Jun 16, 2014

O drama de 50.

 

A pena perpétua de Barbosa

O ESTADO DE S. PAULO

 

Goleiro do Brasil na Copa de 1950 paga 50 anos por erro na final contra o Uruguai

 

 

SÃO PAULO – Barbosa costumava dizer que jamais alguém no Brasil recebera uma pena tão longa quanto a sua. Goleiro da seleção brasileira na Copa do Mundo de 1950, foi condenado pelo fracasso na final contra o Uruguai. Jogando em casa, ao Brasil bastava empatar para ser campeão mundial pela primeira vez.

 

 

Era o que acontecia, até o atacante Ghiggia disparar um chute cruzado, aos 34 minutos do segundo tempo, e fazer 2 a 1. Em reportagem de O Estado de S. Paulode 18 de julho de 1950, Barbosa é considerado um dos culpados. “Duas bolas perfeitamente defensáveis foram às redes brasileiras”, relata o texto.

 

“Dei um passo à frente, senti que (Ghiggia) cruzaria a bola, aí eu poderia pegar com facilidade. Não sei se ele chutou mesmo com efeito ou se quis se livrar da bola, pois estava sendo acossado; o que sei é que a bola entrou entre a minha perna e a trave.” O Estadão relembrou a explicação de Barbosa para o lance em reportagem publicada em 8 de abril de 2000, um dia após a sua morte.

 

Com o passar dos anos, a cada reencontro entre Brasil e Uruguai, a história do “Maracanazzo” era retomada. Filmes foram produzidos e livros escritos em torno do fato. No curta-metragem “Barbosa”, o personagem interpretado por Antonio Fagundes volta no tempo para tentar alertar o goleiro sobre o desfecho para o chute de Ghiggia, tamanho trauma que aquela derrota causara na vida dele.”Nenhum brasileiro esquece o drama de 50″, era o título de reportagem à página 21 do Estadão do dia 17 de junho de 1970, 20 anos após o “Maracanazzo”. Jogadores da seleção tricampeã falaram acerca das lembranças que tinham daquela final.

 

Em entrevista para aquela reportagem, Barbosa resumiu assim as suas memórias: “Depois daquela derrota fomos levados para fora do estádio e nem sei onde fui parar. Durante uma semana andei abobalhado por aí. Só lastimo que não tenham respeitado minha dor”.

 

Barbosa passou a vida falando do fatídico segundo gol uruguaio. “A pena máxima para um crime no Brasil é de 30 anos. Eu pago por aquele gol há 50”, lamentava. E precisava sempre lembrar seus momentos de glória. Foi seis vezes campeão carioca defendendo o Vasco da Gama e conquistou a Copa América em 1949 pela seleção. O goleiro também não concordava que culpassem o lateral-esquerdo pelo lance. “Se houve um culpado fui eu”, assumia.

 

Igualmente, o “carrasco” Ghiggia foi diversas vezes procurado para recordar o tento que deu o bicampeonato mundial à Celeste Olímpica. Em uma das entrevistas a respeito, ele confirma a versão de Barbosa de que pensava em cruzar, antes de ver o goleiro brasileiro sair da meta.

 

E afirmou, durante as comemorações de 20 anos do Maracanã, que Barbosa era um dos melhores goleiros de todos os tempos, comparando-o à época a Mazurkiewicz, arqueiro da equipe uruguaia nas Copas de 66, 70 e 74.

 

 

 

 

Barbosa, goleiro do Brasil na Copa de 50
Barbosa, goleiro da Brasil na final da Copa de 50
Arquivo Estadão

 

 

 

 

Em 1993, aos 72 anos, Barbosa passou pelo constrangimento de ser barrado na concentração da seleção brasileira, na Granja Comary. O Brasil enfrentaria o Uruguai, no Maracanã, em jogo decisivo das Eliminatórias para a Copa de 1994.

 

A fim de evitar qualquer relação com o fracasso de 1950, a comissão técnica na época, comandada por Carlos Alberto Parreira, impediu que Barbosa conversasse com o goleiro Taffarel. Barbosa aceitou e retirou-se calado.”Falaram que eu podia transmitir uma imagem negativa”, declarou na ocasião. “Não sou pé-frio, só queria passar otimismo aos jogadores.”

 

No ano 2000, o Maracanazzo voltou com tudo ao noticiário. Ano em que o mais traumático revés da seleção brasileira completou 50 anos. Revisto à demasia, o suposto erro de Barbosa tornava-se cada vez menos evidente.

 

Homenagens foram prestadas. Três meses antes do cinquentenário,em abril, Barbosa morreu, aos 79 anos. Goleiro injustiçado,partiu absolvido, lembrado como um dos melhores de sua época.

 

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