Homenagem a Ruço
José Carlos dos Santos, “Ruço” (1949-2012)
Os gols do volante carioca Ruço pelo Corinthians não foram muitos, mas foram importantes. Como o gol de meia-bicicleta, contra o Fluminense, pelas semifinais do Campeonato Brasileiro, em 5/12/1976, marcado debaixo de chuva em um Maracanã tomado pela Fiel. Ali começou o milagre da classificação, que viria nos pênaltis. Quando Ruço marcava gols como aquele, todo mundo na arquibancada já sabia como ia ser a comemoração: com beijinhos, é claro, beijinhos para toda a galera.
Raçudo sem ser tecnicamente brilhante, Ruço veio do Madureira, em 1975, e foi um dos herois do título paulista de 1977.
Depois, voltou para o Rio, onde defendeu o Botafogo. (Cf. UNZELTE, “Almanaque do Timão”. São Paulo: Abril, 2000, p.513)
NELSON E A INVASÃO CORINTIANA
Nelson Rodrigues
Uma coisa é certa: — não se improvisa uma vitória. Vocês entendem? Uma vitória tem que ser o lento trabalho das gerações. Até que, lá um dia, acontece a grande vitória.
Ainda digo mais: — já estava escrito há seis mil anos, que em um certo domingo, de 1976, teríamos um empate. Sim, quarenta dias antes do Paraíso estava decidida a batalha entre o Fluminense e o Corinthians.
Ninguém sabia, ninguém desconfiava. O jogo começou na véspera, quando a Fiel explodiu na cidade. Durante toda a madrugada, os fanáticos do timão faziam uma festa no Leme, em Copacabana, Leblon, Ipanema. E as bandeiras do Corinthians ventavam em procela.
Ali, chegavam os corinthianos, aos borbotões. Ônibus, aviação, carros particulares, táxis, a pé, a bicicleta.
A coisa era terrível. Nunca uma torcida invadiu outro estado, com tamanha euforia. Um turista que, por aqui passasse, havia de anotar no seu caderninho: — “O Rio é uma cidade ocupada”. Os corinthianos passavam a toda hora e em toda parte.
Dizem os idiotas da objetividade que torcida não ganha jogo. Pois ganha. Na véspera da partida, a Fiel estava fazendo força em favor do seu time. Durmo tarde e tive ocasião de testemunhar a vigília da Fiel. Um amigo me perguntou: — “E se o Corinthians perder?” O Fluminense era mais time. Portanto, estavam certos, e maravilhosamente certos os corinthianos, quando faziam um prévio carnaval. Esse carnaval não parou. De manhã, acordei num clima paulista. Nas ruas, as pessoas não entendiam e até se assustavam. Expliquei tudo a uma senhora, gorda e patusca. Expliquei-lhe que o Tricolor era no final do Brasileiro, o único carioca.
Não cabe aqui falar em técnico. O que influi e decidiu o jogo foi a torcida. A torcida empurrou o time para o empate.
A torcida não parou de incitar. Vocês percebem? Houve um momento em que me senti estrangeiro na doce terra carioca. Os corinthianos estavam tão certos de que ganhariam que apelaram para o já ganhou. Veio de São Paulo, a pé, um corinthiano. Eu imaginava que a antecipação do carnaval ia potencializar o Corinthians. O Fluminense jogou mal? Não, não jogou mal. Teve sorte? Para o gol, nem o Fluminense, nem o Corinthians. Onde o Corinthians teve sorte foi na cobrança dos pênaltis. A partir dos pênaltis, a competição passa a ser um cara e coroa. O Fluminense perdeu três, não, dois pênaltis, e o Corinthians não perdeu nenhum. Eis regulamento de rara estupidez. Tem que se descobrir uma outra solução. A mais simples, e mais certa, é fazer um novo jogo.
Imaginem que beleza se os dois partissem para outro jogo.
Futebol é futebol e não tem nada de futebol quando a vitória se vai decidir no puro azar. Ouvi ontem uma pergunta: “O que vai fazer agora o Fluminense?” Realmente, meu time não pode parar. O nosso próximo objetivo é o tricampeonato carioca. Vejam vocês:
Empatamos uma partida e realmente um empate não derruba o Fluminense. Francisco Horta já está tratando do tricampeonato. Estivemos juntos um momento. Perguntei: — “E agora?” Disse — amanhã vou tomar as primeiras providências para o tricampeonato. Como eu, ele não estava deprimido. O bom guerreiro conhece tudo, menos a capitulação.
Aprende-se com uma vitória, um empate, uma derrota. Só a ociosidade não ensina coisa nenhuma.
No seguinte jogo, vocês verão o Fluminense em seu máximo esplendor.
NELSON RODRIGUES era tricolor e publicou este texto no GLOBO em 6/12/1976, no dia seguinte ao jogo Fluminense x Corinthians.
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Esse episódio (invasão corintiana), merecia um documentário, com imagens inéditas que devem estar arquivadas em redes de TV, e dopoimentos de pessoas que estavam lá.
Concordo plenamente, João.
Seria a preservação para a história de um momento único do amor de um povo por um clube. Pelo que me consta, nada similar ocorreu em nenhuma parte do mundo.
Como poderíamos colaborar com isso, Citadini?
O tempo vai passando e a memória vai ficando mais fraca; mas acho que quando saiu o gol do Ruço, ainda no primeiro tempo do jogo, ainda não chovia… A chuva atrapalhou o Timão que teoricamente tinha menos time mas que sobrava na partida contra a chamada Máquina do Flu,,,
> … O tempo vai passando e a memória vai ficando mais fraca …
Se não documentarmos esse momento épico utilizando a potencialidade das mídias disponíveis na atualidade juntamente com as informações que ainda tem-se, poderemos todos com o passar dos anos enfraquecer nossa memória a respeito.