Jornalismo anti-Millor
Dizem que Millor Fernandes afirmava que o “jornalismo é oposição, o resto é armazém de secos e molhados”. Essa regra não vale no jornalismo esportivo.
Aqui o normal é ser situação.
Alguém acha que o grande problema do Corinthians foi ter contratado o Cristóvan e não o Mano?
É claro que não.
Os problemas são maiores e mais complexos. E não começaram hoje.
A destruição das categorias de base com o abraço aos empresários e seus interesses; a gestão juvenil do estádio; a farra de contratações onde quem menos ganha é o clube; contratos e comissôes acima do mercado etc.
É claro que os problemas vêm de longe e hoje o grupo dirigente esgotou sua capacidade de responder às crises.
Mas, num jornalismo onde tudo é aplauso, não vale falar dos anos de erros.
Isso desvalorizaria seus rasgados elogios por esses anos todos.
A imprensa no esporte (na sua maioria) é o anti-Millor
Cinco anos sem o Doutor Sócrates
Antes do apito inicial, os jogadores se reuniram em círculo no centro do gramado e os corintianos ergueram a mão direita para o alto, em homenagem ao gesto que o Doutor, como Sócrates era conhecido, utilizava para comemorar os seus gols.
Na Copa do Mundo de 1982, Sócrates foi o capitão da seleção brasileira, na ocasião uma equipe que pode ser considerada uma das melhores da história, mesmo tendo sido eliminada pela Itália antes das semifinais. O seu gol contra a União Soviética, após driblar dois marcadores, um deles Susloparov, e chutar no ângulo de Dasaev, foi um dos momentos inesquecíveis da campanha.
Dotado de uma visão de jogo rara e uma técnica apurada, Sócrates se consagrou no Corinthians, após deixar o Botafogo de Ribeirão Preto, onde iniciou a carreira. Na cidade do interior paulista, para onde a família se mudou antes de Sócrates se tornar jogador, vinda do Norte (Sócrates nasceu em Belém do Pará), o ex-jogador cursou a Faculdade de Medicina, tendo completado todo o ciclo de estudos e se tornado médico.
Por sua inteligência, Sócrates se destacou também como militante político e defensor dos direitos humanos. Após encerrar a carreira, atuou como técnico de futebol, articulista e comentarista esportivo. Envolveu-se também com a música, TV (com pontas em novela) e produção teatral.
Tinha uma personalidade própria, contrária a qualquer tipo de bajulação de poderosos e a interesses financeiros que se suplantavam aos sociais.
O jornal britânico The Guardian elegeu Sócrates, dentro do famoso quadro “The Joy of Six”, como um dos seis esportistas mais inteligentes da história. Da lista, divulgada em fevereiro de 2015, ele é o único jogador de futebol.
Durante a carreira, o jogador, conhecido pelo genial toque de calcanhar, que usava para compensar sua alta estatura (1m91), atuou pelo Botafogo-SP (1974 a1978); Corinthians (1978 a 1984); Fiorentina (1984 a 1985); Flamengo (1985–1987); Santos (1988 a 1989) e Botafogo-SP (1989). Entre os juvenis e o profissional nos clubes foi autor de 675 gols. Pela seleção brasileira, jogou 63 partidas e fez 25 gols.
40 anos da grande invasão corinthiana ao Rio de Janeiro
Completa 40 anos, neste dia 5 de dezembro, a histórica “invasão” corinthiana ao Rio de Janeiro, no jogo da semifinal do Brasileirão/76, entre o Timão e Flu. Segundo Celso Unzelte é, ainda, o jogo com maior público da história do Corinthians: 146.043 pagantes. É, também, uma das mais belas páginas de nosso esporte e da vida do Corinthians. O texto que segue é comentário de Nelson Rodrigues, no jornal O GLOBO, sobre o ocorrido. E uma peça histórica, magnífica, orgulho pra todos: corinthianos, tricolores e outros mais.
NELSON E A INVASÃO CORINTIANA
Nelson Rodrigues
1-Uma coisa é certa: – não se improvisa uma vitória. Vocês entendem? Uma vitória tem que ser o lento trabalho das gerações. Até que, lá um dia, acontece a grande vitória. Ainda digo mais: – já estava escrito há seis mil anos, que em um certo domingo, de 1976, teríamos um empate. Sim, quarenta dias antes do Paraíso estava decidida a batalha entre o Fluminense e o Corinthians.
2-Ninguém sabia, ninguém desconfiava. O jogo começou na véspera, quando a Fiel explodiu na cidade. Durante toda a madrugada, os fanáticos do timão faziam uma festa no Leme, em Copacabana, Leblon, Ipanema. E as bandeiras do Corinthians ventavam em procela. Ali, chegavam os corinthianos, aos borbotões. Ônibus, aviação, carros particulares, táxis, a pé, a bicicleta.
3-A coisa era terrível. Nunca uma torcida invadiu outro estado, com tamanha euforia. Um turista que, por aqui passasse, havia de anotar no seu caderninho: –“O Rio é uma cidade ocupada”. Os corinthianos passavam a toda hora e em toda parte.
4-Dizem os idiotas da objetividade que torcida não ganha jogo. Pois ganha. Na véspera da partida, a Fiel estava fazendo força em favor do seu time. Durmo tarde e tive ocasião de testemunhar a vigília da Fiel. Um amigo me perguntou: – “E se o Corinthians perder?” O Fluminense era mais time. Portanto, estavam certos, e maravilhosamente certos os corinthianos, quando faziam um prévio carnaval. Esse carnaval não parou. De manhã, acordei num clima paulista. Nas ruas, as pessoas não entendiam e até se assustavam. Expliquei tudo a uma senhora, gorda e patusca. Expliquei-lhe que o Tricolor era no final do Brasileiro, o único carioca.
5-Não cabe aqui falar em técnico. O que influi e decidiu o jogo foi a torcida. A torcida empurrou o time para o empate.
6-A torcida não parou de incitar. Vocês percebem? Houve um momento em que me senti estrangeiro na doce terra carioca. Os corinthianos estavam tão certos de que ganhariam que apelaram para o já ganhou. Veio de São Paulo, a pé, um corinthiano. Eu imaginava que a antecipação do carnaval ia potencializar o Corinthians. O Fluminense jogou mal? Não, não jogou mal. Teve sorte? Para o gol, nem o Fluminense, nem o Corinthians. Onde o Corinthians teve sorte foi na cobrança dos pênaltis. A partir dos pênaltis, a competição passa a ser um cara e coroa. O Fluminense perdeu três, não, dois pênaltis, e o Corinthians não perdeu nenhum. Eis regulamento de rara estupidez. Tem que se descobrir uma outra solução. A mais simples, e mais certa, é fazer um novo jogo. Imaginem que beleza se os dois partissem para outro jogo.
7-Futebol é futebol e não tem nada de futebol quando a vitória se vai decidir no puro azar. Ouvi ontem uma pergunta: “O que vai fazer agora o Fluminense?” Realmente, meu time não pode parar. O nosso próximo objetivo é o tricampeonato carioca. Vejam vocês:
– empatamos uma partida e realmente um empate não derruba o Fluminense. Francisco Horta já está tratando do tricampeonato. Estivemos juntos um momento. Perguntei: – “E agora?” Disse – amanhã vou tomar as primeiras providências para o tricampeonato. Como eu, ele não estava deprimido. O bom guerreiro conhece tudo, menos a capitulação. Aprende-se com uma vitória, um empate, uma derrota. Só a ociosidade não ensina coisa nenhuma.
No seguinte jogo, vocês verão o Fluminense em seu máximo esplendor.
NELSON RODRIGUES era tricolor e publicou este texto no GLOBO em 6/12/76, no dia seguinte ao jogo Fluminense x Corinthians.
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