Oct 30, 2013

Neco. Eterno ídolo

 

Corinthians comemora cem anos do dia em que conheceu sua cara, Neco

 

Marcos GuedesSão Paulo (SP)

A cara do Corinthians nasceu na rua dos Imigrantes, no bairro paulistano do Bom Retiro, em 1895. Quinze anos depois, na mesma rua, hoje conhecida como José Paulino, tomou forma o resto do corpo.

Se já era do povo desde a sua fundação, o time assumiu definitivamente essa vocação no dia em que ganhou sua expressão mais genuína. Há cem anos, em 19 de outubro de 1913, a cara se juntou ao corpo, e aquela equipe recém-saída da várzea se viu em um caminho sem volta para uma história sem fim.

Primeiro ídolo alvinegro forjou figura mítica na bola e na cinta
Historiador sugere estádio Manoel Nunes para perpetuar memória

Foi nesse dia que Neco estreou no primeiro quadro. No Parque Antártica, que era o campo da Liga Paulista de Futebol e viria a ser a casa do maior rival, o Corinthians empatou por 1 a 1 com o Americano. Era a última rodada de seu primeiro campeonato oficial, e começava ali – com o garoto Nequinho, assim anotado nos registros da partida – uma linhagem que teria gente como Teleco, Luizinho, Sócrates, Ezequiel e Marcelinho.

Reprodução

Neco defende com muito amor a camisa que vestiu, só no primeiro quadro, por 17 anos

Na verdade, começou antes. O primeiro grande ídolo do clube defendeu os quadros inferiores desde os jogos iniciais. Seu irmão César, parceiro nas conquistas de 1914 e 1916, participou das reuniões de fundação e atuou já no confronto inaugural do quadro de cima com o União da Lapa. Assim, o time nasceu com Manoel Nunes, o Neco, o Nequinho, como torcedor . 

E o torcedor já mostrava o que viria a ser o jogador. Na partida eliminatória que valeu o direito de disputar a Liga Paulista de 1913, ele ouviu alguém chamar o Corinthians de “time de carroceiros” – um bom retrato do futebol da época, a luta da elite para afastar o povo do esporte que seria dele – e partiu para cima. A briga se deu com o rico comerciante lusitano Manoel Domingos Correa, futuro presidente dos próprios “carroceiros” e desafeto constante.

Foi um dos muitos atos que acabaram por fazer do atacante um mito alvinegro. Foi ele que doou ao time a segunda bola de sua história. Foi ele também quem liderou uma espécie de autofurto em 1915, quando séria crise ameaçava o clube e a sede alugada estava fechada pelo proprietário, com ameaça de penhora dos bens. De madrugada, tudo foi tirado de lá e guardado em lugar seguro até que a situação financeira melhorasse.

Neco era puro amor alvinegro, motivo pelo qual resistiu sem hesitação às investidas do Fluminense. Foi após o Sul-Americano de 1919, disputado nas Laranjeiras, a primeira grande conquista da Seleção Brasileira, com participação extremamente decisiva do corintiano. O futebol ainda era amador, mas os dirigentes tricolores ofereceram dinheiro e emprego, ouvindo “não”. Não foram os únicos.

“Joguei 20 anos pelo Corinthians, só por amor. Não recebia nada e ainda tirava dinheiro da minha mãe para dar ao clube. Uma vez recebi uma proposta para ir jogar na Argentina. Dinheiro bom, que recusei. Claro, entrava em campo por amor. Se eu fosse jogar em outro time que não o Corinthians, estaria vendendo o meu amor. Que homem pode fazer isso?”, disse, em 1974, à Folha de S.Paulo.

Acervo/Gazeta Press

Neco (o segundo agachado da esquerda para a direita) resistiu ao assédio e foi campeão em 1924

A recusa ao Fluminense só ampliou a paixão da crescente massa corintiana em torno do jogador, já um ídolo. Figura constante nas seleções paulista e nacional, ele só defendeu outro time em 1915, quando o seu acabou, no meio da briga das duas ligas estaduais existentes, ficando fora de ambas. Ainda assim, aceitou o empréstimo para o Mackenzie apenas com a garantia de que pudesse atuar nos amistosos do Corinthians, excluído das competições oficiais. Em agosto, por exemplo, no mesmo dia em que o Mackenzie enfrentou o Santos, Neco preferiu defender o Corinthians na goleada por 4 a 1 sobre o Ideal Club. 

Assim, agredindo inimigos, jogando muita bola e, especialmente, mostrando o seu amor de maneira incondicional, o primeiro grande ídolo teve participação enorme na edificação do que se tornou o time do povo. “Seguramente, ele é responsável por uma parcela muito grande do que se construiu”, resume Antônio Roque Citadini, ex-dirigente alvinegro e biógrafo do craque.

O jornalista e historiador Celso Unzelte, que revirou toda a trajetória do clube do Parque São Jorge para contá-la em diferentes formatos, não tem dúvida da importância de Neco – protótipo do maloqueiro e sofredor tão valorizado pela torcida até hoje – na construção da identidade corintiana. “Durante muito tempo, ele encarnou o Corinthians. Se eu pudesse resumir, diria que é a cara do Corinthians.”

MANOEL NUNES, O NECO
Nascimento: 7 de março de 1895, em São Paulo (SP)
Morte: 31 de maio de 1977, em São Paulo (SP)
Posição: ponta-esquerda, centroavante e meia

No Corinthians (1913 a 1930)
Jogos: 296
Gols: 235
Títulos: Paulista (1914, 1916, 1922, 1923, 1924, 1928, 1929 e 1930)

Na Seleção (1917 a 1925)
Jogos: 16
Gols: 9
Títulos: Sul-Americano (1919 e 1922)

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