Corinthians 2 X Palestra 1
De Alcântara Machado
Prrrrii!
– Aí, Heitor!
A bola foi parar na extrema esquerda. Melle desembestou com ela.
A arquibancada pôs-se em pé. Conteve a respiração. Suspirou:
– Aaaah!
Miquelina cravava as unhas no braço gordo da Iolanda. Em torno do trapézio verde a ânsia de vinte mi1 pessoas. De olhos ávidos. De nervos elétricos. De preto. De branco. De azul. De vermelho.
Delírio futebolístico no Parque Antártica.
Camisas verdes e calções negros corriam, pulavam, chocavam-se, embaralhavam-se, caíam, contorcionavam-se, esfalfavam-se, brigavam. Por causa da bola de couro amarelo que não parava, que não parava um minuto, um segundo. Não parava.
– Neco! Neco!
Parecia um louco. Driblou. Escorregou. Driblou. Correu. Parou. Chutou.
– Gooool! Gooool!
Miquelina ficou abobada com o olhar parado. Arquejando. Achando aquilo um desaforo, um absurdo.
Aleguá-guá-guá! Aleguá-guá-guá! Hurra! Hurra! Corinthians!
Palhetas subiram no ar. Com os gritos. Entusiasmos rugiam. Pulavam.
Dançavam. E as mãos batendo nas bocas:
– Go-o-o-o-o-o-ol!
Miquelina fechou os olhos de ódio.
– Corinthians! Corinthians!
Tapou os ouvidos.
– Já me estou deixando ficar com raiva!
A exaltação decresceu como um trovão.
– O Rocco é que está garantindo o Palestra. Aí, Rocco! Quebra eles sem dó!
A Iolanda achou graça. Deu risada.
– Você está ficando maluca, Miquelina. Puxa! Que bruta paixão!
Era mesmo. Gostava do Rocco, pronto. Deu o fora no Biagio (o jovem e esperançoso esportista Biagio Panaiocchi, diligente auxiliar da firma desta praça G. Gasparoni & Filhos e denodado meia-direita do S. C. Corinthians Paulista, campeão do Centenário) só por causa dele.
– Juiz ladrão, indecente! Larga o apito. gatuno!
Na Sociedade Beneficente e Recreativa do Bexiga toda a gente sabia de sua história com o Biagio. Só porque ele era freqüentador dos bailes dominicais da Sociedade não pôs mais os pés lá. E passou a torcer para O Palestra. E começou a namorar o Rocco.
– O Palestra não dá pro pulo!
– Fecha essa latrina, seu burro!
Miquelina ergueu-se na ponta dos pés. Ergueu os braços. Ergueu a voz:
– Centra, Matias! Centra, Matias!
Matias centrou. A assistência silenciou. Imparato emendou. A assistência berrou.
– Palestra! Palestra! Aleguá-guá! Palestra Aleguá! Aleguá!
O italianinho sem dentes com um soco furou a palheta Ramenzoni de contentamento. Miquelina nem podia falar. E o menino de ligas saiu de seu lugar. todo ofegante, todo vermelho, todo triunfante, e foi dizer para os primos corinthianos na última fileira da arquibancada:
– Conheceram, seus canjas?
O campo ficou vazio.
– Ó… lh’a gasosa!
Moças comiam amendoim torrado sentadas nas capotas dos automóveis. A sombra avançava no gramado maltratado. Mulatas de vestidos azuis ganham beliscões. E riam. Torcedores discutiam com gestos.
– Ó… lh’a gasosa!
Um aeroplano passeou sobre o campo.
Miquelina mandou pelo irmão um recado ao Rocco.
– Diga pra ele quebrar o Biagio que é o perigo do Corinthians.
Filipino mergulhou na multidão.
Palmas saudaram os jogadores de cabelos molhados.
Prrrrii!
– O Rocco disse pra você ficar sossegada.
Amilcar deu uma cabeçada. A bola foi bater em Tedesco que saiu correndo com ela. E a linha toda avançou.
– Costura, macacada.
Mas o juiz marcou um impedimento.
– Vendido! Bandido! Assassino!
Turumbamba na arquibancada. O refle do sargento subiu a escada.
– Não pode! Põe pra fora! Não pode!
Turumbamba na geral. A cavalaria movimentou-se.
Miquelina teve medo. O sargento prendeu o palestrino. Miquelina protestou baixinho:
– Nem torcer a gente pode mais! Nunca vi!
– Quantos minutos ainda?
– Oito.
Biagio alcançou a bola. Aí, Biagio! Foi levando, foi levando. Assim, Biagio! Driblou um. Isso! Fugiu de outro. Isso! Avançava para a vitória. Salame nele, Biagio! Arremeteu. Chute agora! Parou.
Disparou. Parou. Aí! Reparou. Hesitou. Biagio Biagio! Calculou.
Agora! Preparou-se. Olha o Rocco! É agora. Aí! Olha o Rocco! Caiu.
– CA-VA-LO!
Prrrrii!
– Pênalti!
Miquelina pôs a mão no coração. Depois fechou os olhos. Depois perguntou:
– Quem é que vai bater, Iolanda?
– O Biagio mesmo.
– Desgraçado.
O medo fez silêncio.
Prrrrii!
Pan!
– Go-o-o-o-ol! Corinthians!
– Quantos minutos ainda?
Pri-pri-pri!
– Acabou, Nossa Senhora!
Acabou.
As árvores da geral derrubaram gente.
– Abr’a porteira! Rá! Fech’a porteira! Prá!
O entusiasmo invadiu o campo e levantou o Biagio nos braços.
– Solt’o rojão! Fiu! Rebent’a bomba! Pum! CORINTHIANS!
O ruído dos automóveis festejava a vitória. O campo foi-se esvaziando como um tanque. Miquelina murchou dentro de sua tristeza.
– Que é – que é? É jacaré? Não é!
Miquelina nem sentia os empurrões.
– Que é – que é? É tubarão? Não é!
Miquelina não sentia nada.
– Então que é? CORINTHIANS!
Miquelina não vivia.
Na Avenida Água Branca os bondes formando cordão esperavam campainhando o zé-pereira.
– Aqui, Miquelina.
Os três espremeram-se no banco onde já havia três. E gente no estribo. E gente na coberta. E gente nas plataformas. E gente do lado da entrevia.
A alegria dos vitoriosos demandou a cidade. Berrando, assobiando e cantando. O mulato com a mão no guindaste é quem puxava a ladainha:
– O Palestra levou na testa!
E o pessoal entoava:
– Ora pro nobis!
Ao lado de Miquelina o gordo de lenço no pescoço desabafou:
– Tudo culpa daquela besta do Rocco!
Ouviu, não é Miquelina? Você ouviu?
– Não liga pra esses trouxas, Miquelina.
Como não liga?
– O Palestra levou na testa!
Cretinos.
– Ora pro nobis!
Só a tiro.
– Diga uma cousa, Iolanda. Você vai hoje na Sociedade?
– Vou com o meu irmão.
– Então passa por casa que eu também vou.
– Não!
– Que bruta admiração! Por que não?
– E o Biagio?
– Não é de sua conta.
Os pingentes mexiam com as moças de braço dado nas calçadas.
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