Juiz Natural e Promotor Natural: A Democracia não vive sem eles.
Jurisdição e competência: a morte do juiz natural
Tribunais superiores (tais como o Supremo Tribunal Federal, o Superior Tribunal de Justiça, o Tribunal Superior do Trabalho) têm jurisdição em todo o território nacional.
Isto não significa que tenham competência para decidir todo e qualquer litígio que ocorra no território nacional. A Constituição define sua competência, atribuindo, por exemplo, ao TST, a competência para julgar, em grau de recurso, os litígios em matéria trabalhista.
Já os juízes têm jurisdição apenas no território da respectiva comarca ou circunscrição, conforme as leis de organização judiciária. Sua competência, por outro lado, é definida nas leis processuais.
Os critérios mais gerais, utilizados na legislação para definir a competência, são o domicílio do réu e o lugar do fato (ou da coisa). Assim – ressalvadas as exceções (como é o caso, por exemplo, nas ações de alimentos) – o réu residente em Santos deve ser processado e julgado em Santos. Se o objeto do litígio é um imóvel situado em São Vicente, Cubatão, ou Guarujá, ou se ali ocorreu a infração, o juiz competente, ressaltados os casos especiais previstos em lei, não é o de Santos.
Logo, não cabe ao juiz decidir quais os casos que irá julgar. Nem arrastar alguém à sua jurisdição. Competente para julgar não é um juiz “ad hoc”, escalado pelo seu técnico, como se fosse um jogador, para enfrentar determinado adversário. Chama-se, por isso, “juiz natural”, aquele cuja competência não é determinada por alguma autoridade, mas segundo os critérios impessoais definidos previamente em lei. Aqui em Santos houve um Diretor do Forum Estadual que, cumulando uma das varas civis, fraudava a distribuição dos processos, sujeitando à sua decisão as ações mais valiosas. Fazia isso por ganância, não por interesse político-partidário.
Pelos mesmos fundamentos, a prática judiciária é incompatível com a existência de tribunais de exceção, tribunais “ad hoc” criados para julgar divergentes políticos, tal como ocorreu, no Estado Novo, com o Tribunal de Segurança. A ditadura de 1964 não criou um tribunal de segurança, mas alterou a legislação, entregando a tribunais militares a competência para julgar civis acusados de crimes contra a segurança nacional.
Imaginem agora que um juiz de Porto Alegre queira estender sua jurisdição a alguém domiciliado em São Paulo, ou em Brasília. Ou que um juiz de Manaus queira estender sua jurisdição a São Bernardo do Campo.
O que poderá dizer para justificar tão esdrúxulo comportamento, a não ser que sua competência, no caso, não se determina pelo domicílio do réu, nem pelo lugar do fato ou da coisa, mas pela matéria? E, por isso, tendo julgado um caso da multinacional X, é competente para julgar todos os casos da multinacional X, de suas subsidiárias, de seus fornecedores, de seus consumidores e dos respectivos parentes, sócios e empregados? Ou que, estando “sub judice”, em sua Vara, o caso de um criminoso vestido de amarelo, ele é competente para julgar todos os casos de criminosos vestidos de amarelo? Aliás, esse réu de São Bernardo estava vestido de amarelo, como se provará no curso do processo, e nisso se evidenciará o nexo com a quadrilha de amarelo.
Estou, vejam bem, apenas imaginando, porque nenhum juiz sensato ousaria ampliar sua jurisdição para estendê-la a todo o território nacional, como se fosse, não um simples juiz de comarca, mas um tribunal superior. E porque, se ocorresse um caso assim, sua atuação conflitaria com a competência dos demais juízes, e seria cerceada por órgãos superiores.
Imaginemos, porém, que acontecesse isso, e que esse juiz recebesse a solidariedade de seus órgãos de classe. Que nome poderíamos dar a esse fato, à luz dos princípios jurídicos, dos princípios morais, e dos princípios democráticos?
SÉRGIO SÉRVULO DA CUNHA
(Reproduzido do sítio http://www.servulo.com.br, 18-08-2016)
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Por cortesia como pode um juiz no Canadá aceitar uma ação reformulando uma sentença de herança de um artista chines que presenteou, simplesmente deu, a uma das filhas residente na Espanha, sendo que o mesmo morreu nos EEUU, uma obra de Picasso em prol de outros filhos residentes no Brasil e na China, assim como parte de obras que foram doadas ao museu de Taiwan, o direito internacional pode interferir, nos procedimentos em outro país?