Um dos maiores técnicos do futebol brasileiro, pouco lembrado e reverenciado, injustamente, recebe, finalmente, uma belíssima biografia: “Oswaldo Brandão – Libertador corintiano, Herói palmeirense” (Editora Contexto).
Oswaldo Brandão, para aqueles que conviveram com ele, dentro e fora dos gramados, era muito mais do que um simples técnico. Um ser humano incrível.
Ficou marcado para sempre na história do futebol brasileiro como o técnico que conseguiu livrar o Corinthians do longo jejum de 22 anos sem um título, no ano de 1977. Mas Brandão representa muito mais do que essa conquista, que chega a parecer simples para um profissional com tanta vivência no futebol.
Maurício Noriega acertou em cheio na escolha. O livro foi escrito com alma, porque “Nori”, como é conhecido e tratado pelos amigos, tinha razões pra lá de pessoais com o personagem biografado. Seu pai, um dos maiores jornalistas esportivos do país, Luiz Noriega, era muito amigo de Brandão. Nori “abraçou” a produção da obra quase como uma “missão”. Gol de letra. Brandão ficará agradecido, com certeza. Luiz Noriega, idem. E Nori, segue o caminho de ambos. Vale também conferir reportagem especial feita com o autor, Maurício Noriega, aqui no Literatura na Arquibancada (
http://www.literaturanaarquibancada.com/2012/03/mauricio-noriega-paixao-pelo-jornalismo.html )
Sinopse (da editora):
Paizão, descobridor de talentos, disciplinador, Oswaldo Brandão foi um dos maiores técnicos do futebol brasileiro do século XX. Ganhou inúmeros títulos e marcou especialmente a trajetória dos grandes rivais paulistas Corinthians e Palmeiras. Foi o técnico que mais vezes comandou ambos os times. Pelo Palmeiras, conquistou três campeonatos brasileiros e quatro paulistas e liderou a equipe na fase áurea da chamada “academia de futebol”. No Corinthians, ganhou dois paulistas, sendo que um deles (de 1977) encerrou um dramático jejum de 23 anos.
Também atuou na Argentina e no Uruguai e teve passagem de destaque pela seleção brasileira, embora nunca tenha ido a uma Copa do Mundo. Com a narrativa brilhante do jornalista e comentarista esportivo Maurício Noriega, entramos no mundo pessoal e profissional deste personagem marcante na crônica esportiva do país.
Capítulo de abertura
Por Maurício Noriega
13/10/1977
Uma multidão invadiu o gramado do estádio do Morumbi. Fazia apenas alguns segundos que o Corinthians tinha sido campeão paulista, após vinte e dois anos e alguns meses de jejum.
Histeria coletiva, choro, gente percorrendo de joelhos o campo de jogo, pagando promessas. O repórter Carlos Eduardo Leite, o Dudu, da TV Cultura de São Paulo, aproximasse de José de Souza Teixeira, auxiliar técnico do Corinthians. Microfone em riste, ele percebe Teixeira inabalável, apenas observando.
Não vai comemorar, Teixeira? – pergunta.
Eu sabia que seríamos campeões – respondeu, com o olhar fixo em uma cena em particular.
A poucos metros dali, um senhor algo grisalho, de sorriso e bigode fartos, era carregado por uma procissão. Parecia que o povo conduzia o altar de um santo, agradecendo uma graça recebida.
Aquela imagem do Brandão sendo carregado pelo povo está na minha memória. Eu fiquei em pé, em cima da cobertura do banco de reservas, olhando tudo aquilo. Os policiais tinham levado o troféu embora, esconderam dos torcedores.
Mas eles não queriam o troféu, queriam o Brandão – recorda Teixeira.
Naquela noite fria de 13 de outubro de 1977, Oswaldo Brandão estava cumprindo sua maior missão. Espírita kardecista, ele ainda demoraria 12 anos para desencarnar, como dizem os adeptos da doutrina.
Eu me guardo. Choro pra dentro – dizia aos repórteres.
Mas, naquela noite, milhões viram Brandão chorar, ao vivo e pela TV. Um paletó azul-escuro que cobria um suéter azul-celeste sobre uma camisa social branca se destacava no mar de gente que escondia o verde do gramado. Parecia flutuar acima deles. Todos queriam tocá-lo. Vestindo o paletó estava Brandão.
E ele chorava.
Trinta anos tinham passado desde que Brandão trocara a função de jogador de futebol pela de técnico. Foi em 1947 que ele assumiu o time principal do Palmeiras. Pouco antes tinha deixado de jogar, por causa de uma contusão no joelho direito.
Com a bola nos pés, foi ora lateral-direito, ora centroavante. Chutava forte. Com os jogadores nas mãos, tornara-se um dos maiores técnicos de futebol do Brasil. Fez sucesso na América do Sul. Foi campeão no Brasil, no Uruguai e na Argentina. Até mesmo na seleção brasileira, que classificou para a Copa do Mundo de 1958 e dirigiu por algumas vezes, dando a primeira oportunidade a muitos futuros craques. Em três décadas tinha deixado sua marca.
Embora colecionasse títulos de torneios mais importantes, Brandão passaria a ser lembrado para sempre, a partir daquela noite, como o técnico que tinha libertado o povo corintiano da escravidão de gozações e humilhações dos adversários.
O roteiro parecia de cinema. O Corinthians havia sido campeão pela última vez, em 1954, com Brandão como treinador da equipe no jogo decisivo contra o Palmeiras. E foi no comando do grande rival histórico do Corinthians que, em 1974, o treinador prolongou o sofrimento alvinegro, vencendo o título paulista daquela temporada, derrotando a equipe da Fiel e, ironia do destino, cravando seu nome também como o maior treinador da história do alviverde Palestra Itália.
Aquele senhor de 61 anos em nada lembrava o jovem que deixara a cidade de Taquara, no Rio Grande do Sul, para ganhar a vida como jogador de futebol e, quem sabe, evitar o destino previsível da maioria de seus companheiros de infância, o de seguir os passos dos pais e trabalhar na indústria ferroviária.
Até chegar ao título de 1977, provavelmente o mais marcante de sua carreira, Brandão tinha acumulado a experiência de jogador mediano no Sul, com passagens por Internacional e Grêmio, e uma breve carreira no Palestra Itália.
Assumiu como técnico do Palmeiras para quebrar um galho em 1945. Retornou como técnico de fato dois anos mais tarde, e só deixaria o futebol em 1989, quando desencarnou (como espiritualista, ele evitava o termo morte).
Marcou gerações de torcedores e influenciou profundamente jogadores e treinadores com quem trabalhou.
Inclusive alguns que nem sequer o conheceram, mas que imitam seus gestos, métodos e até mesmo algumas de suas frases.
Poucos olhos viram a vida e o futebol como os de Oswaldo Brandão.
Sobre o autor:
Maurício Noriega, paulista de Jaú, cidadão de Bariri, é jornalista formado pela Faculdade Cásper Líbero de São Paulo e mestrando em Jornalismo Digital pelo Instituto Internacional de Ciências Sociais. Em mais de 25 anos de carreira, trabalhou nos jornais Folha da Tarde, Diário Popular, A Gazeta Esportiva e Lance!, e na Rádio Bandeirantes. Organizou ainda a operação editorial brasileira do portal esportivo internacional SportsJÁ! Participou de diversas coberturas internacionais, entre elas Jogos Olímpicos, Jogos Pan-americanos, Copa América, Eurocopa, Copa do Mundo, GPs de Fórmula 1, Atletismo e Mundiais de Vôlei e Basquete. Desde 2002 é comentarista e apresentador do canal SporTV, com passagem pelo jornal Bom Dia São Paulo, da Rede Globo. Ganhou por cinco vezes (2005, 2006, 2007, 2010 e 2011) o prêmio Ford/Aceesp de melhor comentarista esportivo. Pela Editora Contexto publicou o livro “Os 11 maiores técnicos do futebol brasileiro”.