Nov 11, 2012

A deplorável história do DOI-CODI

Verdade e História

Na última quinta-feira acompanhei na Câmara Municipal uma sessão da Comissão da Verdade ( Wladimir Herzog) o depoimento de meu amigo e colega de militância estudantil e partidária Waldir José de Quadros. Hoje, um professor da Unicamp na área de Economia, cabelos brancos , voz suave mais sempre o mesmo cara correto dos anos 70.

Waldir foi presidente da Juventude do MDB ( eu era seu vice) naquele período de grande dificuldades para os que lutavam na oposição. Na àrea universitária militava junto com membros do PCB ( Partido Comunista Brasileiro) uma das poucas ( talvez a única) organização de esquerda que condenava a luta armada e defendia a militância politica pacífica para sairmos da ditadura implantada à partir de 1964.

O nome de Waldir foi sugerido a Comissão da Câmara Municipal por Pedro Tavares de Lima (também membro do grupo do MDB) e hoje procurador de Justiça do Ministério Público de São Paulo.

Waldir falou com clareza as dificuldades daquele tempo. Era o segundo semestre de 1975 e o regime desencadeou uma onda de prisões a pretexto de combater os membros do clandestino PCB. E todas as torpezas foram praticadas: prisões ilegais ( como era prática do regime); tortura e morte dos dissidentes.

Logo após a prisão de Waldir e de um grupo grande de companheiros do MDB – duas semanas antes do assassinato de Waldimir Herzog- fizemos de tudo para salva-los de das prisões que poderia ser um passo para entrarem na lista de desaparecidos.

Procuramos denunciar à imprensa os fatos, embora a rigorosa censura bloqueasse a maioria das informações. Mesmo assim, com risco de toda a ordem, os jornais começaram a dar pequenas notas das prisões.

O pior era para a familia dos desaparecidos. Mães, esposas, filhos saiam por todo lado procurando informações para localizar seus familiares. O desespero das famílias era a parte mais difícil de enfrentar.

Uma das mães – em uma das continuas visitas a séde do MDB, na Cãmara Municipal, pediu -quase em desespero- que fôssemos a séde do II Exército e tentássemos falar com os militares.Consegui, com ajuda de José Luiz Portela ( há época estudante de engenharia e integrante de um grupo de jovens que acreditava numa liberalização do regime ) um contacto no comando militar. Sómente anos após soube que quem fornecerá o nome da pessoa fora Cláudio Lembo, há época presidente da Arena.

Com minha inesquecível Eliane reunimos um grupos de mães e fomos para o Ibirapuera onde estava o comando do Exército. Para nossa surpresa fomos recebidos pelo general Ednardo D’avila Mello comandante do II Exército e – acreditávamos- o responsável pelas prisões. Por duas semana fizemos visitadas diárias ao militares com mães, irmãos e filhos clamando pelo direito de verem seus parentes. Nada era informado mais tudo era prometido para o dia seguinte. E no dia seguinte, nada. Era remarcada para outro dia e nós lá estávamos nesta busca infrutífera.

Neste contactos conheci quase toda a cúpula dos militares de São Paulo. O General Ednardo (comandante ?), o general Antonio Ferreira Marques (chefe do Estado Maior) e até o coronel Paes ( então desconhecido) que viria -no futuro- frequentar a listas dos piores do regime . Éramos obrigado a ouvir horas e horas de pregações contra o comunismo, contra deputado Ulisses, contra o senador Brossard (tido como traidor da Revolução) e outros tantos. Trouxeram até um ex-membro da ALN ( que passará para o lado do regime -se é que alguma vez tenha sido contra) que ficava horas falando contra seus ex-companheiros.

Eu tinha um discurso claro: lutávamos pelo Estado de Direito e pela democracia e o MDB recebia de braços abertos todas as correntes que pretendesse mudar o regime por uma saída pacífica. Lembro que uma vez o ex- ALN ficou uma arara quando disse que a opção pela luta armada era um erro infantil da extrema – esquerda. Ele vivia- ou fazia crer que vivia – um dilema ainda não resolvido pela sua “militância” .
Os generais eram diariamente desmentidos por oficiais de patente inferior. Quem mandava era o Coronel Paes. O General ouvia e abaixava a cabeça. Era um completo quadro de quebra da hierarquia.
Mandavam os que atuavam nos porões da repressão. Os demais, davam cobertura.

Após duas semanas de visitas permanentes deu-se o terrível acontecimento em que foi o assassinato de Herzog e – a partir dai-eu e as mães , filhos e esposas dos presos fomos proibidos de entrar na àrea.
Foram 15 dias dramáticos para todos onde eu vi o mundo em que vivíamos.Um Exército sem hierarquia , com coronéis mandando em generais, e os grupos mais radicais do regime dando as ordens.

No depoimento de Waldir, da última quinta, relembramos dos terríveis acontecimentos de outubro de 1975 e que viria a marcar todas as nossas vida.
Espero que dias como aqueles nunca mais venham a ocorrer.
Publico abaixo duas notas divulgadas pela imprensa naquele período. Um é o comunicado das prisões que os jornais davam com grande dificuldades. Sómente a idade (de quase irresponsabilidade) permitiu-me assinar comunicados a imprensa sobre prisão naquele quadro onde a policia politica era a lei. Só para lembra muitos dos presos eram sindicalista (dentre eles o irmão do presidente Lula) mas nenhum Sindicato deu um píu pelas presos. A segunda nota foi um apelo para a soltura dos presos ( sem ordem judicial) e que estavam há quase três meses no DOI-CODI e no Dops. Fico espantado com o equilibrio da nota no período do natal que acredito tenha sido ponderações do Pedrinho ( Pedro Tavares de Lima) e do Marrey ( Luis Antonio Marrey). Não acho que sózinho faria uma nota tão serena que lida quase quarenta anos mostra interamente adequada.

JUVENTUDE DO MDB RELACIONA PRISÕES

O Departamento Estadual de Juventude do MDB de São Paulo divulgou ontem uma relação de pessoas presas nos últimos dias, entre as quais vários membros do partido, “sem cumprimento das formalidades legais” e que chegaram a seu conhecimento através de informações de parentes e amigos dos presos.

A nota, assinada pelo presidente do Departamento, Antonio Roque Citadini, contém a seguinte relação de nomes: Severian Loureiro, membro do Diretório da Juventude; Sérgio Azevedo Fonseca, membro da Juventude; Lenita Nobuko Yassuda, membro da Juventude; Ricardo de Moraes Monteiro, jornalista e membro da Juventude; Luís Guilherme de Moraes Monteiro, membro da Juventude; Paulo Sérgio Markum, jornalista e membro da Juventude; Diléa Markum, jornalista e membro da Juventude; David Capistranoda Costa Filho, membro da Juventude; Miguel Treffault Urbano Rodrigues, estudante de Biologia-USP; Benauro Roberto de Oliveira, professor; Cristina de Castro Mello, arquiteta; Luís Paulo da Costa, jornalista e membro do Diretório do MDB de São José dos Campos; Ubiratan de Paula Santos. membro da Juventude; Anthony de Chrysto, jomallsta.

Além dessas pessoas, presas recentemente, segundo a relação da Juventude do MDB continuam presas mais as seguintes pessoas: Waldir José Quadros, presidente do Departamento de Juventude do MDB; Sérglo Gomes da Silva, jornalista e membro da Juventude; José Salvador Faro, professor e membro da Juventude; Miguel Trujillo Filho, membro da Juventude e do Diretório de Sorocaba; Francisco José Cavalcanti de Albuquerque Lacerda, médico em Taubaté e membro da Juventude; Marisa Saenz Leme, membro da Juventude; José Carlos de Souza Alves, estatístico; Lázaro de Campos, membro do Diretório o MDB de Sorocaba; Aurélio Sabadin, Sorocaba; Manoel José Constantino, presidente do Sindicato dos Metalúrgicos de São Caetano do Sul, filiado ao MDB local; José Ferreira, vice-presidente do Sindicato dos Metalúrgicos de São Caetano do Sul; Pedro Daniel de Souza, ex-líder sindical e comerciante em São Caetano do Sul, filiado ao MDB local; Henrique Buzzoni, advogado, filiado ao MDB de Vila Madalena; Antonio da Costa Gadelha Neto, corretor de seguros; Jafet Henrique de Carvalho, arquiteto; Osmar Gomes da Silva, dentista; Ernesto Correa de Mello, feirante; Eleonora Machado Freire, médica; Frederico Pessoas da Silva, Jornalista; Simão Lorente, aposentado; Sônia Maria de Oliveira Morosetti, advogada, de Santos; Sandra Mara Nogueira Miller, advogada, de Santos; Roberto Caland Salles da Costa, de Santos; Luís Martins, presidente da Sociedade Amigos do Jardim Lavinha – São Bernardo do Campo; Álvaro Bandarra, comerciante, de Santos; Fernando Gomes da Silva, engenheiro; José Milton Ferreira de Almeida; Aldo Pedro Dettrich; Gildázio Westin Consensa; Armando Eurico Gomes; Ricardo Felício Mansur; Francisco Vítor Machado; Edwaldo Alves da Silva.

Foram comunicadas às auditorias militares mais as seguintes prisões ocorridas nos últimos dias: Elzo Ramos Júnior, 30/9; Nivaldo José Costa Miranda, 30/9; Sebastião Vitorino da Silva, 30/9; Emílio Bonafante de Maria, 1/10; Antonio Bernardino dos Santos, 1/10; Rosa Maria Colombo Faria, 1/10: Feliciano Eugênio Neto, 2/10; Fernando J. Dias, 2/10; Ana Marta Maduro Gonçalves Brandão Dias, 2/10; Geraldo da Silva Espinosa, 2/101 Sérgio Martins. 2/10; Francisco Stedel, 2/10; Adegildo Justiniano de Paula. 3/10; José Hortêncio. 3/10: Isaías Trajano da Silva. 3/10; Gumercindo Arias Rodrigues, 4/10; José Ferreira da Silva, 4/10.

DEPUTADO DENUNCIA

O deputado Dias Menezes, oposicionista por São Paulo, denunciou ontem na Câmara a prisão de jomalistas em diversos estados, “na mesma ocasião em que se instala na capital paulista a assembléia da Sociedade Interamericana de Imprensa”. Lembrou ele a contradição entre as prisões e a luta que aquela entidade mantém em defesa da liberdade de informar.

Citou o parlamentar a prisão dos jornalistas Luiz Paulo Costa, em São José dos Campos, e Paulo Sérgio Markum e sua mulher Diléa Markum, na capital.

(FOLHA DE S. PAULO, 21/10/1975)

APELO DO MDB

Os departamentos da Juventude e Trabalhista do MDB paulista, distribuíram ontem comunicado formulando apelo às autoridades no sentido de que o espírito natalino alcance também aqueles que, sem mandado judicial e sem prisão preventiva, se acham detidos há quase oitenta dias dentro dos quais se destacam: Waldir José de Quadros, presidente do Departamento de Juventude do MDB de São Paulo; Davi Rumel, Genivaldo Matias da Silva, Ricardo Moraes Monteiro, Sérgio Azevedo Fonseca e Ubiratan de Paula Santos, membros do Departamento da Juventude de São Paulo; Davi Capistrano Filho, Hélio Rodrigues e Osvaldo Luiz de Oliveira, de Campinas e Miguel Trujillo Filho de Sorocaba.

Assinado pelos dirigentes partidários Antônio Roque Citadini e João Gerônimo, respectivamente presidente em exercício do Departamento da Juventude e presidente do departamento Trabalhista do MDB, o documento assinala que, é de público conhecimento que todos os indiciados possuem endereço certo e conhecido, têm empregos definidos, são contribuintes do Imposto de Renda, sendo alguns mutuários do BNH, chefes de família regularmente constituída.

Não se tratam, portanto, de indivíduos clandestinos, de vida nômade e irregular e paradeiro incerto.

Quando de suas prisões, não houve maiores dificuldades para encontrá-los. Estavam em suas residências ou em seus locais de trabalho.

Solicitamos, por isso, seja acolhida a mensagem papal de liberdade, para que todos possam vivê-la em família, neste Natal de 1975. Não se pede a anistia (uma vez que ainda não foram julgados), mas o direito de responderem em liberdade as eventuais acusações que lhes sejam feitas.

Finalizando, os referidos departamentos reafirmam sua fé de que só com o restabelecimento do Estado de Direito – que possibilite os processos regulares, com prisões efetuadas sob mandado judicial, preservando aos acusados ampla defesa – ver-se-ão satisfeitos os anseios populares.

(DIÁRIO DA NOITE, 18/12/1975)

1 Comment

  • Eu não vivi esta época. Sou de 22/12/1976. Inimaginável as árduas lutas empregadas por aqueles que almejam um País livre. Havia aqueles que se acomodavam com a situação (muitos desses ainda dizem que o Brasil naquela época era melhor) e aqueles que lutavam para garantir o mínimo de democracia. Por esse motivo e por essas pessoas que lutaram, sofreram e muitos morreram é que dou um valor danado para o meu voto. Cade pleito eu me esforço para que possa escolher o melhor candidato e se eleito, fiscalizo e cobro. Não adianta votar nulo ou em branco. Com essa atitude não se muda nada. É apenas um artifício utilizado pelo acomodado para se livrar da culpa de ter colocado alguém errado no poder. Mesmo que vote errado, não tem problema. O importante é que você se esforçou para escolher o melhor ou, no mínimo, o menos pior. Esses fatos narrados por você, caro Roque, é digno de publicação em um livro. Certamente há mais histórias que poderia contar e que não são de conhecimento dos mais jovens como eu mas que não por esses momentos tempestuoso, deixa de amar o Brasil e respeitá-lo. A luta ainda não acabou. Ela apenas continua com outros adversários. Talvez não tão brutais na intimidação e na violência física e moral, mas em igual condições ou até pior no mal que produz ao Brasil.

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