SÃO PAULO – Em 2012, a violência urbana está crescendo em São Paulo e diminuindo no Rio de Janeiro. Dono da menor taxa de homicídios do Brasil até o ano passado, o estado de São Paulo vive um surto de insegurança provocado por uma grande facção criminosa. Reapareceu um cenário que havia se tornado incomum no estado desde o fim dos anos 1990. De outro lado, o Rio de Janeiro vem reduzindo, em números absolutos, seus altos índices de criminalidade. Enquanto São Paulo registra um aumento de 10% no número absoluto de assassinatos (de 3.225 ano passado para 3.536 homicídios de janeiro a setembro de 2012), o Rio vive situação inversa, com redução de 3.277 para 3.028 no período.
Em números relativos, São Paulo ainda está em situação bem melhor: em 2011, registrou taxa de 10,1 homicídios por 100 mil habitantes, enquanto o Rio amargou o alarmante índice de 24,9 mortes por 100 mil habitantes. Por enquanto, não foram divulgadas as taxas de 2012, mas a diferença continua grande.
Ainda assim, as tendências de alta da criminalidade em São Paulo e de queda no Rio são reflexo da fases vividas pelos dois estados na segurança pública. Especialistas apontam dois motivos para a queda do número de homicídios em São Paulo a partir do fim da década de 1990. Um deles tem a ver com a diminuição do número de armas de fogo em circulação, a criação de aparelhos de inteligência e a estruturação da investigação de homicídios, o que resultou em um aumento da taxa de resolução de crimes.
O segundo motivo guarda pouca relação com os esforços do poder oficial. Uma facção criminosa tornou-se hegemônica no estado, eliminando as rivais dentro dos presídios e nas ruas. Segundo Pedro Abramovay, ex-secretário nacional de Justiça, a hegemonia da facção fez diminuir o número de homicídios e aumentar o lucro do tráfico e dos crimes contra o patrimônio.
— Em São Paulo, deixou de existir uma guerra deliberada entre facções. A facção dominante não quer mortes, não quer chamar a atenção. Não há dois ou três grupos lutando por território. A facção quer lucrar ao máximo com o produto de seu crime — diz Abramovay.
Facção “continuou mandando em presídios”
Esse “equilíbrio” foi rompido duas vezes. Em 2001, com revoltas simultâneas em diversas penitenciárias, e em 2006, naquele que é, provavelmente, o maior episódio de violência vivido por São Paulo. Nos dois casos, a violência teve início a partir da revolta de líderes da facção criminosa que estavam presos. Houve descontentamento com transferências entre presídios e medidas de controle adotadas pelo governo.
Em 2006, a violência saiu das penitenciárias e chegou às ruas. Mais de 500 pessoas foram mortas, entre elas dezenas de agentes públicos. De lá para cá, a situação se acomodou. As chacinas tornaram-se raras, e as mortes de policiais diminuíram. Também não foram mais registradas grandes rebeliões em presídios.
— O grupo criminoso continuou mandando nas penitenciárias sem ser incomodado — diz o deputado Major Olímpio (PDT), membro da Comissão de Segurança Pública da Assembleia Legislativa de São Paulo.
— A facção continuou mandando nas penitenciárias e fazendo seus negócios, evitando mortes e confrontos com a polícia — concorda Guaracy Mingardi, ex-subsecretário nacional de Segurança Pública.
Na prática, vivia-se uma situação cômoda para os dois lados. Sem acerto de contas e sem provocar rebeliões em presídios, a facção continuou lucrando e expandindo seus negócios. A cúpula da Segurança, por outro lado, viu os homicídios diminuírem e as revoltas no sistema carcerário cessarem. Até que, este ano, a violência recrudesceu, com uma sequência de mortes na periferia da capital paulista e da Grande São Paulo.
— Alguma coisa quebrou esse equilíbrio — diz Mingardi, atentando para o fato de que, até o momento, os presídios continuam controlados. — Mas, na periferia, o que se vê é uma guerra suja. Os motivos disso ainda não são completamente conhecidos.
Na prática, a crise atual é vista como esgotamento do modelo responsável pela queda no número de homicídios no estado. Para Ligia Rechenberg, coordenadora de análise de dados do Instituto Sou da Paz, São Paulo passa por um momento de descontinuidade de iniciativas que deram certo em sua política de Segurança Pública.
—A criação do InfoCrime, que possibilitou mapear as ocorrências na cidade, e o fortalecimento do DHPP (Departamento de Homicídio e Proteção à Pessoa), que aumentou a taxa de resolução de ocorrências, são exemplos. Isso deveria ser intensificado e aprimorado. Mas parece que houve descontinuidade — disse ela.
Procurada, a assessoria de imprensa da Secretaria de Segurança Pública nega que tenha ocorrido um esvaziamento da Polícia Civil. Diz que as polícias fazem trabalhos distintos, e que a investigação continua sendo normalmente feita por policiais civis. Ainda de acordo com a secretaria, eventuais remanejamentos de policiais de um distrito para outro são normais.
Na outra ponta, o Rio está começando a colher os frutos de um combate à violência com planejamento e inteligência, depois de longo período de opções erradas na Segurança Pública.
— O Rio errou muito. Agora, há um esforço grande para reverter essa situação. A parceria com o governo federal é parte dessa política. Houve um investimento forte em metas e estratégia conjunta entre as polícias Civil e Militar. Hoje, os sistemas de informação da Polícia Civil carioca são muito mais informatizados do que os da polícia de São Paulo — diz Ligia Rechenberg.
Abramovay: há diferenças entre rio e SP
Para Abramovay, o pacote de medidas conjuntas anunciado pelo governo de São Paulo com o Ministério da Justiça pode aplacar a crise atual da Segurança Pública no estado.
— O Rio começou a reverter esse quadro de descontrole atuando em parceria com o governo federal — afirma.
Para ele, no entanto, as diferenças entre São Paulo e Rio precisam ser levadas em conta no enfrentamento da violência. O ex-secretário lembra que, no Rio, o poder público perdeu territórios para o tráfico e as milícias. Além disso, diferentes organizações criminosas disputavam pontos de tráfico, aumentando a taxa de homicídios com demonstrações de força, em uma realidade oposta à de São Paulo.
— Aqui, o fundamental é aperfeiçoar o trabalho de inteligência e investigação. Não é necessário um grande aparato bélico, como no Rio. Não há território em que a polícia não entre. A questão é mais de inteligência.
Para Renato Sérgio de Lima, coordenador do Anuário Brasileiro de Segurança Pública, as crises nos estados são sistêmicas e refletem a falta de política nacional de Segurança Pública.
— Nossa legislação penal é antiquada. Não resolvemos a questão dos presídios. Não delimitamos o poder e a função das polícias — diz.
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