- Flamengo de Guarulhos se classificou pela primeira vez para a segunda fase da Copinha após três vitórias
Existem dois Corinthians na edição 2014 da Copa São Paulo de juniores. Um deles, que veste alvinegro, é poderoso, mimado e claudicante. O outro usa uniforme rubro-negro, convive com limitações decorrentes de um orçamento apertado e faz campanha irrepreensível. Longe dos holofotes ou da estrutura da equipe do Parque São Jorge, o Flamengo-SP foi uma das maiores surpresas da primeira fase da competição de base.
O time de Guarulhos disputa a Copa São Paulo desde 2005. Em nove participações, o Flamengo-SP jamais havia superado a primeira fase. Neste ano, foram três vitórias em três jogos: 9 a 0 sobre o Imagine (TO), 4 a 3 contra o Juventus-SP e 2 a 1 no tradicional Vitória-BA. O adversário nas oitavas de final será o Palmeiras, às 19h desta terça-feira, em São Carlos.
O Corinthians também passou de fase, é verdade. No entanto, teve vida bem mais sofrida nos três primeiros jogos. A equipe alvinegra estreou na Copa São Paulo com empate por 1 a 1 com o Remo, sofreu para bater o XV de Piracicaba por 2 a 1 e deslanchou apenas na rodada derradeira, quando bateu a Internacional de Limeira por 4 a 0.
A diferença entre as duas campanhas é apenas parte da história de Corinthians e Flamengo-SP. As duas equipes são parceiras desde 2010, quando o time do Parque São Jorge precisou tirar as categorias de base de Itaquera para construir seu novo estádio. Atualmente, todas as despesas da base do clube de Guarulhos são custeadas por esse acordo.
“Eles pagam todas as despesas de comissão técnica, atletas, alimentação e logística. Quando essa parceria foi feita, o Corinthians precisava de um espaço físico para treinar e o Flamengo-SP precisava de um parceiro para se manter. A situação financeira do clube era precária. O Corinthians se propôs a bancar tudo: melhorou o vestiário, montou uma academia, reformou o departamento médico e está construindo alojamentos”, enumerou Joaquim Mangueira, presidente do Flamengo-SP.
Em novembro de 2010, o colombiano Freddy Rincón, ídolo do Corinthians, foi contratado pelo time do Parque São Jorge para trabalhar como técnico do Flamengo-SP. Demitido em março do ano seguinte, ele fez duras críticas ao projeto.
“Isso não está sendo bom para ninguém. Não estão sabendo conduzir as coisas. Não quiseram fazer um time forte para a [série] A-3 [do Campeonato Paulista]. Só montaram um time por montar. Mesmo que a gente tivesse bons jogadores no sub-23, era óbvio que precisaríamos de reforços. A situação é preocupante. Do jeito que está, com certeza não vai dar certo”, vaticinou o colombiano na época, em entrevista à revista “Placar”.
Inicialmente, o Corinthians dois perfis de atletas ao Flamengo-SP: jogadores que estavam em busca de experiência para retornar ao Parque São Jorge e outros que não tiveram espaço nas categorias de base alvinegras. Desde o início, pululam relatos sobre enorme quantidade e altíssima rotatividade de atletas em Guarulhos.
Além do inchaço, os primórdios da parceria foram marcados por problemas estruturais. Jogadores do Flamengo-SP deixaram de treinar às vésperas de um jogo decisivo da Copa Paulista de 2011 porque não tinham campo disponível. A equipe também teve de abandonar um ônibus em uma viagem porque o motor fundiu. Segundo o “Blog do Perrone”, um veículo fabricado em 1989 foi comprado para recompor a frota.
O principal fruto que o Corinthians obteve da parceria até aqui foi o lateral esquerdo Igor. O jogador nascido em 1992 estava no Flamengo-SP quando o acordo foi firmado, migrou para o Parque São Jorge e foi um dos poucos atletas com passagem pela base alvinegra que tiveram chances com o técnico Tite na temporada 2013. Neste ano, ele deve ser emprestado ao Sport-PE.
A Copa São Paulo tem mostrado outros jogadores que podem seguir caminho parecido. Os principais destaques do Flamengo-SP são o meia Marcinho, ex-Vila Nova-GO, e o atacante Fabrício, que o Corinthians contratou do Primeira Camisa-SP antes de direcionar a Guarulhos. O lateral Murilo é outro elogiado pela comissão técnica da equipe rubro-negra, que é comandada por Caco Espinoza (filho do técnico Waldir Espinoza).
“Não vou tirar o mérito dos meninos, mas a grande força é a parte coletiva. Quem assiste aos jogos percebe a intensidade. Foi assim contra o Vitória, que era um dos favoritos na Taça São Paulo. Nós fizemos um acordo com o Corinthians no ano passado para disputar a competição com um time muito jovem, sub-18. Mantivemos essa base no Campeonato Paulista e repetimos agora. Esse entrosamento é um diferencial”, opinou o presidente do Flamengo-SP.
Entre os destaques individuais e um bom conjunto, porém, o Flamengo-SP ainda convive com problemas do início da parceria. A começar pelo transporte: o Corinthians tem três ônibus para as categorias de base, e apenas um veículo possui como ar condicionado. Os atletas de Guarulhos viajam com bólidos envelopados com a marca da equipe do Parque São Jorge, e em algumas vezes precisam suportar o calor.
“Às vezes acontece de a equipe viajar em ônibus sem ar condicionado, mas nós alugamos um ônibus completo para levar os meninos a São Carlos. Nossa estrutura está melhorando. Hoje estamos reformando os alojamentos, e os nossos atletas moram em hotéis de Guarulhos”, contou Joaquim Mangueira. Todo esse custo, incluindo locação do veículo, obras no clube e acomodação dos garotos em estruturas provisórias, é bancado pelo Corinthians.
Enquanto os jogadores do Flamengo-SP viajam em ônibus sem ar condicionado e moram em hotéis, o Corinthians usa apenas um veículo completo para levar seus atletas aos jogos da Copa São Paulo. Além disso, o time alvinegro espera finalizar neste ano a construção de um moderno centro de treinamentos para categorias de base no Parque Ecológico do Tietê, ao lado do espaço em que os profissionais trabalham.
A dicotomia também é gritante no faturamento. O Corinthians fechou o ano fiscal 2012 com receita de R$ 358,5 milhões, segundo balanço oficial do clube. O Flamengo-SP tem atualmente apenas três fontes de renda: a taxa recebida da FPF (Federação Paulista de Futebol), patrocínios e o estacionamento em dias de jogos – a equipe não cobra ingressos.
No período da Copa São Paulo, o Flamengo-SP conseguiu amealhar R$ 20 mil em patrocínios. A taxa recebida da FPF é pouco superior a R$ 80 mil, mas menos de R$ 30 mil (depois dos descontos) chegam efetivamente aos cofres do clube, que tem apenas três funcionários assalariados e três jogadores contratados.
“Hoje temos um parceiro que nos ajuda a pagar contas e manter o clube de pé. O que estamos fazendo é reestruturar o clube para estarmos em uma condição saudável quando eles forem embora”, disse Joaquim Mangueira.
Pelo acordo, Corinthians e Flamengo dividem igualmente a receita advinda da negociação de atletas que já estavam no clube de Guarulhos quando a parceria começou – caso de Igor, por exemplo. O time rubro-negro não tem qualquer participação nos jogadores que são colocados lá pelo parceiro.
A parceria entre Corinthians e Flamengo-SP tem duração assegurada até o fim deste ano. Depois, a longevidade do acordo depende da conclusão do CT alvinegro para as categorias de base ou de uma nova negociação. Se a campanha na Copa São Paulo continuar, os garotos de Guarulhos darão um bom argumento para isso.
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