O futebol e a luta na Ucrânia.
O Rei, Sylvester Stallone e a Fuga para a Vitória (2).Conheça a incrível história do time que inspirou este filme
Esta é uma das 2 únicas fotos do FC Start |
(com algumas adaptações ao português do Brasil, tipo goleiro=guarda-redes, nazi=nazista).
Várias, várias vezes, perguntam-me, com um ar superior, como é possível eu gostar tanto de futebol. Alguns, atiram com o (fraco) argumento de que se trata do ópio do povo e de que eu contribuo para isso.
Há pessoas que não percebem que o jogo não são só milionários tatuados que dizem alarvidades em frente às câmaras. É muito dificil explicar que há mais poesia no pé esquerdo de um Pelé, de um Messi, de um Zidane do que no mundo inteiro, mas há.
E que há uma magia envolvente, um sem número de histórias, de lendas.
É que no futebol, além de se sonhar, resiste-se. Os fracos derrotam os fortes. Os clubes dos ricos, do poder, perdem. E nas arquibancadas já se gritou muitas vezes pela liberdade.
(Mariano Amaro e José Simões, jogadores portugueses num Portugal x Espanha durante a Guerra Civil Espanhola que ao, ao invés de fazerem a saudação fascista, cerraram o punho)
O quadro é de miséria, desemprego, fome, assassinatos consecutivos.
Um dia, Kordik, padeiro ucraniano com ascendência alemã – que o poupou à morte – está a andar em Kiev e vê o goleiro da sua equipa: Trusevych. Fanático pelo Dínamo de Kiev, contrata Trusevych para a sua padaria. Mas Kordik não quer o seu goleiro a fazer pão, Kordik, em plena II Guerra Mundial, enquanto as maiores atrocidades acontecem à sua volta, tem outro plano: ver o seu Dínamo junto outra vez.
Começa assim a “caça” dos jogadores. Trusevych encontra sucessivamente vários companheiros de equipa (8 ao todo) e com mais 3 jogadores do Lokomotiv de Kiev forma-se o FC Start (Start em inglês significa começo, e o nome Dínamo estava proibido).
Uma padaria é, de repente, o abrigo de uma equipa de futebol.
Hitler e os nazistas têm várias obsessões,
uma delas a demonstração da superioridade nazista no desporto,
sendo os torneios de futebol frequentes.
Após alguma discussão, os jogadores do FC Start decidem jogar contra os nazistas. Em Junho de 1942, enfrentam os primeiros adversários.
E mesmo subnutridos, com fome vencem por 7 x 2. Seguem-se outros, sempre com vitórias.
A população local tem, finalmente, ídolos.
Com a Resistência desfeita, num país atormentado pelos acontecimentos de Babi Yar,
Ravina de Babi Yar |
uma ravina que serviu de vala a mais de 30 mil judeus executados num só dia (!) pelos nazistas, há, finalmente, alguém que derrota o mal,
alguém que permite a libertação dos gritos contra a desumanidade e carnificina.
Os nazistas tornam os bilhetes mais caros para afastar a população,
mas o FC Start já é a equipe da população.
Os adversários são batidos um de cada vez,
até chegar a Flakelf, a equipe – propaganda dos nazistas
(antes deste jogo, o placar global a favor do FC Start era de 47 x 8 em todos os jogos disputados até ali).
Apesar do árbitro alemão, da pancadaria e de tudo permitido ao time nazista,
o FC Start vence por 5 x 1. A manobra de Kordik é descoberta e de Berlim pede-se a execução do padeiro e toda a equipa. Mas para Hitler e para os oficiais nazistas, a superioridade ariana é mais importante e marca-se outro jogo para 3 dias depois.
A 9 de Agosto de 1942, joga-se o segundo jogo entre a Flakelf e o FC Start.
O árbitro é um oficial das SS e o ambiente altamente policiado.
Antes do jogo, o árbitro visita o balneário do FC Start e lembra-lhes que devem seguir as regras nazistas e deixa o aviso: se ganharem, morrerão.
Não faço ideia do que se passou na cabeça daqueles jogadores e é quase insultuoso que o tente. Pessoas a quem tudo foi retirado: emprego, casa, amigos e família, têm no futebol, na hora e meia de jogo, as suas vidas – e a de tantos outros ucranianos – de volta. A dignidade, a liberdade, os seus empregos, casa, amigos e família, são lembrados em cada passe, em cada jogada, em cada golo, em cada vitória.
Quando festejava os gols do FC Start,
a população ganhava a guerra, arrasava a propaganda nazista.
E esses homens, que não foram intelectuais, não escreveram livros, eram só homens, como nós (mas sem ser como nós) decidiram jogar.
Decidiram que não cederiam.
Na apresentação das equipas, recusam a saudação nazista.
Com a mão no peito, gritam “Fizculthura!”, uma expressão soviética em prol da educação e cultura física. Está dado o mote para o escândalo.
Ao intervalo, nazistas armados dizem-lhes que devem, que têm que perder.
E aqueles onze homens decidem jogar.
O jogo acaba 5 x 3 para o FC Start com a humilhação final de Klimenko.
Isolado frente a frente com o goleiro nazista, finta-o, e de baliza aberta, quando todo mundo esperava mais um gol, decide passar a bola para o meio campo outra vez.
A humilhação é total, o estádio vem abaixo.
Eu já festejei muitos gols do meu clube, fico vermelho, sem respirar, grito e sinto-me vivo.
Mas o que Klimenko fez deve ter feito chorar, deve ter feito viver. Destroçados pela guerra, sujeitos a tortura, obrigados a sentirem-se racialmente inferiores, não imagino a alegria, os arrepios, a felicidade dos adeptos que viram o FC Start.
Não imagino o orgulho que esses homens sentiram com aquelas camisolas, não imagino, não consigo imaginar.
Tempos depois, a Gestapo foi à padaria. Kordik foi torturado e assassinado à frente de todos. Só Goncharenko e Sviridovsky(em algumas versões desta história, houveram 3 sobreviventes:os dois citados e Tyutchev), que não estavam na padaria naquele dia, sobreviveram até à libertação de Kiev em 1943.
Goncharenko e Sviridovsky, em frente ao monumento erguido em honra dos seus colegas do FC Start |
Todos os outros foram deportados para campos de concentração. Trusevich, Klimenko e Putistin foram mortos em Babi Yar. Há um monumento em frente ao estádio do Dínamo que honra os heróis do FC Start. Nele está escrito:
“Aos jogadores que morreram com a cabeça levantada ante o invasor nazista”.
E ainda hoje quem tem o bilhete daquele jogo tem entrada gratuita no estádio.
Não existirá, decerto, maior acto de coragem na história do futebol mundial. Toda a magia, toda a aura que o jogo carrega está simbolizada neste jogo. Toda a beleza, toda a coragem, está tudo ali.
A bola de Klimenko, que eu nunca vi, mas que construo vezes sem conta na minha memória, é mais arrepiante do que poemas ou canções. Deve ter sido como ver uma revolução.
Imagino um qualquer ucraniano a sair do estádio e a olhar, pela primeira vez, um soldado nazista olhos nos olhos e de sorriso nos lábios.
O futebol não é só o ópio do povo. É também o suspiro do oprimido.
Esta é a outra foto |
Todos os jogos do FC Start
21 de junho – FC Start 6×2 Guarnição húngara
05 de julho – FC Start 11×0 Guarnição romena
12 de julho – FC Start 9×1 Militares do batalhão ferroviário
17 de julho – FC Start 6×0 Exército da Wehrmacht
19 de julho – FC Start 5×1 MSG (Exército Húngaro de Ocupação)
21 de julho – FC Start 3×2 MSG (Exército Húngaro de Ocupação)
06 de agosto – FC Start 5×1 Flakelf (Exército Alemão, até então invicto)
09 de agosto – FC Start 5×3 Flakelf – 36 mil ucranianos no estádio
16 de agosto – FC Start 8×0 Rukh – Último jogo do time.
www.pelethebest.blogspot.com.br
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Fala Citadini, aqui um Corinthiano e grande fã de quando você era vice-presidente de nosso clube no começo dos anos 2000.
Infelizmente tenho de aturar Mario “faz tudo errado” Gobbi, sendo que ainda faltam UM ANO para as eleições! 🙁
Fazer o quê….
Mas isso é outro papo, o que interessa mesmo é que os próprios ucranianos contestam veêmentemente essa versão apresentada, caro Citadini.
Segundo os historiadores ucranianos somente alguns dos jogadores foram presos e não foi em decorrência do jogo em sí, mas porque foram denunciados como espiões do exército vermelho em 1942.
Por exemplo, uma das discrepâncias é que Korotkykh foi morto em decorrência de tortura após a Guestapo o prender, não porque tinha jogado o chamado “jogo da morte”, mas porque era realmente um espião soviético trabalhando na Ucrânia (os arquivos abertos da KBG após o fim da guerra-fria não confirmam o fato, apenas diz que ele era filiado ao PC russo e serviu no exército russo).
Komarov é outro, que não foi morto e sim se retirou com os alemães de Kiev quando estes abandonaram a Ucrânia, terminando a guerra em Berlim e depois mudando-se para o Canadá.
Nunca foi mencionado na propaganda soviética.
O que os ucranianos não gostam é que a história original foi alterada e romanceada pela extinta URSS como forma de propaganda.
Porém, nada disso apaga o significado desse jogo e dessas pessoas, reconheçamos isso.
Como diria Pi Patel, em “As Aventuras de Pi”, qual história então você prefere?
Abraços e sucesso
Caro André,
Há muitos pontos nesta história que ainda não foram adequadamente esclarecido. O fato principal é um acontecimento fantástico. Há, como vc diz , um monte de questões abertas. Por que as autoridade soviéticas não revelaram -imediatamente após a guerra- do ocorrido? Seria porque alguns atletas aderiram ao governo da Ucrânia pró-nazista? Haveria- de fato- um infiltrado e pró Alemanha? São muitas as questões ainda não respondida. Não gosto muito das versões atuais da Ucrânia. Estão comprometidas pelo rancor da guerra que parte da população tem dos soviéticos.Um abraço.