RIO — O governo do estado publica na terça-feira mesmo decreto que desapropria a Refinaria de Manguinhos, o que permitirá aos avaliadores do estado fazerem uma inspeção imediata do imóvel. O anúncio foi feito nesta segunda-feira pelo governador Sérgio Cabral, via assessoria de imprensa. Em nota, Cabral reforça que o imóvel onde está situada a refinaria tem as características ideais para a implementação de unidades habitacionais. No terreno de 500 mil metros quadrados, acrescenta o governo, pode ser construído um bairro planejado, com apartamentos, escolas, áreas de lazer, postos de saúde e biblioteca. Cabral havia anunciado que a unidade seria desapropriada no domingo, após a ocupação policial do complexo de Manguinhos e da Favela do Jacarezinho. As comunidades receberão, a partir de dezembro, duas Unidades de Polícia Pacificadora (UPPs).
Depois de ter declarado ter sido surpreendido com o anúncio, o presidente da empresa, Paulo Henrique Menezes, disse nesta segunda, por meio de nota, que vem desenvolvendo grandes projetos para ampliação e modernização de seu parque de refino e estocagem. Os investimentos na unidade chegam a R$ 1,4 bilhão. Ainda na nota, o presidente afirma que a empresa, “embasada na Constituição federal e nas leis do país, confia nas instituições públicas para a garantia de seus direitos de livre iniciativa de sua atividade econômica”.
Usando um tom duro contra a empresa — que tem quase 7 mil acionistas na Bolsa de Valores de São Paulo (Bovespa) —, o governo afirma na nota que o estado já moveu contra a refinaria ações judiciais de cobrança de impostos no valor de R$ 406 milhões e que já foram aplicadas multas no valor de R$ 130 milhões. “A Refinaria de Manguinhos já há muito tempo não funciona de fato como refinaria, mas sim como uma grande distribuidora de combustíveis”, diz ainda o Poder Executivo.
Cabral acrescentou que a Secretaria estadual do Ambiente vai calcular o valor da “remediação ambiental da área, cujo custo o estado solicitará ao Poder Judiciário que seja descontado do valor a ser pago à empresa pelo imóvel”.
Anos para descontaminar
No entanto, o poder público terá de ter paciência no processo de transformação de uma área que sofreu anos de contaminação. A presidente do Instituto estadual do Ambiente (Inea), Marilene Ramos, disse ontem que ainda não havia discutido o assunto no órgão, mas ressaltou tratar-se de um processo moroso, que “demanda um tempo enorme”. Ela afirmou ainda não ter condições de precisar que tempo seria esse, mas assegurou serem necessários pelo menos dois anos para o início da construção dos imóveis.
— A remediação total (da área) demanda um tempo enorme, mas é possível começar as intervenções com menos de 100% do terreno descontaminado. A área da antiga General Electric (GE), por exemplo, exigirá quatro anos de descontaminação. Ainda vamos ter que fazer estudos disse Marilene. — Acredito que o processo na refinaria dure pelo menos dois anos.
Especialista em descontaminação de solo, o engenheiro Alexandre Maximiano reforçou a necessidade de uma ampla investigação para garantir a segurança dos futuros moradores. Ele disse que há a possibilidade de o terreno estar contaminado por hidrocarbonetos carcinogênicos, ou seja, que podem ser causadores de câncer.
Uma história de 58 anos marcada também por denúncias
O anúncio de que a Refinaria de Manguinhos dará lugar a um bairro modelo acontece quase dois anos depois de a Procuradoria Geral do Estado (PGE) remeter ao Supremo Tribunal Federal (STF) um inquérito que apura suposto crime de sonegação fiscal envolvendo um sócio e um ex-dirigente da petrolífera, além de um deputado federal e um diretor da Agência Nacional do Petróleo (ANP). O inquérito, cujos detalhes foram reveladas em reportagens do GLOBO entre 2010 e 2011, tem como investigados o empresário Ricardo Magro, sócio da refinaria; o deputado federal Eduardo Cunha (PMDB-RJ); o ex-superintendente de Abastecimento da ANP Edson Menezes da Silva e o petista Marcelo Sereno, ex-assessor de José Dirceu que tentou vaga para a Câmara do Rio na eleição deste ano e em 2009 esteve no comando da refinaria.
Atualmente a cargo do ministro Celso de Mello, a investigação apura um esquema no qual Manguinhos teria passado a operar apenas como central de distribuição, e não mais como refinaria, deixando de recolher aos cofres públicos o ICMS devido. Atualmente equipes do Departamento de Polícia Federal ainda realizam diligências relativas ao inquérito, que teve sua movimentação mais recente no STF no último dia 2. Além de sonegação fiscal, o esquema também seria baseado em troca de informações privilegiadas e tráfico de influência.
Um trecho extraído de um dos 40 volumes encaminhando pela PGE ao STF afirmava que “o exame dos diálogos destacados indica que há um forte vínculo de interesse entre ambos, sendo que aparentemente o suposto parlamentar faz uso de relevante cargo político para exercer tráfico de influência ou advocacia administrativa na seara de combustíveis, de modo a favorecer o ambiente negocial de seu amigo Ricardo Magro”.
O inquérito foi remetido STF depois que foi constatada a participação do deputado federal Eduardo Cunha, cujo foro privilegiado determina que o caso seja apurado na esfera federal. Em 2010 Ricardo Magro e Marcelo Sereno negaram envolvimento no caso, enquanto Eduardo Cunha não quis comentar o assunto. Manguinhos já havia sido alvo de investigação por causa de problemas fiscais em anos anteriores.
A Refinaria de Petróleos Manguinhos S/A foi inaugurada em dezembro de 1954, no auge da campanha “O petróleo é nosso”. Em 2008, foi adquirida pelo Grupo Andrade Magro. Nos últimos 12 meses, diz a direção, a empresa refinou 3,5 milhões de barris de petróleo. Manguinhos afirma que emprega mil trabalhadores diretos e 4 mil indiretos.