Um debate necessário
Alice Neel (1900-1984). “Natura Morte” (1964-65) (Reprodução)
TENDÊNCIAS/DEBATES
ROBERTO LEAL LOBO E SILVA FILHO
A escola hoje e os alunos que não aprendem
É preciso rever modas como o valor universal do trabalho em grupo, a ‘postura crítica’ em vez do conteúdo, a profusão de tudo que é ‘social’ ou extracurricular
A educação brasileira está em crise. Além da recorrente violência escolar -a imprensa noticia com frequência casos de alunos armados ou com drogas, além de agressões a professores-, pais e filhos parecem achar que a escola não pode contrariar os alunos ou exigir desempenho.
As próprias famílias não conseguem impor limites aos filhos – às vezes, nem os pais têm limites-, algo que se espraia à sala de aula.
Esse problema, que está se tornando quase epidêmico no Brasil, não é desconhecido em outros países.
Neste momento, vale lembrar um livro francês que nunca foi muito divulgado no Brasil. Para quem está preocupado com a situação das escolas, vale ler “A Escola dos Bárbaros”, de Isabelle Stal e Françoise Thom, publicado no Brasil pela Edusp ainda em 1987, apontando um cenário que só se agravaria no Brasil nas décadas seguintes.
As autoras são duas professoras francesas que contam a degradação que viam surgir nas escolas daquele país já na década de 1980. Os problemas que elas enxergaram nunca soaram tão familiares.
Elas consideram que a falta de disciplina nas escolas reflete uma sociedade que “adota o prazer como o ideal, em todas as direções – para tal sociedade, o objetivo da civilização é se divertir sem limites”.
Ou seja, a escola desistiu de conduzir os jovens à vida adulta.
Nesse sentido, as autoras acertam em cheio ao apontar a profusão de práticas extracurriculares, fáceis e sem conteúdo, que servem para matar o tempo do jovem, como um dos grandes problemas da escola de hoje em dia. Os pais brasileiros podem reconhecer com facilidade essa moda dominando também as nossas escolas.
Nas palavras das autoras: “É uma enganação afirmar que a inaptidão para expressar-se, que a ignorância crassa em história, em geografia, em literatura e a incapacidade em seguir um raciocínio elementar” sejam um preço que tenhamos de pagar para que todos se sintam à vontade na escola, permitindo a “inclusão” de todos os alunos.
Sob o pretexto de instaurar na escola a igualdade, o ensino é nivelado por baixo. Não há como escrever melhor do que elas: “A ambição da igualdade a todo preço desencoraja o esforço de aprender, tipicamente individual”.
Não se pode abandonar o ensino de conteúdo ou deixar que os alunos escolham o que querem aprender. É possível incluir todos os alunos na escola -isto é, democratizar o ensino, criando uma escola que atenda à massa- sem a atual catástrofe.
Além dessas teses, as autoras criticam, com muita dureza, pedagogos, professores, administradores, sindicatos de professores e a nova geração de pais.
Os sindicatos, especialmente, estão mais preocupados em defender a mediocridade e o corporativismo. Eles apontam soluções simplistas para todos os males que afligem o ensino básico, como o aumento dos orçamentos ou ações tecnológicas nas escolas.
Isso sem falar nas ideologias que banalizam o ensino, como se o papel principal da escola não fosse tirar o aluno da ignorância.
O livro pode ser ácido e ter adjetivos em excesso. Pode até ser injusto com relação à importância de democratizar o acesso à educação, algo fundamental para diminuir as injustiças da sociedade.
Mas ele é preciso ao defender a destruição de alguns paradigmas tão em moda no Brasil, como:
– A qualidade inquestionável e universal do trabalho em grupo;
– A “postura crítica” sobreposta à absorção de conhecimento;
– A frouxidão e a permissividade em vez de disciplina e cobrança;
– A prioridade das atividades “sociais” em vez do estudo persistente;
– A valorização dos pesquisadores de banalidades;
– A ênfase nas metodologias em vez dos conteúdos.
Vale a reflexão: quantas gerações de alunos serão prejudicadas até o estudo persistente e o conteúdo voltarem a ser valorizados?
ROBERTO LEAL LOBO E SILVA FILHO, 74, professor titular aposentado do Instituto de Física de São Carlos da USP, é presidente do Instituto Lobo. Foi reitor da USP
www.folha.com.br
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Esse assunto deve ser debatido não apenas no Brasil mas no mundo inteiro. O fato de estudantes passarem mais tempo na escola como faz alguns países com Coreia do Sul, China e Japão não significa melhores formações. Conheci uma pessoa que morou no Japão e disse-me que os estudantes que enfrentam dificuldades no aprendizado são severamente desprezadas pelos outros alunos. A ênfase na maioria dos países é no conteúdo. Quanto maior a expressão expressão matemática ou mais complexo o problema resolvido pelo aluno, maior é a satisfação do colégio, professores e pais. Não creio que a escola é o local para se moldar o caráter de uma criança. Isso vem de casa. Mas o colégio pode ajudar bastante. Matérias na grade curricular que deem ênfase a conscientização dos direitos, obrigações, uma visualização da realidade da vida social, como visitas a diversos locais onde isso pode ser mostrado é muito mais importante do que a resolução de fórmulas mirabolantes que, em muitos casos, poucos anos após a saída do alundo do colégio, será esquecida por ele haja vista que sua área de atuação profissional será outra. As dificuldades enfrentadas hoje pelos professores, como o desrespeito dos alunos ou o pouco ou nenhum interesse pelo conteúdo programático, deve-se boa parte pelos erros cometidos no passado e que ainda persistem, na formação de seres humanos. E se a escola não assumir essa responsabilidade, ainda que não seja sua obrigação, a tendência é que no futuro, as situação se agrave ainda mais.
Brilhante e inquestionável descrição sobre o ensino no país. Sou pai e tenho filhas que cursam o ensino fundamental. Travo uma batalha hercúlea na tentativa de cobrar mais dedicação de minhas filhas e mais empenho de professores e dirigentes, no sentido de prepará-las melhor para a vida adulta. Vejo nesse texto um apoio às minhas conclusões sobre o quadro atual. Agora não me sinto tão só… Obrigado por compartilhar conosco.