Corinthians no Mundial de Clubes 2012
Fair play no DNA do Corinthians original
Na próxima quarta-feira, o Corinthians iniciará sua campanha rumo ao bicampeonato mundial. O glamour e o espírito de competitividade característicos da Copa do Mundo de Clubes da FIFA, entretanto, não poderiam estar mais distantes dos valores ligados ao nome do gigante paulista.
No início do século passado, após assistir a uma partida do Corinthian Football Club, equipe inglesa que excursionava pelo Brasil, um grupo de cinco operários de uma companhia ferroviária de São Paulo decidiu criar um time “do povo e para o povo”. Mas, apesar de o conjunto de Londres ter vencido todas as seis partidas de exibição daquela turnê, a escolha do nome para o novo clube foi inspirada em algo muito maior do que simplesmente as proezas esportivas do homenageado.
O que fazia do Corinthians original um time tão extraordinário não eram os resultados, mas sua maneira de praticar o esporte. Para seus fundadores e jogadores, os ideais do amadorismo, o cavalheirismo e o fair play eram muito mais relevantes do que a vitória. Ainda hoje, a expressão “Corinthian spirit” (“espírito coríntio”) é frequentemente usada em países anglófonos como sinônimo de espírito esportivo. Já o clube que encarnou esses valores acabou caindo no esquecimento.
Rejeição a pênaltis e a torneios profissionais
Tão caros eram os princípios morais para a filosofia esportiva do Corinthian que algumas de suas práticas hoje parecem cômicas e pertencentes a outra época. Se, por exemplo, seu adversário perdesse um jogador por lesão ou expulsão, a equipe imediata e voluntariamente tratava de tirar de campo um de seus homens para manter a justiça e o equilíbrio da partida. Ainda mais surpreendente era sua firme recusa em fazer gols de pênalti. Sempre que tinha uma cobrança a seu favor, o time simplesmente tocava a bola para o goleiro rival, convencido de que ninguém jamais tentaria obter uma vantagem desonesta derrubando deliberadamente um adversário. Pênaltis, na visão do Corinthian, não eram “dignos de cavalheiros”.
Tampouco existia a possibilidade de se discutir com o árbitro para um clube tão apegado a seu estrito código moral. Um dos fundadores do Corinthian, N. Lane Jackson, escreveu em sua autobiografia que um jogador de futebol deveria ser “capaz de controlar sua raiva, ter uma conduta atenciosa para com seus semelhantes, não obter vantagem indevida, sentir-se ofendido com qualquer suspeita de trapaça e manter-se imperturbável diante das decepções.”
A aversão de Jackson a toda e qualquer forma de desonestidade e sua dura disciplina eram comparáveis apenas à oposição que ele nutria pelo profissionalismo. Não à toa, o Corinthian inicialmente se recusou a aderir à principal liga inglesa da época e à Copa da Inglaterra. Apenas em 1923, mais de 40 anos depois de sua fundação, concordou em renunciar a seus tradicionais preceitos para enfim participar desta competição, ainda que fosse um torneio que não tivesse propósitos beneficentes.
Caso tivesse aceitado disputar as competições de elite do país, o clube provavelmente teria atropelado seus adversários. Prova disso foram duas vitórias arrasadoras obtidas contra grandes times da época: a goleada por 8 a 1 sobre o Blackburn, logo após a equipe do norte da Inglaterra ter conquistado a copa nacional em 1884, e os 10 a 3 sobre o Bury, que havia humilhado o Derby County por 6 a 0 na final do mesmo torneio em 1903. O primeiro grande sucesso, no entanto, veio em 1900, com o triunfo sobre o Aston Villa, então campeão inglês, no Sheriff of London Shield, competição disputada entre um clube amador e um profissional do país. Quatro anos depois, o Corinthian arrasou o Manchester United por 11 a 3, a pior derrota dos Diabos Vermelhos em toda sua história.
Inspiração internacional
Embora o Corinthian professasse o fair play acima do resultado, o espírito esportivo e a vitória acabavam caminhando juntos, inclusive desde o primeiro momento em que seu fundador desejou dar vida ao clube em 1882. À época secretário-adjunto na Federação Inglesa de Futebol, Jackson estava tão preocupado com os resultados da seleção que decidiu criar sua própria equipe.
“O Corinthian foi fundado sobretudo porque Jackson e alguns de seus contemporâneos estavam completamente desanimados com as atuações da Inglaterra contra a Escócia nos dez anos seguintes ao primeiro jogo internacional, em 1872″, explicou o historiador Dil Porter, da Universidade De Montfort, em documentário da rede de televisão britânica BBC. “A Escócia era absoluta nessas partidas, e Jackson achava que a razão estava no fato de a equipe ser formada majoritariamente por jogadores de um mesmo clube amador, o Queens Park. Ele imaginou que, se conseguisse reunir em um time os melhores jogadores de futebol amador da Inglaterra, para jogarem juntos de maneira mais frequente, eles teriam chances muito maiores de vencer os escoceses.”
A Inglaterra de fato melhorou seu desempenho, e mais de cem jogadores do Corinthian foram convocados para defender as cores nacionais ao longo dos anos. Em uma partida em especial, fora de casa contra o País de Gales, em 1894, atletas do clube londrino formaram a seleção inteira e venceram por 5 a 1. A estreita relação do Corinthian com o selecionado inglês durou até 1937, quando Bernard Joy se tornou o último amador a vestir o uniforme do país.
Apenas dois anos depois, porém, o clube deixou de existir em seu formato original, ao se fundir com o Casuals para formar o Corinthian-Casuals Football Club. O resultado foi uma sequência de rebaixamentos e um consequente desaparecimento aos olhos do público. Hoje o Corinthian-Casuals compete na Isthmian League, campeonato regional que reúne equipes de Londres e do sudeste da Inglaterra. E ainda que o clube tenha se mantido fiel ao amadorismo, costumes como perder pênaltis de propósito e “expulsar” os próprios jogadores foram há muito tempo abandonados.
Ele pode não ser mais tão apegado a princípios como foi um dia e dificilmente estará frente a frente com seu herdeiro brasileiro disputando um grande título num futuro próximo. Ainda assim, o Corinthian continua sendo o exemplo máximo de valores caríssimos a milhares de amantes do mundo da bola.
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