O drama de 50.
A pena perpétua de Barbosa
O ESTADO DE S. PAULO
Goleiro do Brasil na Copa de 1950 paga 50 anos por erro na final contra o Uruguai
SÃO PAULO – Barbosa costumava dizer que jamais alguém no Brasil recebera uma pena tão longa quanto a sua. Goleiro da seleção brasileira na Copa do Mundo de 1950, foi condenado pelo fracasso na final contra o Uruguai. Jogando em casa, ao Brasil bastava empatar para ser campeão mundial pela primeira vez.
Era o que acontecia, até o atacante Ghiggia disparar um chute cruzado, aos 34 minutos do segundo tempo, e fazer 2 a 1. Em reportagem de O Estado de S. Paulo, de 18 de julho de 1950, Barbosa é considerado um dos culpados. “Duas bolas perfeitamente defensáveis foram às redes brasileiras”, relata o texto.
“Dei um passo à frente, senti que (Ghiggia) cruzaria a bola, aí eu poderia pegar com facilidade. Não sei se ele chutou mesmo com efeito ou se quis se livrar da bola, pois estava sendo acossado; o que sei é que a bola entrou entre a minha perna e a trave.” O Estadão relembrou a explicação de Barbosa para o lance em reportagem publicada em 8 de abril de 2000, um dia após a sua morte.
Com o passar dos anos, a cada reencontro entre Brasil e Uruguai, a história do “Maracanazzo” era retomada. Filmes foram produzidos e livros escritos em torno do fato. No curta-metragem “Barbosa”, o personagem interpretado por Antonio Fagundes volta no tempo para tentar alertar o goleiro sobre o desfecho para o chute de Ghiggia, tamanho trauma que aquela derrota causara na vida dele.”Nenhum brasileiro esquece o drama de 50″, era o título de reportagem à página 21 do Estadão do dia 17 de junho de 1970, 20 anos após o “Maracanazzo”. Jogadores da seleção tricampeã falaram acerca das lembranças que tinham daquela final.
Em entrevista para aquela reportagem, Barbosa resumiu assim as suas memórias: “Depois daquela derrota fomos levados para fora do estádio e nem sei onde fui parar. Durante uma semana andei abobalhado por aí. Só lastimo que não tenham respeitado minha dor”.
Barbosa passou a vida falando do fatídico segundo gol uruguaio. “A pena máxima para um crime no Brasil é de 30 anos. Eu pago por aquele gol há 50”, lamentava. E precisava sempre lembrar seus momentos de glória. Foi seis vezes campeão carioca defendendo o Vasco da Gama e conquistou a Copa América em 1949 pela seleção. O goleiro também não concordava que culpassem o lateral-esquerdo pelo lance. “Se houve um culpado fui eu”, assumia.
Igualmente, o “carrasco” Ghiggia foi diversas vezes procurado para recordar o tento que deu o bicampeonato mundial à Celeste Olímpica. Em uma das entrevistas a respeito, ele confirma a versão de Barbosa de que pensava em cruzar, antes de ver o goleiro brasileiro sair da meta.
E afirmou, durante as comemorações de 20 anos do Maracanã, que Barbosa era um dos melhores goleiros de todos os tempos, comparando-o à época a Mazurkiewicz, arqueiro da equipe uruguaia nas Copas de 66, 70 e 74.
Em 1993, aos 72 anos, Barbosa passou pelo constrangimento de ser barrado na concentração da seleção brasileira, na Granja Comary. O Brasil enfrentaria o Uruguai, no Maracanã, em jogo decisivo das Eliminatórias para a Copa de 1994.
A fim de evitar qualquer relação com o fracasso de 1950, a comissão técnica na época, comandada por Carlos Alberto Parreira, impediu que Barbosa conversasse com o goleiro Taffarel. Barbosa aceitou e retirou-se calado.”Falaram que eu podia transmitir uma imagem negativa”, declarou na ocasião. “Não sou pé-frio, só queria passar otimismo aos jogadores.”
No ano 2000, o Maracanazzo voltou com tudo ao noticiário. Ano em que o mais traumático revés da seleção brasileira completou 50 anos. Revisto à demasia, o suposto erro de Barbosa tornava-se cada vez menos evidente.
Homenagens foram prestadas. Três meses antes do cinquentenário,em abril, Barbosa morreu, aos 79 anos. Goleiro injustiçado,partiu absolvido, lembrado como um dos melhores de sua época.
www.estadao.com.br
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