O preço do Itaquerão foi inflado até R$ 985 milhões graças a alterações no contrato de construção que permitiram à Odebrecht cobrar e lucrar mais mesmo quando há dúvidas se houve mudança significativa no projeto inicial. A diretoria do Corinthians concordou com tudo, o que elevou a sua dívida. Os dados constam do acordo entre o clube e a empreiteira e seus aditivos obtidos pelo blog, e revelados pela primeira vez agora pois nem conselheiros têm acesso a eles.
Os documentos mostram que, às vésperas da Copa-2014 e da abertura do estádio, o acerto inicial foi substancialmente mudado para: aumentar o preço; abrir brecha para novos incrementos de valores; majorar para R$ 79 milhões lucro e taxas para a construtora e ainda possibilitar que a obra tenha troca de determinados itens, o que pode levar a qualidade inferior. Somados juros e instalações da Fifa, o custo do estádio já gira entre R$ 1,150 bilhão e R$ 1,2 bilhão. Vamos aos fatos.
O enredo do inchaço do preço do Itaquerão começou em setembro de 2011 quando foi assinado o primeiro contrato de construção do estádio. O então presidente corintiano Andrés Sanchez repetia diversas vezes à época que o valor era de R$ 820 milhões, e não poderia sofrer nenhum reajuste. Era verdade naquele momento. Só que o próprio Andrés conduziu negociações posteriores que derrubaram essa realidade.
No primeiro contrato, o texto da cláusula 14 é claro: “O preço fixo global é fixo e não prevê reajustamento, salvo conforme previsto neste contrato. O contratante (Corinthians) não terá qualquer responsabilidade por aumentos ordinários de qualquer natureza no custo do escopo contratado para execução do contrato, salvo quando estipulado de forma diversa.”
Contrato original que prevê que todos os itens da obra estão incluídos no preço global fixo de R$ 820 mi
Estavam incluídos custo de obras, equipamentos, máquinas, utensílios; mão de obra, direita ou indireta; subcontratados; despesas e encargos financeiros; riscos ordinários e contingência relativa à inflação. E está lá o lucro da Odebrecht só que sem percentual fixo – a construtora diz que já estavam previstos 4%. Na versão de Luis Paulo Rosenberg, então negociador pelo Corinthians, seria o que sobrasse.
Havia exceções que permitiriam a revisão do contrato, entre elas, variações de escopo de obra, aumento de custos com exigências da Fifa, suspensão de obras sem culpa da contratada (Odebrecht), aceleração da construção. Houve, de fato, uma paralisação da construção pelo acidente com a queda do guindaste, mas o período não foi longo. E nem foi por isso a explosão do custo do estádio.
Dois meses depois, em novembro de 2011, o Corinthians pediu a primeira alteração contratual. Seu objetivo era economizar. Neste novo acordo, é inserida cláusula pela qual as partes concordam que “verbas orçamentárias”, parte relevante do custo, não têm mais a regra de preço fixo e “poderão variar para mais ou para menos”.
Primeiro aditivo do contrato que permite variação de preço em parte do orçamento composto por “verbas orçamentárias”
Questionada, a Odebrecht afirmou que essa alteração foi um pedido do Corinthians para participar de algumas negociações técnico-comerciais. O clube não respondeu oficialmente o blog.
Mas Luis Paulo Rosenberg, então responsável corintiano na arena, explicou: “O valor era de R$ 820 milhões. Com essas verbas, conseguimos descontos com negociações. Mas o limite de preço ficava. Agora, o imbróglio que foi feito depois disso no contrato, eu não sei”, contou. O dinheiro de sobra (estima-se em R$ 60 milhões) seria usado em outros partes da obra, sem redução do preço. Ou seja, sobraria dinheiro para contingência e evitaria-se inchaço no preço, o que não aconteceu.
Surgiu o primeiro aumento na obra ao se incluir a instalação dos dutos da Transpetro: R$ 10,9 milhões. Mas esse item, de fato, não estava no escopo original da obra. O cenário até aí era favorável a se manter o preço próximo do inicial.
Depois disso, todas as alterações contratuais foram em favor da Odebrecht. No segundo aditivo, o clube cede todos os seus direitos ao fundo Arena, mas mantém suas responsabilidades financeiras.
No terceiro aditivo, a Odebrecht ganha direito a receber um adiantamento maior do dinheiro do BNDES – ressalve-se que a construtora vinha bancando a obra com seu caixa e empréstimos até então. A quarta alteração é para jogar a data da obra para abril de 2014 – antes era dezembro de 2013.
Mas é às vésperas da Copa que há uma mudança contratual que explode o preço do estádio. Em 15 de maio de 2014, um dia após a paralisação das obras para a Copa e poucos dias antes do primeiro jogo do estádio, é assinado pelo ex-presidente Mário Gobbi e pela construtora o quinto aditivo contratual. Ele só assinou, pois quem conduziu a negociação foi Andres.
Primeiro, o texto explica que esse documento ajusta o escopo da obra e substitui uma parte da proposta técnica, que detalhava tudo que estava incluído dentro da construção e que jamais fora assinado. No novo modelo, o preço já salta para R$ 985 milhões. A reivindicação da construtora era ainda maior: R$ 1,2 bilhão. O número final foi fechado em reunião entre as partes.
Só que esse valor era superior ao necessário para fazer a obra de fato. O anexo ao contrato mostra que a composição do valor inclui 4% para a construtora (em torno de R$ 39 milhões). Outros 4% são TAC (Taxa de Administração Central) (R$ 39 milhões) destinados também à empreiteira. O total de R$ 79 milhões vai para a Odebrecht. Mesmo que existisse o percentual previsto, o valor absoluto cresceu R$ 15 milhões só para a construtora.
Anexo ao quinto aditivo que prevê lucro bruto e taxa da Odebrecht com percentual que não existia antes
Datada de fevereiro, a ata de reunião para negociação dessa revisão fala que a construtora abriria mão do lucro: “Os custos incorridos e projetados serão informados ao SCCP sempre que solicitados, respeitando o compromisso da CNO, da obra quando finalizada, não ter resultado, ou seja, lucro líquido abaixo do previsto suportando eventuais variações”.
Por esse texto, o dinheiro do lucro deverá ser usado para novos aumentos na obra, como contingência. Mas isso não está no contrato que não prevê nenhuma contingência. A Odebrecht argumenta que cumprirá com a promessa de usar o dinheiro para variações do preço da obra.
“A margem de 4% está prevista desde o contrato principal. O conteúdo da ata citada é auto explicativo”, disse a assessoria da construtora. “(O lucro) Justamente para suportar eventuais variações que ficaram exclusas do valor do fechamento do Aditivo.”
Na ata da reunião, o valor do lucro bruto é menor: R$ 32 milhões. Ou seja, sofreu um reajuste antes de entrar no contrato ao passar para 4% do total. A construtora nega que tenha havido mudança. “Seria de gargalhar a empreiteira não ter lucro. Mas, inicialmente, não dava para saber quanto seria. Dependeria da sobra da obra. Se ficasse mais baixo o valor da obra, teria mais”, contou Rosenberg, que desconhece o aditivo ao contrato.
Página de ata de reunião entre Odebrecht e Corinthians em que o lucro bruto da empreiteira fica em R$ 32 milhões
Em relação ao TAC, a construtora explicou que “refere-se à Taxa da Administração Central, comum nos contratos de construção para suportar o todo tipo de apoio da Empresa nos Empreendimentos.” Só que a mão-de-obra da obra já está prevista em outros itens.
O orçamento divulgado pela construtora e pelo clube não explicita esse lucro e o TAC da empreiteira. Inclui um item chamado BDI (Benefícios e Despesas Indiretas) que é usado em obras para colocar o lucro e esse tipo de custo, entre outras despesas. Mas a maioria do público não conhece o termo.
Em relação aos aumentos de custo da obra, a justificativa da Odebrecht é uma mudança do escopo original com acréscimos: “Alguns itens foram incorporados ao projeto com a intenção de maximizar receitas de operação (Ex: Painel de Led da fachada Leste, vidros curvos das fachadas, dentre outros) e/ou pela ocorrência de fatos não previstos e exclusos do contrato (Impostos, LEED, Remanejamento dos Dutos Transpetro, dentre outros )”, disse a assessoria da construtora.
O clube não comentou a questão. Mas o arquiteto da obra, Aníbal Coutinho, afirmou que as variações de escopo não foram tão grandes. “Fizemos solicitações depois de 2011 que geram impacto de R$ 23 milhões e foram em parte devido à variação cambial (…), e também a situações da obra que modificamos para aumentar o faturamento da obra, clubes vips, etc”, afirmou ele. “As mudanças de contrato foram ínfimas. Elas não ultrapassam R$ 23 milhões de custo direto. O equivalente de menos de 3% da obra.” A empreiteira argumenta que todos os custos estão no orçamento.
O arquiteto afirmou não ter conhecimento da parte financeira da obra, nem do teor inteiro do contrato. Mas está claro que há uma discordância sobre o tamanho nas modificações do escopo do projeto. Dos itens que tiveram aumentos certos, estão transpetro (R$ 10,9 mi), impostos (R$ 36 mi) e variações do escopo (R$ 23 mi). Isso está longe dos R$ 175 milhões de acréscimos. A empreiteira argumenta que todos os custos estão no orçamento divulgado pelo clube.
Os impostos subiram porque não foram incluídos todos no Recopa (programa de incentivos fiscais do governo). Assim, a construtora passou a cobrar R$ 24 milhões até aquele alteração contratual, e outros R$ 12 milhões para obras futuras. Só que o que exceder isso será pago pelo clube. Será de “responsabilidade integral da contratante o recolhimento e pagamento de tributos que excedam tal limite”, diz o contrato.
Quinto aditivo do contrato que prevê que impostos que excederem R$ 12 milhões serão pagos pelo Corinthians
Não é o único item que pode ultrapassar R$ 985 milhões. Pela cláusula 14.2.2 imposta pelo aditivo, “na hipótese de apresentação de pleitos, demandas ou contingências de qualquer subcontratado da contratada que impliquem em ônus adicional, caberá a contratante (Corinthians) promover ajustes ou modificações na especificação dos itens das obras de modo a reduzir valores, com vistas a assegurar que o preço fixo global não seja alterado”.
Na ata, fica ainda mais claro que demandas de fornecedores não estão incluídos no valor. Ou seja, o preço fixo de R$ 985 milhões, na prática, pode ser alterado. A Odebrecht confirma que já existem reivindicações de fornecedores exigindo mais dinheiro pela obra. Isso inclui itens como ar-condicionado e instalações elétricas. Há diversos itens inacabados no Itaquerão.
Quinto aditivo estabelece que o Corinthians tem que negociar pedidos de fornecedores fora do preço final
A construtora afirmou, no entanto, que qualquer variação nos preços será custeado pelo seu lucro. E afirmou que o preço não vai aumentar.
Outra questão: no novo contrato, se a Odebrecht identificar que um quesito vai superar o teto, irá comunicar o Corinthians para substituir por outro de especificação diferente para manter o preço. O aditivo ainda revoga cláusulas do primeiro aditivo pedido pelo clube para economizar.
Os termos definitivos do contrato são importante em um cenário de disputa entre o Corinthians e a Odebrecht por itens não concluídos da obra. O clube notificou que 180 deles não tinham sido entregues, apesar de terem sido incluídos em lista como prontos. Também há questionamentos no canteiro de obras sobre a qualidade que a empreiteira tem realizado a obra.
A empreiteira garante que isso não vai acontecer: “A qualidade dos materiais empregados serão mantidas ou melhoradas”, disse. O clube não se pronunciou. O arquiteto Aníbal Coutinho também espera a conclusão da obra dentro do combinado: “Acredito que sim. Se a Odebrecht cumprir o contrato, a gente vai ter a obra integralmente pronta.”
Em toda a negociação, não se pode esquecer que o Corinthians estava em uma posição frágil porque quem levantou o dinheiro para a construção foi a Odebrecht por meio de empréstimos bancários. Esses mútos são de responsabilidade do clube pagar.
Pelo contrato inicial, não alterado neste trecho, os pagamentos pela obra tinham que ser mensais. O Corinthians enfrenta problemas com a falta de viabilidade dos CIDs (Certificados de Incentivos de Desenvolvimento) e com as baixas receitas geradas pelo estádio até agora. A empreiteira recebeu do BNDES e dos empréstimos bancários.
No momento, a dívida do clube com a empreiteira é de cerca de R$ 400 milhões. O débito total do estádio, com isso, já está em torno de R$ 1,150 bilhão e R$ 1,2 bilhão. São os R$ 985 milhões do contrato, mais as instalações provisórias da Fifa (R$ 90 milhões) e mais de juros de mais de R$ 100 milhões. Esses itens são por fora do acordo.
Um valor fruto de série de erros no financiamento, e, agora se sabe, pelo inchaço no preço da obra. Aceito pelo Corinthians.
O advogado Ivandro Sanchez, que é o responsável jurídico do Corinthians no contrato, respondeu por meio de sua assessoria: “O Machado, Meyer Advogados esclarece que não participou das negociações comerciais entre as partes contratantes”, disse ele.”As suas questões são de cunho estritamente comercial e/ou técnico e foram discutidas e negociadas pelos empresários representantes de cada uma das partes.”
Repita-se: o clube foi procurado com uma série de perguntas sobre o contrato e suas alterações e teve uma semana para responder. Não deu retorno.
Sondado por Andrés para retornar à gestão do Itaquerão, e depois descartado, Rosenberg demonstra sua decepção do quadro atual: “Me dá enjoo cada vez que vou ao estádio.”
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