A batalha na FIFA
Diante dos protestos, Fifa não pode ser imperialista e autoritária
Candidato à presidência da entidade, ex-diplomata no Brasil diz que críticas no país não são só contra a Copa, mas por menos corrupção
LEANDRO COLONDE LONDRES
Primeiro candidato à eleição de 2015 para presidente da Fifa, o francês Jérôme Champagne, 55, diz que a entidade precisa evitar a imagem de “imperialista e autoritária” em países como o Brasil.
Ele afirma que o atual modelo do Comitê Executivo da Fifa criou um “toma lá, dá cá” com os continentes. “Às vezes não é ético, não é moral”, disse em entrevista à Folha, após lançar a candidatura em Londres na semana passada para uma das eleições mais importantes da entidade após escândalos de corrupção.
Sobre os protestos no Brasil contra a Copa e a Fifa, Champagne respondeu: “A Fifa tem que analisar o que se passa para não ser vista como imperialista e autoritária.”
Secretário-adjunto e diretor internacional da Fifa entre 1999 e 2010, Champagne era braço-direito do presidente Joseph Blatter, a quem elogia. Ele defende mudanças do Comitê Executivo e mais transparência nas transações milionárias de jogadores.
Diplomata no Brasil entre 1995 e 1997, Champagne tem Pelé como seu principal cabo eleitoral: “É o rei do futebol, isso é incrível para mim”. Ele afirmou que saiu da Fifa por, entre outras coisas, ter sido “excluído” da Copa no Brasil.
Folha – O senhor fez parte da gestão Blatter por 11 anos. Como convencer de que é novidade? Sua candidatura não é mais do mesmo?
Jérôme Champagne – Pode investigar meu passado: fui diplomata de carreira, dois anos no Brasil, trabalhei na Fifa, no comitê da Copa de 98 e quatro anos como consultor. Paguei meus impostos na Suíça e nunca recebi mais do que meu salário.
Durante 11 anos, vi como funciona. Não sou arrogante de achar que sei tudo, mas acho que estou em posição para defender o que defendia lá dentro.
Por que decidiu ser candidato?
A eleição de 2015 definirá que tipo de futebol queremos no século 21. Vemos hoje uma elitização, um número cada vez menor de ligas, clubes, jogadores. Hoje, há mais dinheiro na América Sul e na África do que 20 anos atrás, mas continua uma diferença enorme em relação à Europa.
Há também desigualdade no futebol europeu. Na Liga dos Campeões, há um número cada vez menor de quem pode ganhar. Se quero aprofundar esse debate, tenho que ser candidato.
O senhor foi braço-direito de Blatter, atual presidente. Isso não prejudica a imagem e o discurso de mudança?
Não sei, não sou quem decide se machuca ou não minha imagem. Não tenho vergonha do que fiz ao lado dele. Conheço o senhor Blatter. Não é corrupto, é um homem honesto.
Por que o senhor saiu da Fifa?
Tive um conflito com o presidente da Confederação Asiática, que queria modificar o estatuto em duas federações para permitir que amigos ganhassem. Ele pediu minha cabeça. E também apoiei Blatter na tese de que a Fifa tem um papel regulador sobre o futebol europeu.
Dizem que o senhor saiu também por causa do atual secretário-geral, Jérôme Valcke.
Não vou comentar muito sobre ele. Mas posso dizer, sem sentimento de revanche, que, quando a Fifa decidiu dar a Copa ao Brasil, em 2007, fiquei contente porque tive o privilégio de morar dois anos no país. Sou apaixonado pelo Brasil, meu filho nasceu em Brasília. Poderia ter esse conhecimento aproveitado, mas ninguém quis. Entendi que não era interesse de algumas pessoas. Fui excluído.
Como vê a imagem negativa da Fifa, ainda mais no Brasil?
Isso dói muito. É uma organização honesta, que cometeu erros, mas tem trabalhadores dedicados e honestos. A Fifa é criticada por comportamentos de quem não está lá dentro. Pessoas se demitiram da Fifa por acusações, mas essas pessoas não eram da Fifa, como o Ricardo Teixeira, que estava lá por ser presidente da CBF.
No caso do escândalo da ISL (empresa de marketing), temos de conhecer a história. Até cinco, seis anos, em países como Suíça e Alemanha, uma empresa dar uma comissão era legal, mas há coisas que são legais e não éticas.
No caso da ISL, ficou provado que, além de Teixeira, o ex-presidente da Fifa João Havelange recebeu comissão. O senhor o considera corrupto?
Não sei todos os detalhes. Eu cheguei à Fifa em 1999. Eu não sabia do caso ISL, que faliu em 2001. Tenho respeito pelo que fez o presidente Havelange, ao derrotar o dirigente inglês (Stanley Rous) na disputa em 74, adotar uma visão não racista do futebol, universalizá-lo. Ele lançou os programas de desenvolvimento, expulsou a federação da África do Sul por causa do apartheid em 76. Apesar das críticas, temos que render homenagem ao que ele fez.
Qual o principal problema para quem dirige a Fifa?
O de governança. É preciso mudar a composição do Comitê Executivo (indicado pelas confederações). O presidente não pode montar um governo para implementar seu programa e ainda tem trabalhar com o adversário lá dentro. A consequência é o “toma lá, dá cá”, o presidente tem que fazer compromissos.
Poderia dar um exemplo de ‘toma lá, dá cá’?
Os programas de desenvolvimento da Fifa (que concedem desde consultoria técnica até equipamentos esportivos e assistência financeira): quando alguém pede, temos que dar. Todos fazem isso. Não é ilegal; às vezes não é ético, não é moral. A África conta com 54 federações, mesmo número da Europa, e tem quatro cadeiras no comitê, contra oito da Europa. Há um direito divino da Europa?
O senhor vê erros na organização da Copa no Brasil?
Fui do comitê da Copa de 98, na França. Tivemos erros. Um ano antes estávamos atrasados, e no fim foi fantástica. No Brasil, a coordenação talvez pudesse ter começado um pouco antes. Agora tem de fazer com que essa Copa seja um sucesso. O Brasil merece.
Qual sua opinião sobre os protestos contra a Copa no Brasil e o “padrão Fifa”? Escolher 12 sedes não foi um exagero?
A Copa deve ser realizada com no mínimo oito estádios ou, com segurança, nove. A decisão pertence a quem a tomou. Entendo as pessoas que criticam. Os protestos não são só contra a Copa, mas contra a impunidade, um sentimento por menos corrupção, como a história do mensalão.
Sobre o “padrão Fifa”, isso mostra que a entidade tem um padrão de qualidade, é bom. Mas a Fifa tem que analisar o que se passa no Brasil para não ser vista como imperialista e autoritária.
Temos na Espanha o caso Neymar. Como o senhor vê essas transações milionárias?
Esses grandes clubes são locomotivas, atraindo torcida, imagem. Não tenho problema com transferência milionária, mas que seja transparente.
O Paris Saint-Germain tinha um dos melhores centros de formação. E o Marquinhos (zagueiro brasileiro) foi comprado por € 35 milhões, mas o clube tinha outros franceses na mesma posição. Nada contra o Marquinhos. O problema é que esses clubes têm tanto dinheiro que não têm preocupação em formar.
O senhor mexeria em regras do futebol como presidente?
Temos que proteger os árbitros, que fazem um trabalho duríssimo. Incomoda -me ver jogadores gritando na cara deles. Proponho que importemos boas experiências, como no rúgbi, onde só o capitão pode falar com o árbitro.
Há também o cartão laranja, aplicado antes da expulsão, em que o jogador passaria dois, três minutos fora. E tem a tecnologia. Agora, vamos ao estádio com smartphones. Vemos tudo o que acontece, menos o árbitro. Se não queremos que a tecnologia domine o futebol, temos que dominar a tecnologia.
www.folha.com
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