Vamos para o trabalho.
A largada de Juca
Secretário de Cultura fala sobre busca por políticas de investimento, hip hop e planos para o Municipal
“Haddad precisa importar um baiano?” A pergunta no título da coluna de um jornalista paulistano provocou polêmica quando o novo prefeito de São Paulo, Fernando Haddad, anunciou o nome do seu secretário Municipal de Cultura, Juca Ferreira, ex-ministro da Cultura do governo Lula. Na tarde da última quinta-feira, dia em que festejava 64 anos, Ferreira falou à reportagem do Estado em seu novo gabinete na Avenida São João. Tinha acabado de receber o jornalista autor do artigo, para discutir apoios a programas de sua ONG. É um retrato de sua nova disposição: tem se dedicado a abrir diálogos em todas as direções, segundo conta nesta conversa, em que trata de temas como a nomeação do maestro John Neschling para a direção do Teatro Municipal de São Paulo e modificações na Lei de Fomento.
O novo secretário disse ainda que esteve com representantes da moda paulistana, estuda trazer ateliês para o centro da cidade e até discutiu a possibilidade de fazer uma São Paulo Fashion Week inteira no local, em espaço público. Já na terça, inaugura um programa que batizou, parafraseando o rapper Criolo, de Existe Diálogo em SP, uma audiência pública aberta a todos os produtores, artistas e criadores que queiram participar e lhe fazer perguntas na Sala Adoniran Barbosa do Centro Cultural São Paulo. Quer repetir esses encontros durante toda a sua gestão.
Por que o senhor aceitou esse cargo, após ser ministro da Cultura? Qual é o desafio?
O desafio aqui é enorme. É quase do tamanho do ministério. São Paulo é a terceira maior cidade do mundo, com uma complexidade enorme, muita coisa para ser feita, uma cidade que tem uma contemporaneidade cultural em parte ainda não reconhecida pela própria cidade. É diferente, mas está dentro do mesmo campo de colocar a questão cultural como uma peça importante desse momento que o Brasil vive, tornando-se a quinta potência econômica. O desenvolvimento cultural é parte disso, eu tenho certeza.
São Paulo tem um histórico de desigualdade na distribuição de cultura. Como resolver isso?
É, isso dá para ver no mapa dos equipamentos culturais públicos, estão muito concentrados. Isso aí é uma grande tarefa, garantir uma maior equidade no acesso à cultura, na realização do direito cultural de acesso pleno. O Estado tem obrigação de dispor os meios para que qualquer pessoa tenha acesso pleno à cultura. Se o Estado não faz isso, as pessoas dependem do poder aquisitivo, do crivo do mercado, e isso gera uma desigualdade profunda, uma impossibilidade de consolidar essa inclusão que o Brasil está vivendo.
No Ministério da Cultura, o seu foco era mais filosófico. Aqui, o senhor diz que há uma questão mais premente.
Não, não era filosófico. O problema era que, quando chegamos ao ministério, aquilo era um deserto. No início, a Funarte foi importante, e depois minguou. E o ministério não foi capaz de representar esse momento grandioso que o Brasil está vivendo, consolidando a democracia, crescendo. Nós tivemos de criar mecanismos contemporâneos de regulação da atividade cultural, disponibilizar os bens de serviços culturais e os recursos públicos. A dimensão filosófica era também uma demanda prática. Aqui, primeiro, eu encontro um ambiente bem mais favorável. Existem ausências, necessidade de mudanças em muitos aspectos, mas também muita coisa boa, positiva, da gestão anterior, de Carlos Augusto Calil, mas também das gestões da Marta (Suplicy) e da Erundina. Eu pretendo mobilizar a área artística para modificar as leis de fomento, mas há leis de fomento que cumprem papel importante, como a Lei do Teatro. A secretaria tem em torno de 200 equipamentos, entre bibliotecas, teatros. O Calil investiu muito em dar um trato, melhorar as obras, construiu a Praça das Artes, está em construção o Centro Cultural de Cidade Tiradentes. Tudo isso cria um compromisso inevitável de, para quem chega, dar continuidade.
O perfil que fica, do Calil, não seria um pouco de elite? Ele investiu R$ 170 milhões na Praça das Artes e na reforma do Teatro Municipal. Como conciliar isso?
Eu não vejo por aí. Tem o Centro Cultural de Cidade Tiradentes, que é do Calil, um equipamento para uma área periférica da cidade, um equipamento de primeira qualidade.
Mas é suficiente? Mesmo a política cultural da Marta também focou muito no consumo cultural da elite.
Não, há os CEUs, que são uma referência hoje no Brasil. Sinto que preciso ultrapassar em muito os equipamentos, desenvolver as políticas culturais. E sinto a necessidade de diálogo. Sinto não: estou sendo demandado para dialogar. Vêm me dizer: “A nossa expectativa é que você represente o diálogo cultural na cidade”. Eu vou fazer isso. Também pretendo criar uma política de eventos, grandes, médios e pequenos.
Que tipo de evento?
Todo tipo. Por exemplo: São Paulo é a cidade mais nordestina do Brasil. A maior quantidade de nordestinos está aqui, a maior quantidade de negros está aqui. Por que não comemorar o São João na cidade de São Paulo? Por que não reverenciar Luiz Gonzaga? São Paulo tem uma vocação de potencializar esses fenômenos do Brasil inteiro. Uma política pode ressaltar esses aspectos. Tem uma vocação para a arte contemporânea muito forte, que às vezes não reconhece.
Por falar em arte contemporânea, o senhor teve uma grande proximidade com a Bienal de São Paulo quando ministro.
Tirei a Bienal da porta da delegacia. O Ministério Público queria acabar com a instituição porque teria havido uma suposta malversação de recursos. Fui lá, como ministro, e disse: “Olha, vocês não podem jogar o menino junto com a água suja depois do banho. Você tem de tirar o menino”. É uma instituição brasileira, tem uma história importante para a arte mundial. “Você quer ficar conhecido por acabar com um evento desse porte?”, eu disse, insistindo que a instituição, ao eleger a oposição, teve a capacidade de fazer a sua crítica interna. “Por que você não toma as medidas administrativas e judiciais contra quem porventura tenha cometido algum erro? E fortalece a instituição ajudando a saneá-la.”
Recentemente, houve a renovação do comodato do Masp. E o secretário Calil, pela primeira vez, impôs condições ao museu. O senhor vai mantê-las?
Eu sei que parte das exigências foi feita no sentido de abrir mais as atividades. Eu não examinei ainda o caso do Masp, mas quero estabelecer cooperação com todas as instituições culturais, públicas e privadas. Já fui visitar o secretário de Estado da Cultura, Marcelo Araujo, com quem tenho muito boas relações. Já fui visitar a Marta, que eu não conhecia pessoalmente. E foi uma grata surpresa, a qualidade do tratamento que ela está dando ao ministério. Ela aceitou todo o patrimônio de nossa ação lá como um patrimônio público, que precisava ter continuidade. E não teve nenhum medo de, a partir daí, inventar o que precisa ser inventado, retificar o que porventura precise ser retificado. Foi uma atitude corajosa.
O senhor está falando de uma maneira mais prática e menos política do que na fase ministerial. Acho que a única coisa que pode ser interpretada como um ato de provocação política é a vinda do John Neschling para o Teatro Municipal.
Não é. Eu não iria entregar o Municipal para um maestro como um gesto de provocação. Neschling é um dos mais vocacionados para dirigir uma orquestra. Pouco importam as dificuldades e os conflitos que ele teve com a vida política daqui. Mas estou sendo até mais político. Porque a política não se realiza só através do conflito partidário. Pelo contrário, essa é uma dimensão que só pode ser entendida dentro daquilo que esse conflito representa. Discutir uma possibilidade de ampliar a inclusão social através da cultura, independentemente do poder aquisitivo, é uma dimensão política. Garantir a qualidade estética e a diversidade cultural, incluindo até segmentos que são discriminados, é um ato político. Por exemplo: eu me ofereci voluntariamente para ser o secretário que vai restaurar o carnaval de rua em São Paulo. Existe há muito tempo, tem crescido muito, e ainda se apanha da polícia.
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