Dec 6, 2013

Último ato.

Tite em três atos: a despedida, a emoção e um futuro em italiano

Em entrevista ao GloboEsporte.com, técnico se emociona com pequenas histórias antes de adeus e quer aprender língua por chance no exterior

Por Diego Ribeiro, Rodrigo Faber e Zé GonzalezSão Paulo

Header_TITE_DESPEDIDABILIDADE_690px (Foto: Infoesporte)

A ideia surgiu de forma repentina, em um dia de trabalho no CT Joaquim Grava. Tite pediu uma camisa ao roupeiro Edizio, de preferência com o número de algum jogador importante nesses três anos e três meses de passagem pelo Corinthians. A 20, do meia Danilo, estava à mão. O técnico mais vitorioso da história do clube queria que cada funcionário do CT assinasse o uniforme, em um gesto simbólico de agradecimento pela convivência diária. A camisa será emoldurada e levada para a casa de Tite.

Mais do que títulos, vitórias e grandes jogos, o tratamento sincero e autêntico com as pessoas é o grande legado deixado pelo técnico, que dá adeus (ou talvez um “até breve”) ao clube após a partida deste sábado (19h30 pelo horário de Brasília), contra o Náutico, no Recife, pela última rodada do Campeonato Brasileiro. Em um meio muitas vezes marcado por ganância e intolerância, Tite destoa.

– Não quero ser simpático ou passar alguma imagem do tipo. Mas há de se ter o mínimo de inteligência e saber que só se vence em conjunto. O Corinthians vence porque cria esse ambiente, que potencializa toda a nossa capacidade de botar as coisas para fora. A camisa foi um simbolismo para comprovar isso – afirmou o técnico.

Em uma hora e meia de conversa com a reportagem do GloboEsporte.com, no Memorial do Corinthians, no Parque São Jorge, Tite deixou transparecer sua autenticidade. Foi a primeira vez que o técnico visitou o local onde estão expostos, entre tantos outros, os cinco troféus que ele conquistou pelo Timão: Brasileirão 2011; Libertadores e Mundial de Clubes em 2012; Paulistão e Recopa Sul-Americana em 2013. Enquanto respondia às questões, não tirava os olhos de uma tela que exibia os lances da Taça Libertadores, a que considera a sua maior conquista. Com voz emocionada, ele vibrou mais de uma vez com o gol de Paulinho sobre o Vasco, nas quartas de final, naquele jogo em que tinha sido expulso e assistiu aos minutos finais no setor de numeradas e depois grudado no alambrado – no meio da torcida fiel.

A adoração dos corintianos a Tite é notória, já que as homenagens se multiplicaram desde que ele anunciou sua saída do Corinthians. O que o técnico faz questão de dizer é que a recíproca é verdadeira. Com palavras ora apaixonadas, ora sérias, Tite discorreu sobre os três anos no cargo, deu “bronca” em Alexandre Pato e avisou que quer aprender a língua italiana – para ter mercado no país em que, ele considera, teria adaptação mais rápida.

– Na última vez em que conversei com pessoas de lá, disseram que eu tinha um italiano de cinquenta anos atrás.

Confira abaixo o papo com o treinador:

Mosaico Tite (Foto: Marcos Ribolli)
Titebilidade em alemão? Tite quer aprender nova língua, mas prefere o italiano, que lhe é mais familiar

GloboEsporte.com: A torcida te abraçou desde o anúncio de sua saída. É difícil ver uma relação tão apaixonada com um técnico de futebol. O que o Tite tem de diferente dos outros?

Tite: A primeira coisa que me surge na cabeça é que fui comentarista. Eu entendi o outro lado. Eu entendi o lado da busca da informação, de ficar aventando possibilidades para ver a resposta do técnico, para conseguir captar a verdade dos fatos. A única coisa que não admito, e sou contundente e impaciente, é uma informação que não seja verdadeira. Isso me tira do sério. Eu aprendi ao longo do tempo a entender comentários, opiniões, e respeitar. Eu estive do outro lado e facilitou. Fiz comunicação social para ter outra perspectiva, isso me facilitou. Ser ex-boleiro me facilitou.

Imagine a titebilidade em alemão?”
Tite, sobre aprender novas línguas

Essa facilidade também pode ser vista na relação próxima com os funcionários do clube. É esse o principal legado que você deixa?

Pedi ao Edizio (roupeiro) uma camisa para o pessoal assinar. Ele me deu e perguntei de quem era. Número 20, Danilo. Eu disse que estava bem representado. Queria a assinatura de cada, um de todos os funcionários, e pedi a ele que passasse com a camisa. Gosto de ter esses lembretes para guardar. Dessa vez eu queria algo de todos os funcionários. Vencemos juntos.

É disso que você vai sentir mais falta? Sinceramente, pelo Tite, essa história continuaria?

Está perguntando se meu lado emoção queria que eu continuasse? Sim. Mas também tem a compreensão de que não é só esse fato. Tem de avaliar, entender, observar tudo que foi realizado, os prós, contras e possibilidades. É humano, natural. É hipócrita eu dizer que queria terminar o contrato. A direção em algum momento também sentiu essa decisão. É claro que humanamente você sempre vê uma perspectiva melhor, tanto é que fomos até o final.

Você já falou algumas vezes sobre não ter conseguido ajudar o Adriano. Por que não conseguiu mais?

Perguntei a mim mesmo 300 vezes sobre o Adriano, e não tenho no meu repertório alguma coisa a mais que pudesse fazer. Fui humano, paternalista, técnico, instrutor, briguei, discuti. Para provocar nele uma melhoria. O clube fez isso, os companheiros dele fizeram isso. Torço para que tenha auxilio agora no Atlético Paranaense.

 Meu braço, minha perna, tudo se mexia. Tinha o contato visual. Eu olhava para os caras e sentia essa coisa vindo de volta. Todo mundo estava dentro do jogo”
Tite, sobre a final do Mundial

Claro que são situações diferentes. Mas você também sente que poderia ter ajudado mais o Pato?

Os problemas que ele teve trazem um benefício, que é da maturidade. Por isso, acredito que ano que vem ele possa melhorar. Readaptação já teve e agora ele compreende mais o torcedor, o senso competitivo da coisa. Talento ele tem, competitividade a gente consegue adquirir. Essa semana ele deu um sinal legal. Vou contar. Um atleta lhe deu uma porrada no treino, ele bufou, e a capacidade de indignação foi tocada. Quando saiu atrás do cara e achei que ele ia dar uma chegada, gritei: “Chega, encurta, pega”. Ele chegou bem perto, mas não fez nada. Mas está bem pertinho.

Se ele devolvesse a entrada, você comemoraria?

Claro! É essa capacidade de indignação. Teve um jogo em que ele tomou porrada o primeiro tempo inteiro. Mandei ele dar uma atropelada, chegar no cara e ir para o confronto. Quero fomentar esse outro lado. Talento ele tem. Todas as equipes querem um cara competitivo. E ele pode ficar bravo comigo,  mas é isso.
Você acha que o anúncio precoce de sua saída tirou a concentração do grupo?

Na reunião da definição que tivemos, tive uma opinião diferente do Roberto de Andrade (diretor de futebol). Ele não queria falar para os atletas, eu errei e falei para colocarmos, sim, a realidade. Não queria especulação na mídia. Eu estava errado. A partir do momento que definimos que eu não ia permanecer, os atletas também se dispersaram e o nível técnico baixou. Perdemos o foco. Teve esse grau maior de dificuldade. Eu errei, o Roberto estava certo.

Dá para dizer que as duas partes estão rompendo um namoro ainda apaixonados? 

Não sei, não sei… Quando tu fala em namoro… As coisas têm de fluir de forma natural. Todo mundo diz para eu voltar logo, mas tem de ser uma coisa natural. Tem de abraçar o próximo trabalho e ter toda a paciência e apoio que teve comigo, e não ficar lembrando do que passou.

Ao menos, o relacionamento parece terminar em paz.

Todos nós erramos. Tivemos dez acertos para três erros. Isso é humano, pô! Querer mais do que isso? Saio realizado por esse reconhecimento.

…e aí um Guerrero diz: “Quem é que vai me cobrar se eu errar um pênalti e me treinar depois para corrigir?”. Um Paulo André diz: “Só você pode tirar mais de nós”. É… (para e respira fundo)”
Tite, sobre a reação dos atletas após derrota para Lusa, em que ele chegou a entregar o cargo

Nesses três anos, você deve ter tido frustrações. Daquelas que você precisa sentir para aprender e crescer depois. Qual foi sua maior?

Absorver, sentir… Você tem de absorver e sentir! Ou tem de ser frio, ou tem de ser quente. Tem de sentir o peso e reagir. Mas frustração… É uma coisa forte. Frustração seria se eu fosse demitido contra o Tolima e o Andrés (Sanchez, ex-presidente) não tivesse me segurado. Putz… (o Timão foi eliminado da fase preliminar da Taça Libertadores pela equipe colombiana). Frustração também seria se eu saísse depois do jogo contra a Portuguesa (derrota por 4 a 0, em Campo Grande, pelo Brasileiro deste ano).

Por quê?

Dentro do vestiário (após a goleada para a Portuguesa), chamei o Edu (Gaspar, gerente de futebol) e coloquei que encerraria o contrato da minha parte, que o Corinthians ficaria livre. Logo depois, veio a manifestação dele e dos atletas, que me seguraram para não dar entrevista. Depois, no hotel, Alessandro bate na porta. Entraram 11 atletas, e ouvi de cada um a importância que cada um de nós tinha naquele grupo. Eles disseram que tinham de mudar certos comportamentos para serem mais competitivos. E aí um Guerrero diz: “Quem é que vai me cobrar se eu errar um pênalti e me treinar depois para corrigir?”. Um Paulo André diz: “Só você pode tirar mais de nós”. É… (para e respira fundo).

Você chorou com esse reconhecimento? Você já fez algum jogador chorar? Tocou alguém a esse ponto?

É chato falar dos outros… Mas eu já chorei e me emocionei algumas vezes. Sou muito intenso. No vestiário em Yokohama, na final contra o Chelsea, me emocionei no fim da conversa. Quem estava lá sentiu essa emoção. Lutei minha vida toda para chegar àquele momento, e minha coragem para enfrentar as coisas era muito grande. Falei que iríamos para dentro, com a nossa cara. Aquele momento era mágico, extraordinário, único. Meu braço, minha perna, tudo se mexia. Tinha o contato visual. Conta muito isso, o jeito, o olho, a entonação. Eu olhava para os caras e sentia essa coisa vindo de volta. Todo mundo estava dentro do jogo.

Qual foi seu maior aprendizado em três anos de Corinthians?

Foi o ganhar buscando sempre ser o melhor e mais leal. Falar as coisas claras e limpas para os atletas e trazer essa relação de confiança. Brincar de faz de conta não gera confiança. O não vencer a qualquer custo, o vencer ao custo de ser mais competente, mais vibrante.

tite corinthians entrevista (Foto: Marcos Ribolli)
Tite conversa com a eqiupe do GloboEsporte.com: três anos e meio em 90 minutos de papo (Foto: Marcos Ribolli)

O futebol brasileiro ainda não está preparado para ter um técnico por tempo tão longo no cargo?

Precisa crescer. Tal qual em qualquer atividade, técnico requer tempo para fazer um ajuste, reconduzir o trabalho, e lá na frente ter os resultados. Fico orgulhoso de ter tido três anos e meio. Quando fiquei dois anos e meio no Grêmio, achei que nunca mais ficaria num time grande por tanto tempo. Telê Santana, Muricy Ramalho, no São Paulo, Abel Braga, no Internacional, e outros conseguiram essa dimensão, esse tempo. Facilita o trabalho dos técnicos. Ajuda a educar o torcedor, o jornalista faz uma avaliação diferente, o diretor entende que assim a coisa anda. Eu tenho essa consciência.

Você quer passar algum tempo estudando antes de dirigir outro clube. Um curso está nos planos? Talvez aprender um novo idioma…

Inglês não, alemão não, pois aí vou ter de estudar, ter fluência, e não vou conseguir. Você se perde nos termos técnicos. Imagine eu dando um trabalho tático? Quando a interação é em tempo real, não dá para passar um erro e eu ficar formatando a ideia na cabeça, a tradução, para corrigir o atleta. Imagine a Titebilidade em alemão? Espanhol é mais fácil, e italiano pode ser.

Se tivesse de aprimorar um idioma…

Seria o italiano. Compreendo bem e precisaria aprender mais. Quando conversei com pessoas de lá, disseram que eu tinha um italiano de cinquenta anos atrás.

Você deixa o Corinthians com uma torcida mais exigente, querendo um padrão Tite após sua passagem?

Não sei se vai se tornar mais exigente ou paciente, mas a autoestima recuperada com a Libertadores e Mundial foi de uma forma que não tem volta. Quando saímos campeões do Mundial, todo mundo estava de peito estufado. Ganhamos porque fomos melhores e mais competentes. Nós vencemos e fomos melhores.

Sábado, por volta de 21h15, após o jogo com o Náutico, no Recife, Tite dará um adeus ou um até breve aos corintianos?

Dou meu coração, minha competência e emoção. Fora isso, não tenho condição de antecipar um sentimento. É só gratidão ao torcedor, que cobra muito, exige muito, mas reconhece na proporção exata.

Mosaico Adeus Tite  (Foto: Marcos Ribolli)
Tite relembra momentos marcantes e admite: chorou no vestiário antes da final do Mundial (Foto: Marcos Ribolli)
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1 Comment

  • Tite, coloca o Zizao no último jogo !!!!!! É a despedida dele.

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