MODELOS DE MERCADO X COBERTURA UNIVERSAL
Originalmente publicado em “O Estado de S. Paulo”, em 18/01/1993
Discute-se muito, no mundo inteiro, acerca do melhor sistema para assistência médica da população. Em alguns lugares tal atuação é considerada exatamente igual a qualquer outro bem ou serviço e se rege por leis estritas de mercado. Cremos que só em Hongcong sucede condição extrema, pois lá existe condição para atendimento médico de boa qualidade, mas quem pode paga e quem não pode se vira como pode, devendo nesse espaço do mundo cruzar um rio e procurar atenção gratuita, se bem que não primorosa, na China.
Em inúmeros lugares, porém, têm lugar noções de solidariedade que tornam eticamente repugnante o fato de ser a assistência condicionada unicamente à possibilidade de se efetuar gastos, diretamente ou por pré-pagamento e, no fim, estamos falando da mesma coisa. O princípio da dependência recíproca, de caráter social, para enfrentar riscos de que pessoas não são culpadas, difunde os custos por todos os que compartilham da mesma comunidade, fazendo média de despesas, ou seja, os que recebem mais da estrutura não precisam contribuir à altura, nem os que prescindem dela conseguem o direito de reclamar. Fica tudo no estilo seguro de vida, que torcemos para não usar, e no preço que se despende para viver perante segurança para todos.
Quando, no entanto, coexistem sistemas de mercado ao lado de um processo abrangente, e estamos falando do Brasil e do Sistema Único de Saúde (SUS), algumas perversões seguramente acontecem. Os proprietários dos seguro-saúde privados trabalham com bases atuariais e prazerosamente acolhem primordialmente os que não precisam dos planos ou vão motivar menos gastos. Adoram também empurrar os maiores encargos para a área pública e isso não é difícil. Basta ver o que os contratos normalmente fazem questão de não cobrir: quimioterapias de câncer, internações psiquiátricas e tratamentos de doenças infecciosas. Não é porque constituiam as afecções responsabilidades do Estado, como alguns insistem em mencionar, uma vez que a premissa não está escrita em lugar nenhum. Na verdade, são as providências mais custosas e encaradas como capazes de dar prejuízos, afigurando-se agradável receber prêmios todos os meses, com entusiasmo para pagar despesas ficando consideravelmente menor.
Qual a solução? Entidades médicas apelam para termos éticos e morais, frisando que as cooperativas estão mais bem situadas quanto ao atendimento a segurados por pré-pagamento do que as empresas comerciais, porque não visam lucro. Pode até ser verdade, porém também notamos que não visam perdas e fogem igualmente do custeio pertinente às enfermidades como as citadas acima, igualando-se então, sob esse aspecto, a quaisquer outras firmas de medicina de grupo. Não é por aí, portanto.
Entendemos que o conselheiro Antonio Roque Citadini, do Tribunal de Contas do Estado de São Paulo, formula solução que nos parece judiciosa. Conforme ele, cada vez que indivíduos vinculados a esses contratos adoecerem e utilizarem os préstimos do SUS, o Estado mandará contas coerentes às empresas envolvidas e, se não cumprirem, gerarão implicações judiciais.
Isso vai conduzir a encargos perante as esferas governamentais ou, por outro lado, estimulará determinados empresários quem se consideram bastante eficientes, a se equiparem a fim de acolher todas as doenças resultando que nem tudo despencará em setores públicos. Assim, não se concretizará injusta privatização do lucro e socialização do prejuízo.
Não obstante, por enquanto, consignamos conselho para clientes do seguro-saúde na qualidade de particular ou de empregador: é injustificável concordar com algo que, na vigência de necessidade, não vale; discutam bem antes e prefiram os seguros que garantem cobertura de verdade, nem que sejam mais caros. O duro é notar, naquela hora crucial, que vocês foram levados no bico, e isso não aparece nas faustosas propagandas.
Vicente Amato Neto e Jacyr Pasternak são médicos e professores universitários.
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