Deixando as opiniões dos economistas de lado, é necessário dizer que quem definirá o futuro chileno serão os eleitores do pleito para a nova constituinte. E é difícil conceber que os mesmo que desejam a queda do modelo atual serão aqueles que o sustentarão.

O colapso súbito do modelo chileno surpreendeu a todos. Direita e esquerda foram pegas no contrapé e passaram a usar argumentos pouco lógicos. A surpresa não pegou só o Chile, ela chegou também por aqui. Muita gente antecipou que o mesmo aconteceria em terras brasileiras e já conclamaram para que o exército se preparasse para uma luta nas ruas, afim de garantir a ordem. Foi apenas barulho de internet. Também o ex-presidente Lula, falando aos seus, disse que “devemos fazer igual ao povo chileno” e promover manifestações. É claro que o que ocorre no Chile não é contra a gestão atual, do presidente Piñera. É um levante que questiona quatro décadas de um modelo de economia liberal. Isso não ocorreu no Brasil, por maiores problemas que tenhamos.

Enquanto o Chile construía o modelo dos Chicago Boys, diferentes governos brasileiros (de direita, centro e esquerda) faziam caminho oposto. Várias foram as medidas de “amortizadores sociais” instituídas ao longo dos últimos trinta anos. São soluções que atenuam a péssima distribuição de renda e socorrem os mais pobres, permitindo maior compactação social. O governo Médici (no decorrer de sua ditadura) criou o Funrural, que hoje atende milhões de pessoas em situação muito vulnerável, em todo país. Já o BPC (Benefício de Prestação Continuada) foi implantado no governo FHC, apoiando atualmente quase cinco milhões de brasileiros, com uma assistência que chega muito perto de um salário mínimo. O Bolsa Família, incorporado no governo Lula, atende perto de quatorze milhões de brasileiros. Há também o auxílio-doença, auxílio-acidente, auxílio-invalidez etc. Programas como o Bom Prato, do estado de São Paulo, e outros de natureza alimentícia também impactam bastante a população mais pobre.

Todas essas políticas atenuam muito a injusta situação social brasileira. É preciso destacar também o SUS, que é um importante mecanismo de saúde pública e que, com seu carater gratuito e universal, socorre as camadas sociais de menor renda e dá a certeza de que serão atendidas, ainda que com algumas falhas, quando estiverem doentes. Muitas são as iniciativas louváveis e incontestáveis do SUS.

Um país que possui um modelo assim é claramente muito diferente do Chile. Mesmo com suas imperfeições, nosso mecanismo socorre os pobres e acaba por inibir revoltas como a que se passou no nosso vizinho.

Apesar de ainda não ser certo o que ocorrerá no Chile depois deste quente processo social, certamente podemos concluir que o que acontecer por lá muito repercutirá no Brasil e em toda a América Latina.

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