Lançamento do Livro do Casão. É hoje.
Casagrande lança livro e comemora liberdade: ‘Droga é uma roleta russa’
Comentarista da TV Globo conta que tinha necessidade de relatar período de dependência química e que há luz no fim do túnel, mas alerta: ‘É longo’
Por Alexandre Lozetti e Juliano CostaSão Paulo
O ex-jogador e comentarista da TV Globo Walter Casagrande Jr. lança na tarde desta terça-feira, em São Paulo, o livro “Casagrande e seus demônios”, escrito pelo jornalista Gilvan Ribeiro. Na publicação, ele fala sobre seu problema com as drogas, acentuado entre 2005 e 2008. Há espaço também para algumas experiências divertidas, como as reuniões na época de adolescente na Zona Leste da capital paulista, e também histórias do futebol, principalmente na Democracia Corintiana, no início dos anos 80.
Em entrevista ao GLOBOESPORTE.COM, Casagrande revelou que mudou completamente depois de passar um ano “preso” em tratamento numa clínica (assista no vídeo acima). Ele agora consegue viver sozinho tranquilamente. Antes isso o deixava melancólico. E cada obrigação ou compromisso cumpridos, hoje, são comemorados com autoelogios, como: “Você está bem, hein, cara!”.
– Você joga. A droga é uma roleta russa. Se quiser brincar, experimentar, beleza. Você não sabe se vai conseguir ter controle sobre isso a vida inteira, ou se ela vai te controlar, e você vai passar a correr riscos, como de morte.
O evento de lançamento do livro terá início às 18h30 na Livraria Cultura do Conjunto Nacional, localizado na Avenida Paulista, número 2.073, em São Paulo. Na entrevista aoGLOBOESPORTE.COM, Casagrande contou um pouco de sua experiência e fez uma análise da classe atual dos jogadores, principalmente os que “desperdiçam talento”, como Adriano Imperador. Confira:
Você, que sempre pregou a liberdade, mudou muito depois de passar aquele tempo ‘preso’ numa clínica? Passou a ver o mundo de uma forma diferente?
Eu mudei muito. Não tenho condições de dizer se para melhor ou pior, se hoje sou mais ou menos legal ou divertido. Independentemente da droga e do efeito na minha vida, sempre fui um cara extremamente livre, desde garoto. Eu não admitia nenhum tipo de imposição. Ficar trancado para mim era a morte. Quando a droga toma conta da sua vida, ela inverte seus valores, passa a ser o maior que você tem. Eu fui perdendo valores na minha vida. No ano em que fiquei na clínica houve uma coisa muito interessante, fantástica. Num grupo de terapia, a psicóloga perguntou a um cara que estava lá há três anos do que ele mais sentia falta na vida. Ele disse que era de abrir a geladeira. Eu pensei: que papo é esse? Estou sentindo falta de pegar meu carro, tomar um chope… Depois de seis, sete meses, em outra reunião, ela me perguntou isso. E eu estava sentindo falta de abrir a geladeira (risos). De ligar a televisão, ficar sem fazer nada. Quando abrir a geladeira é tão importante, você pensa no resto das coisas da vida, na convivência com amigos, família, trabalho.
E como você lidava com a contradição entre querer ser um cara livre e se ver preso pela dependência química?
Eu não entendia, fui entendendo com o tratamento. Você começa a ficar mais lúcido, limpo, e conclui que não vivia livre. Seria mentira se eu falasse que minha vida toda com droga foi uma bobagem. As pessoas se viciam porque a droga é legal. Por isso usam, gostam e, às vezes, ficam dependentes como eu fiquei. De 2004 pra frente, eu fiquei preso. O que significa ter liberdade? Ter poder de escolha. Quando você acorda de manhã e fala “vou cheirar”, não está mais livre. Eu estava desse jeito. Num determinado ponto do tratamento, percebi que estava livre dentro da clínica, e era conflitante para mim. Como posso estar livre se não tenho a escolha de sair? Minha família percebeu que era uma necessidade ficar sem escolha para eu me livrar de uma prisão, e poder me ver livre de novo.
Mas quando você teve o primeiro contato, foi por influência de alguém ou uma escolha sua?
Sempre tive tendência à droga, tive isso na cabeça. Talvez pela influência dos meus ídolos de garoto, dos mitos que criei na cabeça, eu queria experimentar. Era muito curioso. No dia do show do Peter Framptom (roqueiro britânico), o cara falou que estava com cocaína, e nós cheiramos. Foi uma escolha minha. Quero deixar duas coisas bem claras: primeiro, nunca ninguém me forçou a usar droga. Não tem esse papo que os pais falam, de que foram amigos, influência. O perigoso era eu. E segundo, nunca ofereci nada a ninguém.
Então a droga, por si só, é contraditória? Ela dá uma ideia de liberdade, mas acaba o levando a uma prisão?
Não necessariamente. Não podemos pegar meu caso, ou de outras pessoas que até morreram, como o Chorão, como regras. É chocante, mas nem todos são assim. Você joga. A droga é uma roleta russa. Se quiser brincar, experimentar, beleza. Você não sabe se vai conseguir ter controle sobre isso a vida inteira, ou se ela vai te controlar, e você vai passar a correr riscos, como de morte.
Você diz que se detestava, mas que as pessoas têm uma tendência a gostar de você. Por que os outros gostavam mais de você do que você de si mesmo?
Isso era conflitante para mim, me deixava melancólico. Quando eu tinha de ir para casa, eu entrava numa melancolia porque eu não gostava de mim, me achava muito chato, não consigo explicar o porquê. Eu não me suportava sozinho. Acho que por isso eu buscava pessoas o dia inteiro. E hoje vivo sozinho durante boa parte do tempo, tranquilamente. Leio um livro, ouço música, vejo um filme, numa boa.
Então hoje você vai sair daqui para casa sozinho, e vai ficar bem? Você se sente feliz?
Vou tranquilo. Quando faço um trabalho como o “Bem, Amigos”, ou um jogo como fiz no sábado, e vou para casa, faço uma autoanálise do meu desempenho, e me sinto bem. É uma festividade cumprir minhas obrigações porque antes eu tinha muitas dificuldades para fazer isso. Já faz cinco anos que saí da internação, mas o efeito de ter marcado uma entrevista aqui com vocês às oito da noite, e ter chegado às oito, é motivo de comemoração interna.
Quando você anda na rua, sabe que está sendo julgado pelas pessoas, não? Como se sente?
Olha só, vivo da seguinte maneira: o importante para mim é meu julgamento, aquilo que eu penso, faço e julgo certo para mim. Passei por um período brabo de 2005 a 2008. Foram três anos em que me droguei muito, sofri um acidente, fiquei internado um ano. Não sabia o que ia acontecer na minha vida. Hoje dou valor ao que faço. Se me acharem legal, um exemplo, fico orgulhoso e satisfeito. Se me disserem que sou um drogado, fico chateado, lógico, mas o importante é o que eu acho. Tenho uma maratona de coisas agora por causa do livro, vou ao Jô, à Fátima Bernardes, a outras televisões, e vou dar conta. Quando acabar, vou me premiar com tranquilidade, paz de espírito, e vou tomar um chope com os amigos. As coisas mínimas têm muito valor para mim, não preciso de nada mirabolante.
Mas por que lançar um livro em que você diz tudo isso? Você queria contar, precisava contar, sentia que poderia deixar um legado?
É tudo isso. Aprendi na clínica que tem de falar, era uma comunidade terapêutica. E muita gente tem pessoas como eu na família, problemas assim, e não sabem o que fazer. Sou um dos que têm problemas com droga, mas consigo levar a vida porque há uma saída, há uma luz no fim do túnel. O túnel é longo pra c…… quando você é dependente de drogas. Podem achar que um filho não tem saída porque não veem a luz acesa, mas é preciso caminhar de encontro a ela. Procurar tratamento, pedir ajuda. O Narcóticos Anônimos nada mais é do que isso, dar seu depoimento e ouvir.
Você fala em falta de coragem de assumir que precisa de ajuda, mas ao mesmo tempo foi um jogador extremamente corajoso, por quebrar paradigmas. Consegue traçar esse paralelo?
No caso, a falta de coragem é porque você não percebe que precisa de ajuda. Quando percebe, tem vergonha. Para pedir ajuda, você tem de reconhecer que fracassou, e um ser humano reconhecer que fracassou é muito complicado. Para qualquer pessoa, não só dependentes químicos, dizer “eu perdi” é complicado. No jogo eu era corajoso porque fazia aquilo com prazer. Quando você precisa de ajuda na droga é porque foi derrotado.
Como vê a classe de jogadores de futebol hoje em dia? Acha que eles são omissos em relação a determinados assuntos?
Não é que incomoda, mas acho que o jogador de futebol poderia fazer muita coisa em prol da classe, da sociedade, politicamente, socialmente. Ele tem a mídia o tempo todo: internet, 300 televisões, qualquer coisa que ele fala dá um eco enorme. Na época da Democracia Corintiana não existia celular, nada disso, e fazia barulho porque a gente ia de encontro a isso. Falta o jogador largar um pouco do egoísmo. Ele está bem, ganha muito, mas poderia ir de encontro à realidade da sociedade, que não é aquela em que ele vive. Nem a realidade do futebol é a do grande jogador. São poucos que ganham bem e se destacam. Raramente vejo algum movimento, manifestação ou depoimento interessante para a sociedade.
Você acha que os jogadores deveriam se mobilizar mais em torno de questões sociais e até de política, como vocês fizeram na época das Diretas Já? O contexto daquela época era bem mais sério, e mesmo assim vocês não omitiam opiniões.
Olha, sou um cara altamente democrático. Apesar de me incomodar e achar que eles poderiam fazer mais coisas hoje, estamos numa democracia, eles fazem o que bem entendem, não precisam levantar bandeira de questão nenhuma. Acho que poderiam fazer, mas não dá para cobrar. Mas acho um desperdício, pela mídia que o futebol tem, só se falar de futebol.
No livro você fala da importância da terapia. Ela poderia ser mais utilizada no futebol, faz falta aos jogadores?
Muito. Deveria haver psicólogo trabalhando já nas equipes de base. O garoto joga a Copa São Paulo de juniores e no outro dia já está no Manchester United, sem ter uma transição, um crescimento. Isso acontece demais no futebol. A falta de preparação do ser humano é muito grande. Deveria ter um trabalho psicológico, sim. Você precisa trabalhar o cara para esse impacto, de um dia estar na base do Corinthians e no outro fazendo gol no Boca Juniors na final de uma Libertadores da América, e sendo campeão do mundo. Se preparado já é difícil segurar a onda, imagina sem estar preparado.
Você fez terapia na época de jogador?
Na época da Democracia a gente fazia terapia em grupo, com o Flávio Gikovate (hoje um dos principais psicoterapeutas do Brasil). Se o jogo era na quarta-feira, tinha a concentração para o jogo na terça-feira, e aí rolava a terapia em grupo, que era voluntária, mas a maioria descia e participava. A gente falava em grupo temas que vocês nem imaginam, como amor, vaidade… era muito bom ter esse trabalho psicológico.
Adriano (Foto: Marcos Ribolli / globoesporte.com)
Como comentarista, você analisa o que os jogadores fazem dentro de campo, mas é evidente que o que eles fazem fora também acaba se tornando assunto. Imagino que você se incomode de ver talentos sendo desperdiçados por conta de, digamos, atitudes erradas, não?
Ah, muito, vejo muito desperdício de talento. Se você for analisar friamente o futebol, vai ver mais histórias de desperdício do que de vitórias, sucessos. Vamos pegar o Robinho. Pô, hoje ele está no Milan, fantástico, é um vencedor. Mas ele foi tudo o que a gente imaginava? Vamos falar a verdade. Quando ele surgiu, com as oito pedaladas sobre o Rogério, nós vimos o novo Pelé. Hoje ele é um jogador de sucesso, mas acho que, com trabalho psicológico, seria muito mais, chegaria perto daquilo que imaginávamos. Com a maioria dos jogadores é assim.
O Adriano é um exemplo também?
Sim, e eu falo isso há pelo menos dois anos, o Adriano é um cara que precisa de ajuda, ele precisa de terapia. Eu tenho A.T., que é “acompanhante terapêutico”, para me sentir mais seguro, e ele tinha que ter também. Quantos Adrianos ainda não vamos ver por aí? Olha o Jobson. Ele é o novo Adriano. É um cara talentoso, que teve várias chances, e hoje está aí no São Caetano. Muita gente tenta ajudar, mas não é ajuda correta, é só para tentar fazer o cara jogar bem. Ninguém pensa em fazer do cara um ser humano melhor. Pensam só em si mesmos.
Você tem amigos no futebol?
Não. Não tenho amigo nenhum, não tenho afinidade com dirigente nenhum, com jogador nenhum, e não quero ter com ninguém. Eu faço comentário. Quero sentar na cadeira da transmissão e ter total liberdade de fazer uma crítica. Não posso ter constrangimento porque ontem a gente saiu para almoçar e amanhã vou comentar um jogo seu. Não posso me sentir influenciado.
E com os jogadores da sua época, tem amizade?
Tenho amizade com o Paulo Roberto, que era lateral, foi do Grêmio, do Vasco, do Cruzeiro. No geral, tenho pouco contato. Às vezes encontro alguém num evento, no aeroporto, mas contato mesmo, de procurar alguém ou alguém me procurar, (meu amigo) é o Paulo Roberto.
Como você lida hoje com as chamadas “situações de risco”?
Eu lido bem. Minha situação de risco é essa de ir num bar e não frequentar o banheiro, porque é um lugar onde pode acontecer de oferecerem drogas. Eu não vou a bar à noite. Quando eu vou a um bar, e eu vou só na Vila Madalena, eu vou às 5 da tarde, no happy hour, e evito ao máximo ir ao banheiro. Se eu tiver necessidade, pago a conta e vou para casa. Faço isso porque evito a tal situação de risco, uma das coisas que aprendi na clínica.
E para os jogadores há mais situações de risco hoje ou na sua época?
Na minha época tinha mais. Hoje eles são vigiados, tem celular… hoje eles não têm liberdade para fazer o que querem, eles têm vontade de se divertir um pouco mais e não conseguem porque a privacidade foi para o saco com toda essa tecnologia. Na minha época era mais difícil, a oferta vinha em todo canto. Era mais difícil arrumar droga, mas como você era menos exposto, ficava mais seguro de si. Era menos vigiado e dava mais passos errados.
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