O grande técnico Brandão.
BRANDÃO, O MAIOR COACH QUE CONHECI.
Por Edgard Soares
Nenhum Blog trata os heróis corinthianos como o de Roque Citadini. Com respeito e fazendo justiça aos que construíram a verdadeira história do Campeão dos Campeões.
Num momento em que a crônica esportiva perdeu tanto a qualidade que um dia já teve é reconfortante que alguém, que não pertence a ela profissionalmente, como é o caso de Roque, dê este exemplo. Que bom se fosse seguido.
No ensejo do lançamento de livro sobre Oswaldo Brandão, mais uma vez, foi possível anotar este comportamento, quando o Blog posta matéria sobre o “inesquecível” Brandão.
Ao lê-la em meu e-mail, enviada por seu autor, não poderia deixar de registrar um depoimento a respeito daquele que considero o melhor treinador de futebol que conheci.
E, pelos motivos que expus no primeiro parágrafo, resolvi fazê-lo aqui, neste espaço que reverencia os verdadeiros ídolos do alvinegro.
Neste Blog, recorda-se que o Corinthians não foi fundado em 2007, como muitos supõem.
Falando com emoção:
Tive a felicidade de conhecer Brandão como repórter da Folha da Tarde. E, como tal, o entrevistei várias vezes no Parque São Jorge em uma de suas quatro passagens pelo clube.
No meu caso isso ocorreu antes de 1977, quando ele foi supervisor do departamento de futebol no final da década de 60, tendo como técnico e seu subordinado, Aymoré Moreira, campeão mundial comandando a selecão brasileira no Chile, em 1962.
Há muito Brandão queria deixar de ser técnico e se transformar em Manager (ele, em sua maravilhosa e cativante simplicidade pronunciava “manáger”) e estava curtindo muito aquela experiência única em sua carreira.
Durou pouco, é verdade. Brandão voltou a ser apenas treinador, mas valeu a pena. O Corinthians era ainda dirigido por Wadih Helu e o desespero pela conquista do título que não vinha tornava impossível qualquer planejamento a médio prazo. E a implantação da idéia de Brandão necessitava exatamente disso, de tempo. Com o Corínthians na fila, não havia clima para tal. Os resultados tinham que aparecer imediatamente.
Mas, para mim, foi uma convivência inesquecível. Era, então, muito garoto, mas Brandão me dava a mesma atenção que dispensava a jornalistas bem mais experientes. Brandão não gostava muito de dirigir automóvel e, num final de treino, ele pediu uma carona para voltar para casa. Normalmente, Brandão utilizava taxi. Mas, naquele dia, ele voltou num carro da Folha. Claro que aproveitei para tirar dele uma “exclusiva”.
Ao chegar na porta de seu prédio, que ficava no bairro de Santa Cecília, a duas quadras da Avenida Angélica, na altura da Praça Marechal Deodoro, a surpresa: Brandão insistiu para que eu e o premiado fotógrafo Alfredo Rizzutti subíssemos até seu apartamento para terminarmos o papo. E fez questão de que o motorista do jornal, Zelão, também nos acompanhasse. Em seu apartamento, sua esposa nos recebeu com extrema delicadeza, com direito a cafezinho e refrigerante.
Brandão era assim, humano, cativante. Falou do Corinthians, de sua experiência como Manager, dos títulos que ganhou, de futebol em geral. Propiciou uma excelente entrevista.
Embora tendo sido criada a lenda em torno de Brandão de que era mais um psicólogo do que um estrategista, ele entendia, sim, e muito, de futebol; de como montar um time; e de como modificar a maneira de atuar de uma equipe, por exemplo, do primeiro para o segundo tempo de uma partida.
Claro que possuía uma liderança nata e uma capacidade motivacional incomum. Não poucas vezes fechava o vestiário, ficavam apenas ele e os jogadores. E quando estes voltavam a campo parecia uma outra equipe. Inclusive taticamente.
Mas essa não era sua única qualidade como Coach.
Não por outro motivo ele convocou e montou a seleção brasileira que disputou as eliminatórias para a Copa do Mundo de 1958 e que foi campeã na Suécia. Foi o primeiro treinador a ter coragem de convocar Mané Garrincha para a seleção brasileira e a classificou para a Copa num jogo decisivo no Maracanã contra o Peru, 1 a 0, gol de Didi. Com 120 mil pessoas no estádio, em abril de 1957.
Como possuía uma personalidade forte, Brandão após a classificação, tendo dado moral à seleção que vinha de dois fracassos marcantes em Copas do Mundo (1950, no Brasil e 1954, na Suiça), descontente com os dirigentes, surpreendeu a então CBF e pediu demissão.
Tivesse prosseguido com a seleção, que dali a um ano embarcou para a Europa e Brandão, ao lado de todos os títulos que conquistou, teria o de campeão mundial.
A base do time campeão em Estocolmo: Gilmar, De Sordi (Djalma Santos), Belini, Zózimo (Orlando) e Nilton Santos; Dino e Didi; Joel (Garrincha), Didi, Vavá, Dida e Pepe( Zagalo) ele já havia formado. E ainda tinha Roberto Belangero e Evaristo de Macedo, dois cracaços, entre os seus convocados.
Pelé seria uma convocação natural fosse quem fosse o treinador dali a um ano. Ou seja, a seleção campeã foi mesmo montada por Brandão.
A história se repetiu em 1977. Consagrado e no seu melhor momento como treinador, técnico da 2a. Academia e bicampeão brasileiro com o Palmeiras, Brandão foi chamado para a seleção brasileira em 1975 e formou uma equipe forte para disputar as Eliminatórias com vistas à Copa da Argentina. Certamente classificaria novamente o Brasil.
Brandão foi o primeiro treinador a chamar para a seleção Paulo Roberto Falcão e Toninho Cerezzo, inexplicavelmente desprezados na convocação final para a Copa de 78 pelo treinador que o sucedeu.
Tendo sido um ídolo na Argentina como treinador do Independiente, matreiro, Brandão, conhecia de sobejo o futebol e manha dos “irmanos” e seria o homem certo, no lugar certo, para a Copa naquele país.
Mas a pressão absurda da imprensa carioca, que sabia do temperamento de Brandão, fez com ele, pela segunda vez, abrisse mão do cargo logo após a primeira partida pelas Eliminatórias, 0 a 0 contra a Colômbia.
Seu substituto foi Claudio Coutinho, terceiro preparador físico na Copa do México de 70 (os outros dois eram Admildo Chirol e Carlos Alberto Parreira).
Coutinho era bom teórico, dava boas entrevistas utilizando termos em inglês, mas não possuía experiência nem currículo como técnico para uma Copa do Mundo.
O estopim da saída de Brandão foi a escalação de Vladimir, o lateral esquerdo e ídolo corinthiano que, por sinal, vivia o melhor momento de sua carreira.
A imprensa carioca criticou demais a escalação. Mas isso era, evidente, apenas um pretexto. O que os cariocas queriam era um treinador do Rio de Janeiro.
Tanto que os laterais esquerdos convocados por Coutinho eram, ambos, inferiores a Vladimir e, além de tudo, improvisados: Rodrigues Neto (um ex-ponta-esquerda) e Edinho (na verdade um quarto-zagueiro). Com Amaral e Polozzi convocados para a posição, a lateral-esquerda foi uma maneira de arrumar um lugar para o jogador do Fluminense entre os convocados.
Brandão sabia que as críticas a Vladimir eram apenas uma desculpa e não tinha paciência para enfrentar uma campanha tão mesquinha e despropositada. E decidiu ir embora.
Ou seja, o Corinthians e seus jogadores sempre estiveram muito presentes na vida e na carreira de Brandão.
Poderia ocupar o seu tempo, caro leitor, e o precioso espaço do Blog, falando de um Brandão pouco conhecido, mas creio que o livro tenha explorado bastante sua rica biografia.
Apenas para terminar, e como corinthiano, não consigo ver Brandão como treinador de outros clubes.
Embora ele seja o único técnico que foi campeão pelos três grandes clubes que dirigiu: Palmeiras, Corinthians e São Paulo. Este último, também, tirando-o da fila. E tendo ganho mais títulos pelo Palmeiras do que pelo Corinthians.
Mas para mim, fica e ficará sempre, o Brandão do Corinthians. É o único de que me recordo.
Num dos momentos mais trágicos, certamente o mais trágico de sua vida, o Brandão do Corinthians teve uma postura ímpar, sublime. Não conheço ninguém que a teria.
Brandão tinha uma paixão, um grande orgulho, o seu único filho, Márcio. Rapaz elegante, bem apessoado, era modelo. Nada tinha a ver com o futebol.
Na reta final do Campeonato Paulista de 1977, uma fatalidade. O filho querido, o rapaz saudável e bem sucedido na sua carreira, foi diagnosticado com uma doença incurável, terminal.
Na época, poucos sabiam a respeito.
E embora a direção do Corinthians o tivesse liberado inteiramente, Brandão reuniu forças para ficar todos os momentos disponíveis ao lado do filho e comandar, ao mesmo tempo, o time tão próximo de atingir o seu grande objetivo, que era voltar a ser campeão. Como tinha sido com ele, 23 anos atrás, em 1954.
Provavelmente, somente a crença de Brandão, kardeccista convicto, lhe possibilitou viver estes momentos tão angustiantes, com tamanho estoicismo.
Os jogadores sabiam do que ocorria. E todos, indistintamente, o idolatravam pela sua coragem ao enfrentar o drama pessoal que vivia. E ainda encontrar condições de os orientar e motivar.
Isto explica a desabalada corrida de Zé Maria, o capitão corinthiano, em direção ao Banco de Reservas, assim que Wanderlei Boschilla apitou o final da partida contra a Ponte Preta.
José Maria Rodrigues Alves, o Super Zé, aos prantos, levantou Brandão e o colocou em seus próprios ombros e saiu com ele pelo gramado.
Naquele instante, Brandão, a lenda, se eternizou.
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