O mito do MASP
Não há brasileiro —de São Paulo ou de qualquer lugar do Brasil— que não seja tomado de orgulho quando passa pela Avenida Paulista e observa o prédio do MASP. Imponente, grandioso e charmoso, ele é um dos pontos mais festejados da cidade. Seu acolhedor vão livre ostenta a audácia da arquitetura e abraça todos que por lá aparecem, seja para manifestações políticas ou para as tradicionais mostras de arte.
Sem qualquer comparação, é considerado o museu com o maior acervo da América Latina. Só enfrentado por Nova York.
A construção do MASP é cercada de muitas histórias. Algumas ficaram como verdades indesmentíveis. Dizem que o terreno seria uma doação de quatrocentões paulistas; que a construção do prédio teria sido feita por doações de beneméritos; que o projeto —de Lina Bo Bardi— teria sido escolhido obedecendo imposição dos doadores e, por esta razão, teria o tão famoso vão livre.
Tudo isso, porém, cai por terra com o livro de Daniele Pisani, “O Trianon do MAM ao MASP”, lançado pela Editora 34. Em profundo e meticuloso estudo, o professor Daniele, mais um italiano na história do MASP, destrincha todos os passos de sua construção.
Quando o museu foi inaugurado, com a presença da Rainha Elizabeth e seu marido, príncipe Philip, em 7 de dezembro de 1968, tudo o que se falava da sua construção eram lendas que foram tomando corpo de verdade.
Tudo começa pelo terreno. Ele não foi doado. Foi, sim, comprado pela prefeitura, no começo dos anos 1900, quando da implantação da Avenida Paulista. Nele foi construído um Belvedere que permitia a vista de todo o vale da Avenida 9 de Julho. Nas festividades do quarto centenário da cidade, este local foi cedido para a realização da Bienal de Arte, em construção improvisada por Ciccilo Matarazzo, benemérito ligado às artes na cidade. Após a Bienal, o MAM, com Ciccilo à frente, cogitou construir uma sede naquele mesmo espaço. Como não havia dinheiro, essa ideia foi deixada de lado.
O MASP, então ligado aos Diários Associados no centro da cidade, também procurava uma sede à altura do acervo que Chateaubriand estava formando, com Pietro Maria Bardi adquirindo novas obras de europeus em ruínas no pós-guerra. Os engenheiros da prefeitura tinham um projeto para construir um novo Pavilhão naquele terreno. O espaço serviria para bailes, exposição de flores etc. Na época, era prefeito Ademar de Barros, político importante desde anos 40. Ele era tido como populista, demagogo e pouco preocupado com o dinheiro público. Era, entretando, um homem culto. Médico, falava fluentemente alemão, tendo estudado na Europa (lia Goethe no original). Porém, a imagem que passou para a historia foi de homem despreparado e rude.
Outro que participou do imbróglio do terreno da sede foi o ex-prefeito Jânio Quadros, que não apoiava a construção de museus e queria fazer banheiros públicos no espaço. Jânio, diferente de Ademar, era tido por culto, com suas citações estranhas da língua portuguesa. Foi um demagogo. Farsante, só deixou para o Estado a vassoura de sua campanha contra corrupção. Diferente de Ademar, que deixou as rodovias Anchieta, Anhanguera e Castelo Branco, o Hospital das Clínicas e tantos outros marcos, Jânio quase nada fez. Lutou tanto quanto possível contra o prédio do MASP.
Quando, no governo Ademar de Barros, foi feita a licitação para a escolha da constrututora do pavilhão para bailes da Avenida Paulista, esta foi confusa e contestada (como tudo do prefeito), mas os problemas foram superados e a obra iniciada, com pagamento realizado e tudo mais.
Entretanto, os ventos mudam. O MASP precisava desesperadamente de uma nova sede. Lina Bo Bardi estava na Bahia construindo outro museu e voltou para São Paulo. Junto com a direção dos Diários Associados, ela foi ao prefeito Ademar de Barros e deu uma nova ideia para o uso da área da Avenida Paulista, onde a construção do pavilhão já estava em curso. Ademar gostou e assumiu o novo projeto. Teria colocado como condição o apoio dos Diários para a próxima campanha eleitoral. Porém, ainda havia o grande problema da obra —que já estava sendo realizada pela prefeitura.
Quem contornou a situação foi o Engenheiro Figueiredo Ferraz, secretário de obras de Ademar —e depois prefeito da Capital. Sem muita explicação, o projeto do pavilhão da prefeitura foi interrompido e se transformou no projeto de Lina para o prédio do MASP. Fizeram uma alteração contratual com a construtora e tocaram a obra, sem muita solenidade.
Quem pagou tudo foi a prefeitura. Não houve participação de beneméritos. Diziam que até Nelson Rockefeller teria feito doação. Isso não ocorreu. Tudo foi obra municipal, com seus improvisos e atropelos.
Não há motivo para esconder a verdadeira história, por mais questionamentos que existam. O terreno era da prefeitura, e não de ricos benevolentes. Ninguém sabe como foi escolhido o projeto de Lina Lo Bardi. Apenas é sabido que ele apareceu como ideia dos Diários Associados. O vão livre é ideia da arquiteta —e não exigência de quem doou o terreno, já que ele pertencia à prefeitura. A mudança do contrato de construção de um pavilhão de bailes para sede de um museu foi heterodoxa? Sim. Foi um aditivo histórico. A prefeitura pagou por toda a obra. Tudo isso teria ocorrido pelo apoio dos Associados à campanha de Ademar em eleições futuras. Não há provas. Mas pode ter sido.
O livro de Daniele Pisani traz luz sobre a histórica construção do prédio do MASP na Avenida Paulista. Mesmo sem o mítico apoio dos ricos, ele esta lá: elegante, charmoso e com o maior acervo de obra de artes da América Latina. E todos aplaudimos.
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